O que querem de Covas os eleitores de distrito que deu vitória a Boulos
O prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), foi reeleito no último domingo (29) ao bater Guilherme Boulos (PSOL) em 50 das 58 zonas eleitorais de São Paulo. O candidato psolista ganhou apertado em algumas regiões da periferia, como São Mateus, na região leste.
Com ajuda desse distrito, a esquerda teve o melhor desempenho na capital desde 2012. Distante quase 30 km do centro, o local se destaca por grandes ocupações populares erguidas em seu extremo, já perto de Mauá, na Grande São Paulo.
Boulos —que ganhou projeção ao defender a ocupação de prédios e terrenos ociosos por pessoas sem moradia— venceu por pouco em São Mateus: 50,8% a 49,2%, graças aos votos que herdou de Celso Russomanno (Republicanos) e Jilmar Tatto (PT), derrotados no primeiro turno.
Há 17 anos morando perto do Terminal São Mateus, a dona de casa Maria José da Silva Oliveira, 63, diz que nunca gostou do Covas, por isso escolheu Russomanno no primeiro turno. No segundo, seguiu os conselhos da neta de 23 anos e votou em Boulos.
"Ela convenceu todo mundo em casa", diz ela. "Eu não ia votar no Covas. Ele nunca fez nada e ainda cortou o leite dos meus netos", afirma, em referência à redução do alcance do programa de distribuição de leite em pó aos alunos da rede municipal.
Perto dali, Milene de Oliveira, 33, também mencionou os quatro pacotes de leite que os dois filhos deixaram de receber. Dona de uma pequena bombonière no bairro, onde vive há 15 anos, escolheu Russomanno e depois Boulos.
"Para começar, o Covas é apoiado pelo [João] Doria", disse ela, franzindo a testa, ao se referir ao governador de São Paulo. "Depois votei no Boulos para ver se acontecia algo diferente, um voto de confiança."
Embora descrente, espera que o prefeito reeleito devolva o benefício cortado, "mas eu não acho que ele vá devolver".
Covas "segurou a peteca"
No Jardim Santa Adélia, o técnico de televisores Roberto Venâncio, 36, esperava na calçada para entrar em uma agência da Caixa.
"Votei no Covas nos dois turnos", afirmou, convicto. Escolheu o prefeito porque "ele já tem mandato, conhece o caminho das pedras". Mas a luta enfrentada pelo prefeito contra o câncer foi decisiva para sua escolha, que no primeiro turno quase trocou para Márcio França (PSB).
Eu não votaria no Covas pelo partido dele, mas, se ele segurou a peteca mesmo com câncer e pandemia, trabalhando de dentro do hospital, você tem de confiar.
Roberto Venâncio, técnico de TV
Sobre Boulos, afirmou desconhecer sua biografia, "mas, do pouco que eu ouvi, ele era envolvido com o PT". "Preferi não arriscar."
Em ocupação, resultado frustrou
São Mateus abriga algumas das principais ocupações do município, como o Pinheirinho 2. Na comunidade com ares de interior, as crianças brincam nas ruas de terra, enquanto os cachorros dormem em frente ao comércio improvisado.
Maria de Lourdes Faria, 50, abaixa o som da música gospel que se desprende de uma grande caixa de som para conversar com o UOL. Sentada ao lado de uma banca de balas que montou em frente de sua casa, conta que votou em Boulos mesmo "sabendo que ele iria perder".
"As pessoas gostam da mesmice", diz ela, há sete anos na ocupação. Além disso, afirma, o eleitor "não tem memória".
"O [Fernando] Haddad [PT] quando era prefeito desceu bem aqui de helicóptero e impediu a reintegração de posse. Aí chegou a eleição e o povo votou no Doria", diz.
Sobre Boulos, "ele é do lado da invasão, tinha de dar uma chance para mostrar o serviço antes de caírem matando".
Eu não espero nada do governo Covas. Nunca veio aqui, só conheço pela televisão.
Maria de Lourdes Faria, autônoma
Esse é o mesmo argumento da comerciante Cláudia Geane, 34, há nove vivendo no Pinheirinho 2. Mãe de dois filhos, ela montou uma pequena venda com os R$ 1.000 que pediu emprestado ao irmão. A ideia é ganhar independência financeira para deixar de depender das doações de cestas básicas para sustentar a casa.
Sobre o novo mandato do atual prefeito, disse: "Só espero desgraça, fome e desemprego".
"Do Covas não espero nada de bom. Nunca veio na comunidade e nunca vai pôr o pé aqui", disse ela, que foi convidada a uma reunião de campanha do prefeito na comunidade, onde ela esperava encontrá-lo.
"Deram bandeira para a gente agitar e no final ele não apareceu", diz Cláudia, que no primeiro turno tinha escolhido Márcio França graças a uma de suas promessas: "Ele disse que daria um cartão de R$ 8.000 para ajudar a gente a comprar material de construção".
Como o candidato acabou em terceiro lugar, decidiu votar em Boulos.
"Eu fui numa reunião dele e achei ele mais povão, comunidade", conta. "Ele se reuniu no meio de um monte de mulher e queria ouvir todo mundo."
Petismo ainda presente
Na mesma rua, o pedreiro Jonatan Willy da Silva, 22, votou em Jilmar Tatto (PT). "Sou PT declarado", afirmou Jonny, como é conhecido.
"Eu sou alagoano. O Lula fez muito por nós", afirmou o rapaz, há seis anos na comunidade. No segundo turno, escolheu Boulos na esperança de que seu passado em movimentos de moradia o sensibilizasse a ajudar o Pinheirinho 2.
"Eu faço bico de pedreiro, meus pais estão desempregados", disse, enquanto apontava para a porta cerrada da garagem de casa.
"Aqui vai ser a nossa pizzaria. Estamos juntando tudo o que dá para poder montar", afirmou. Mesmo decidido pelo candidato adversário, reservou alguns elogios ao Covas: "Se fosse do PT, eu votava nele".
No meio da pandemia, ele tentava trabalhar, mesmo com câncer. Só não sei se por amor ao povo ou ao dinheiro.
Jonatan Willy da Silva, pedreiro
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