No JN, Bolsonaro nega corrupção, mas governo acumula escândalos; veja
Durante a sabatina promovida pelo Jornal Nacional (TV Globo) na noite de ontem, o presidente Jair Bolsonaro (PL) voltou a mentir ao dizer que não existem casos ou suspeitas de corrupção em sua gestão à frente da Presidência da República. Ao longo dos últimos quatro anos, contudo, o governo acumulou escândalos, que levaram, inclusive, à demissão de ministros.
Ao falar sobre sua aliança com políticos do centrão, grupo conhecido pelo fisiologismo e pela associação a algumas das principais denúncias de corrupção na gestão pública desde a redemocratização, Bolsonaro afirmou: "O importante [é que] nós estamos num governo sem corrupção".
Questionado sobre o escândalo mais recente de sua gestão, envolvendo o ex-chefe da Educação Milton Ribeiro, demitido do cargo após a exposição de um gabinete paralelo no MEC, o presidente pontuou que a prisão do ex-ministro não teve fundamento. Mas admitiu haver investigação para apurar a conduta dos líderes religiosos Gilmar dos Santos e Arilton Moura, pastores evangélicos que teriam agido como lobistas na liberação de verbas aos municípios, com a anuência do governo
Presidente suaviza discurso anticorrupção. O fato é que, quando se elegeu, em 2018, Bolsonaro mantinha um discurso de antipolítica e se apresentava como o "novo". Naquele mesmo ano, porém, surgiu o primeiro escândalo com o Laranjal do PSL (partido pelo qual ele foi eleito), sobre a fraude em candidaturas femininas e desvios de verbas do fundo eleitoral. O ex-ministro do Turismo Marcelo Álvaro Antônio foi acusado de falsidade ideológica e organização criminosa.
À medida em que foram aparecendo outras denúncias de irregularidades, o presidente passou a adotar novos discursos, com o uso de eufemismos para suavizar os casos suspeitos: se antes ele dizia enfaticamente não haver corrupção, posteriormente, ponderou que "podem aparecer" casos de corrupção, ou que "se procurar, vai achar alguma coisa".
Em junho, o atual chefe do Executivo voltou a suavizar as suspeições: "Não temos nenhuma corrupção endêmica no governo, há casos isolados que pipocam, e a gente busca solução para isso."
Veja mudanças no discurso anticorrupção de Bolsonaro ao longo dos últimos quatro anos:
- "Só [há] corrupção virtual [no governo];
- "[Não há] mácula de corrupção";
- "Sem corrupção consistente"
- "Sem corrupção endêmica"
- "Casos isolados [de corrupção] pipocam"
- "Se procurar corrupção, vai achar"
Órgão rebate Bolsonaro. No Twitter, a Transparência Internacional, entidade que atua no combate à corrupção a nível global, pontuou que o presidente faltou com a verdade ao negar irregularidades no governo. Em uma sequência de postagens, o órgão de transparência na gestão pública listou uma série de escândalos que envolve nomes fortes "do círculo mais íntimo do atual governo".
"Jair Bolsonaro pode até 'esquecer' seletivamente isso, mas quem sentiu na pele os efeitos da corrupção durante seu governo não se esquecerá", afirmou.
73% da população diz haver corrupção no governo. O discurso de Jair Bolsonaro de não haver corrupção em sua gestão pode até servir para alimentar sua bolha, mas não convence a maioria dos brasileiros. Pelo menos foi o que revelou um levantamento do Datafolha sobre o tema.
Conforme pesquisa do instituto divulgada no mês passado, 73% dos brasileiros têm a percepção de que há irregularidades no atual governo. Os jovens representam a maior parcela daqueles que acreditam haver mal uso do dinheiro público sob a gestão Bolsonaro — são também os jovens os que mais rejeitam o presidente.
Veja os casos de corrupção no governo
Outubro de 2019. A Polícia Federal (PF) indiciou o então ministro Marcelo Álvaro Antônio, do Turismo, no inquérito da Operação Sufrágio Ostentação - investigação sobre suposto desvio de recursos por meio de candidaturas femininas laranja nas eleições 2018.
A PF imputou ao ministro de Bolsonaro os crimes de falsidade ideológica, associação criminosa e apropriação indébita. Na ocasião, Marcelo Álvaro Antônio ocupava o posto de presidente do PSL em Minas.
À época, o presidente disse que pretendia manter o ministro no cargo e 'aguardar o desenrolar do processo'. Segundo as investigações, o então partido do presidente Bolsonaro - ele saiu do PSL em novembro daquele ano - utilizou candidatas em disputas de fachada para acessar recursos de fundo eleitoral exclusivo para mulheres. Os investigadores atribuem ao ministro o papel de articulador do esquema de laranjas.
Abril de 2021. O então ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, foi acusado de dificultar a ação de fiscalização ambiental e patrocinar diretamente interesses privados de madeireiros investigados por extração ilegal de madeira. Segundo notícia-crime encaminhada pela PF para o Supremo Tribunal Federal (STF), Salles, "na qualidade de braço forte do Estado", integrava organização criminosa orquestrada por madeireiros alvos da Operação Handroanthus com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza.
Salles pediu demissão do cargo em junho daquele ano, alegando uma suposta "criminalização" de opiniões divergentes na área ambiental. O inquérito contra ele ainda tramita na Polícia Federal.
