Bolsonaro mente sobre acesso a celular para diminuir rejeição entre jovens
O presidente Jair Bolsonaro (PL) adotou uma nova estratégia para enfrentar a crescente rejeição entre os jovens: passou a dar declarações enganosas de que, se ele perder as eleições, o acesso livre à informação por meio do celular estará sob risco.
O que Bolsonaro diz? O presidente associa, de maneira infundada, uma eventual vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), à frente nas pesquisas, à perda de liberdade no uso de smartphones, com restrições no acesso às mídias sociais e ferramentas de mensagens instantâneas, como o WhatsApp.
Bolsonaro costuma fazer referência ao projeto de "controle social da mídia" —uma antiga ideia do PT que Lula voltou a defender em entrevistas à imprensa, que está relacionada à regulamentação dos meios de comunicação (leia mais abaixo).
Recentemente, o presidente declarou a apoiadores na portaria do Palácio da Alvorada, a residência oficial da chefia do Executivo, considerar que Lula e o PT utilizam o verbo "democratizar [a mídia]" com o objetivo de mascarar o suposto intento: cercear liberdades. Na visão do candidato do PL, o cenário seria semelhante ao de ditaduras.
Ele [referindo-se aos adolescentes] vai para a escola sem a mochila, mas não vai sem o celular... Agora, pergunta se o jovem lá de Cuba, da Coreia do Norte... Ou da Venezuela, agora, tem celular
Jair Bolsonaro, em conversa com apoiadores
"Quem é que tem falado que vai controlar a mídia aí... Quem é que tem falado que vai censurar a mídia, vai democratizar a mídia... Bonito, né, democratizar... (...) Vocês que têm que fazer a cabeça dessa garotada aí, não sou eu", completou.
Nas conversas com aliados e apoiadores, Bolsonaro afirma, enganosamente, que seu governo é responsável por garantir "a liberdade" de uso do celular.
Nos regimes democráticos, não é o presidente quem determina os limites de acesso à informação. A liberdade de transmitir e receber informação está incluída na liberdade de manifestação de pensamento, um direito garantido pela Constituição, em seu artigo 5°. O próprio texto da Carta, porém, ressalva que há limites a essa liberdade —e punições quando ela é extrapolada: o inciso V afirma que "é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem".
Dá para chegar cada um no seu filho... Olha, a sua liberdade passa por aqui [mostrando o celular]. Tem gente que quer controlar isso daqui. Quem está garantindo, até o momento, isso funcionar sou eu"
Jair Bolsonaro
Diferentemente do que o presidente afirma, quem garante o acesso aos dados de celular são as operadoras de telefonia privadas, que, por sua vez, são supervisionadas pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) — órgão ligado ao Ministério das Comunicações, mas com administração independente do governo.
Em 22 de julho, durante visita a Juiz de Fora (MG), Bolsonaro foi ainda mais contundente ao tentar associar o interesse dos jovens pela tecnologia móvel às perspectivas eleitorais.
"Algo mais importante que a nossa vida, pessoal, é a nossa liberdade... O homem ou uma mulher, presos, não têm vida. O jovem sem o celular não consegue viver mais. E parece que alguns querem eleger um carrasco para a sua vida", disse, em crítica direta a Lula.
O que Lula já disse sobre o tema? Lula nunca sugeriu limitar o uso de celulares e/ou restrições de acesso a conteúdos de uma forma geral. Embora mal explicada até hoje e criticada por confundir regulação dos meios de comunicação com temas distintos, a proposta do petista envolve questões legais que afetam empresas e conglomerados de mídia —e não jovens e o uso de smartphones.
Em entrevista à rádio Piracicaba, em junho, Lula afirmou que uma revisão da regulamentação dos meios de comunicação garantirá um "melhor direito de resposta" e "o direito a várias opiniões no mesmo meio de comunicação".
"Quem vai regular é a sociedade brasileira, não vai ser o presidente da República. Vamos ter que convocar plenárias, congressos, palestras; e a sociedade vai dizer como tem que ser feito para gente poder democratizar, regular melhor o direito de resposta", afirmou, sem detalhar a proposta. O direito de resposta já é previsto em lei.
A verdade é essa: nós temos nove famílias que são donas de quase todos os meios de comunicação neste país. Então, é possível que a gente possa abrir um pouco mais a participação"
Luiz Inácio Lula da Silva
Por que Bolsonaro usa essa estratégia? O candidato à reeleição nutre a maior taxa de rejeição entre os eleitores de 16 a 29 anos —em especial nas capitais brasileiras, segundo pesquisa do Datafolha divulgada em 27 de julho.
- O levantamento apontou que:
- Bolsonaro tem 67% de rejeição entre jovens de 16 a 29 anos em 12 capitais brasileiras. São pessoas cuja reposta foi: não votariam no candidato à reeleição de jeito algum. No mesmo recorte, Lula registrou 32% de índice de rejeição.
- O atual presidente tem, portanto, mais do que o dobro de rejeição em relação ao concorrente, de acordo com o Datafolha.
Por causa dessa rejeição, articuladores da campanha têm buscado táticas de persuasão —entre os "estrategistas" está o filho "02" do governante, o vereador carioca Carlos Bolsonaro (Republicanos).
O uso da narrativa de que Lula está disposto "a tirar dos jovens o celular" vem sendo debatido nos bastidores da campanha há mais de um mês, segundo apurou o UOL. Avaliações internas em andamento devem mostrar em breve se elas estão ou não melhorando o diálogo com o eleitorado da faixa entre 16 e 29 anos.
Segundo avaliação da campanha bolsonarista, a estratégia pega carona, e também alimenta, o conflito entre o chefe do Executivo e o STF (Supremo Tribunal Federal). Trata-se de repisar a ideia de existe uma "guerra do bem contra o mal".
Desde 2020, Bolsonaro tem feito ataques à Corte e acumulado atritos com ministros do Supremo. Ele chegou a se referir a Alexandre de Moraes, por exemplo, como "canalha" no decorrer de atos bolsonaristas que exaltaram pautas antidemocráticas em 7 de setembro de 2021.
O UOL procurou a assessoria do Planalto, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.
Bolsonaro pode ser punido por mentir? Bolsonaro possui foro privilegiado, o que o blinda de diversas acusações até o fim de sua gestão. Há, porém, exceções, como o inquérito das fake news, que trata justamente de mentiras que o presidente propagou (principalmente contra o sistema eleitoral).
O próprio presidente já se manifestou sobre suas declarações enganosas. Em entrevista ao canal do YouTube da jornalista Leda Nagle, ao criticar o inquérito e seu relator, o ministro Alexandre de Moraes, afirmou: "Se eu contar uma mentira, você acredita se quiser".
Qual é a estratégia de Lula? A campanha do ex-presidente diz entender que o melhor a fazer é evitar polêmicas e provocações de Bolsonaro. De acordo com o núcleo de comunicação, ficar respondendo ao que considera mentiras é "jogar o jogo" do presidente e muitas vezes até ajudar a ampliar o conteúdo falso.
Por outro lado, a campanha também avalia que as desinformações não podem correr soltas à medida que forem crescendo.
Primeiro que é mentira [que o PT pretende controlar celulares], Bolsonaro é fake news em pessoa. Como ele está com medo das eleições, ele acaba fazendo esse tipo de ataque"
Gleisi Hoffmann (PT-PR), presidente do PT
"Fomos nós do PT que mais ampliamos o acesso à internet [no Brasil]. Fizemos grandes programas de inclusão à internet, ligamos as escolas. A internet é fundamental para a participação da população, para levar notícia, e principalmente para a juventude", disse a deputada em resposta ao UOL.
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