Topo

Bolsonaro mente sobre STF, ataca urnas e nega culpa por economia ruim

Felipe Pereira, Leonardo Martins, Gabryella Garcia e Jéssica Bernardo

Do UOL, em São Paulo e em Brasília e colaboração para o UOL

22/08/2022 20h58Atualizada em 23/08/2022 10h44

O presidente Jair Bolsonaro (PL) negou hoje, em entrevista ao Jornal Nacional, que tenha xingado ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), apesar de ter chamado o ministro do STF Alexandre de Moraes de canalha durante as manifestações golpistas realizadas no feriado de 7 de setembro em 2021.

Em entrevista que durou 40 minutos, Bolsonaro negou que tenha cometido erros na gestão da pandemia de covid-19, atribuiu problemas da economia a fatores externos, evitou certas respostas e rebateu os entrevistadores William Bonner e Renata Vasconcellos em diversas ocasiões. O presidente levou algumas anotações na mão —no entanto, não as usou. No fim, disse que o tempo tinha passado rápido.

Destaques da entrevista:

  • Bolsonaro negou que tenha atacado ministros do STF e foi desmentido
  • Na sequência, disse que eleições "limpas e transparentes têm que ser respeitadas"
  • Negou atrasos na vacinação e erros na gestão da pandemia e do MEC
  • Afirmou que a economia está ruim por fatores externos, como a guerra na Ucrânia
  • Disse que governar sem o centrão seria agir como "ditador", que o Ibama não age dentro da lei e que não mudou com "uma canetada" o preço da gasolina

"É um fake news": Questionado logo na primeira pergunta pelo apresentador William Bonner sobre os ataques que tem feito aos ministros do Supremo Tribunal Federal, incluindo xingamentos, Bolsonaro chamou de "fake news" a afirmação de que ofendeu ministros. Ele foi desmentido logo depois pelo apresentador da TV Globo.

Você não está falando a verdade quando fala xingar ministros. Não existe. Isso não existe, é um fake news da sua parte."

Bonner rebateu: "O senhor começou sua resposta afirmando que eu tinha cometido fake news, em nome da verdade, candidato, o senhor xingou ministros do Supremo de canalha, você fez isso com microfone".

Bolsonaro, no entanto, xingou ministros publicamente em, pelo menos, duas ocasiões. Nas manifestações ocorridas em 7 de setembro de 2021, também chegou a dizer que "só Deus" o tiraria de Brasília e a defender desobediência ao Supremo. Os atos foram também marcados por falas e cartazes golpistas de apoiadores.

Bolsonaro tenso, Bonner irônico. O encontro entre o presidente e os apresentadores do telejornal mais popular do país foi assunto nas redes sociais. Quando ficaram frente a frente, o telespectador viu Bolsonaro com cenho franzido. Bonner mantinha a calma ao falar e pareceu à vontade.

Mas em algumas intervenções o apresentador pareceu irônico. O comportamento irritou bolsonaristas que se manifestaram pelas redes sociais. Outra característica da entrevista foi o candidato à reeleição falando ao mesmo tempo que o jornalista.

Sem defesa das urnas eletrônicas. Em outra parte da entrevista, o presidente foi questionado a respeito dos apoiadores que defendem fechamento do Congresso Nacional e do STF —atos inconstitucionais. Ele alegou que estas pessoas estão exercendo sua liberdade de expressão e não condenou o comportamento.

Quando alguns falam em fechar o Congresso é liberdade de expressão deles. Eu não levo para esse lado, e para mim isso daí faz parte da democracia. Não posso é eu ameaçar fechar o Congresso. Ou o Supremo Tribunal Federal."

A lista de oportunidades perdidas por Bolsonaro para manifestar apreço às instituições e à democracia também incluiu o momento em que foi questionado a respeito das urnas eletrônicas. O candidato à reeleição não quis assumir o compromisso de que vai respeitar o resultado das urnas.

Preferiu repetir o discurso que coloca em dúvidas o sistema de votação brasileiro. Citando um suposto inquérito da Polícia Federal, o presidente afirmou que hackers ficaram dentro do TSE por mais de meio ano.

E mesmo diante da insistência de Bonner em arrancar o compromisso de que aceitaria o resultado das urnas, Bolsonaro evitou fazer declaração neste sentido —e impôs, indiretamente, condição para isso.