Maio de 2021. O jornal O Estado de S.Paulo revelou um esquema montado pelo presidente Bolsonaro para manter sua base de apoio no Congresso. O chefe do Executivo criou, em parceria com o Congresso, o chamado orçamento secreto. O primeiro lote de emendas exposto pela reportagem incluía a liberação de R$ 3 bilhões. Boa parte dessas emendas foi destinada à compra de tratores e equipamentos agrícolas por preços até 259% acima dos valores de referência fixados pelo governo.
No esquema montado por Bolsonaro, parlamentares que apoiavam o governo conseguiam mais recursos em emendas para seus redutos eleitorais. O caso virou alvo de investigação por parte da Controladoria-Geral da União (CGU) e do Tribunal de Contas da União (TCU). O STF determinou mudanças, cobrando mais transparência na dotação das emendas. O Congresso, até o momento, atendeu apenas em parte a determinação.
Maio de 2021. No mesmo mês, o governo federal teve de demitir George da Silva Divério do cargo de Superintendente Estadual do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro devido a uma suspeita de corrupção. O coronel do Exército havia sido nomeado para o cargo pelo então ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello.
O caso veio à tona após uma reportagem do Jornal Nacional, da TV Globo. Segundo a emissora, Divério assinou, em novembro de 2020, contratos de R$ 29 milhões com duas empresas, sem licitação, para fazer reformas em prédios da pasta no Estado. As obras foram consideradas urgentes, por isso a licitação foi dispensada. Depois de assinados, os contratos foram anulados pela AGU (Advocacia-Geral da União), que não constatou razão para a dispensa de licitação.
Junho de 2021. Em plena pandemia e em meio à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, mais uma denúncia de corrupção foi desvelada na Saúde. Documentos do Ministério das Relações Exteriores mostraram que o governo aceitou negociar a compra da vacina indiana Covaxin por um preço 1.000% maior do que, seis meses antes, era anunciado pela própria fabricante.
A ordem para a aquisição da vacina partiu pessoalmente do presidente Jair Bolsonaro e a negociação durou somente cerca de três meses, um prazo bem mais curto que o de outros acordos. Os recursos para a compra da vacina chegaram a ser empenhados pelo governo, mas, após investigação da CGU, a aquisição foi suspensa. Depoimentos à CPI da Covid mostraram a pressão interna para acelerar a compra da Covaxin, o que foi decisivo para o pedido de indiciamento do relatório final que pesou sobre o próprio Bolsonaro e o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazzuelo.
Junho de 2021. Em junho de 2021, o ex-diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde Roberto Ferreira Dias foi acusado de pedir propina para autorizar a compra de vacinas pelo governo. Segundo a denúncia, ele teria condicionado a aquisição de imunizantes da AstraZeneca ao recebimento ilícito de US$ 1 por dose.
Dias chegou ao cargo por apadrinhamento do centrão e foi exonerado do posto em 29 de junho, depois da denúncia. Ele foi alvo da CPI da Covid e chegou a receber ordem de prisão durante sua oitiva.
Março de 2022. Uma reportagem do Estadão revelou que dois pastores capturaram o Ministério da Educação e passaram a interferir na agenda do então titular da pasta, Milton Ribeiro, para privilegiar determinados municípios no empenho de recursos do órgão. Gilmar dos Santos e Arilton Moura levariam demandas de prefeitos a Ribeiro e conseguiriam a liberação dos recursos em tempo recorde.
Os municípios mais beneficiados teriam sido aqueles governados pelos partidos do centrão - PL, Republicanos e Progressistas. Em conversas reveladas pelo Estadão, os próprios pastores admitiram priorizar as demandas de prefeitos ligados à igreja Assembleia de Deus, da qual eles fazem parte.
O ex-ministro Ribeiro acabou preso pela Polícia Federal no âmbito da investigação sobre o caso.
Abril de 2022. Em abril deste ano, o Estadão revelou que uma licitação bilionária do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) previa a compra de ônibus escolares com preços inflados. O alerta partiu de instâncias de controle e da própria área técnica do fundo. Segundo documentos obtidos pela reportagem, o governo aceitava pagar até R$ 480 mil por um ônibus que, de acordo com o setor técnico, deveria custar no máximo R$ 270,6 mil. Os recursos sairiam de um programa destinado a atender crianças da área rural, que precisam caminhar a pé quilômetros em estradas de terra para chegar à escola.
Após a publicação da reportagem, o governo recuou e reduziu, na véspera, as cotações dos veículos. Por fim, o pregão ficou R$ 500 milhões a menos do que o governo estava disposto a pagar quando os preços estavam superestimados.
Naquele mesmo mês, o jornal revelou que, apesar da falta de recursos para terminar 3,5 mil escolas em construção há anos, o MEC autorizou a construção de outras 2 mil unidades. Bom para mostrar no palanque de campanha, o projeto não tinha recursos previstos no orçamento, e só faria aumentar o estoque de escolas não entregues pelo governo e esqueletos de obras inacabadas. Mesmo assim, os colégios já vinham sendo anunciados por deputados e senadores aos seus eleitores.
O esquema de "escolas fake" tinha como base o FNDE, controlado pelo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, por meio de um apadrinhado. O fundo precisaria ter R$ 5,9 bilhões para tocar todas as novas escolas contratadas. Com o orçamento atual, levaria 51 anos para acontecer.
*Com Estadão Conteúdo
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