Serão respeitadas as urnas desde que as eleições sejam limpas e transparentes. Como você diz que são auditáveis e em 2014 não aconteceu isso?"

Problemas econômicos são culpa dos outros. Durante toda a entrevista, o tom foi semelhante —com o presidente tentando apresentar dados e não abordando assuntos quando não eram convenientes para ele.

Bonner lembrou que o juro e a inflação subiram e ponderou que isto acontece num contexto problemático. Houve a pandemia e guerra entre Rússia e Ucrânia continua. Bolsonaro citou a reforma da previdência, alteração de normas e acrescentou que o país teve deflação de 0,68% em julho. Mas estas medidas não impediram os problemas e o presidente apontou causas externas como justificativa.

Primeiro, as promessas foram frustradas pela pandemia, por uma seca enorme que tivemos no ano passado e também pelo conflito da Ucrânia com a Rússia."

Ele continuou citando dados do governo federal que considera positivos, como a queda do desemprego. O discurso vai na linha do que Bolsonaro tem dito em seus pronunciamentos como candidato. Ele cita auxílio emergencial e a redução no preço dos combustíveis —manobras definidas nos últimos meses, pouco antes das eleições.

Bolsonaro se julga exemplo na pandemia. Renata Vasconcellos falou sobre a maneira como o governo federal administrou a pandemia. A apresentadora lembrou que o presidente imitou pacientes com falta de ar, dos nove dias em que Manaus ficou sem oxigênio, da declaração de que a vacina transformava as pessoas em "jacaré" e da afirmação vinculando a vacina à transmissão de aids —esta última, alvo de inquérito.

Mesmo depois de mais de 680 mil mortes por covid-19 no país, Bolsonaro afirmou que fez uma das melhores gestões da pandemia do mundo. "Raro [o] país no mundo que fez o que fizemos", falou o presidente. Questionado se havia arrependimento pelo comportamento e pelas frases ditas durante a crise sanitária, Bolsonaro falou sobre envio de recursos a estados e municípios e da CPI da covid-19.

Sem tchuchuca, mas com centrão. Eleito como um candidato antissistema em 2018, Bolsonaro foi confrontado com as companhias que se apresenta nesta tentativa de reeleição. Bonner mencionou a aliança com o centrão.

Nesta parte da entrevista, foi citado incidente em que o presidente tentou arrancar o celular de um youtuber que o chamou de "tchuchuca do centrão". O termo, porém, não foi citado. Bolsonaro saiu com uma resposta surpreendente para o questionamento sobre a aliança com o centrão.

Você está me estimulando a ser ditador."

Incrédulo, Bonner respondeu: "Eu, candidato?" A conversa seguiu com Bolsonaro justificando a linha de raciocínio.

Você. O Centrão são mais ou menos 300 deputados. Se eu deixar de lado, eu vou governar com quem? Não vou governar com o parlamento. Então, você está me estimulando a ser um ditador."

Excesso de rotatividade no Ministério da Educação. Durante a administração de Bolsonaro o Brasil teve cinco ministros da Educação. Fato usado por Renata Vasconcellos para questionar o candidato a reeleição sobre o comprometimento nos resultados que tamanha troca de nomes gera.

Num dos raros momentos em que todos na bancada do Jornal Nacional concordaram, Bolsonaro admitiu que a situação não é adequada. "O ideal era não ter rotatividade nenhuma, mas acontece. Outros ministros foram trocados também", declarou o candidato.

Nesta oportunidade foi mencionado o caso do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro, que foi preso logo após deixar o governo.

Bonner classificou o episódio como escândalo e Bolsonaro reagiu.

Que escândalo do MEC, Bonner?"

O apresentador justificou que considera escandaloso um ministro destinar dinheiro da educação para dois pastores que afirmam ter sido indicados pelo presidente.

Apoiadores e críticos de Bolsonaro se manifestam em tempo real. Como era de se esperar, a presença do presidente na bancada do Jornal Nacional mexeu com eleitores favoráveis e contrários a Bolsonaro.

Logo que o programa começou, houve panelaços e gritos em oito estados brasileiros. A convocação para o ato começou durante o dia nas redes sociais.

Também houve reação dos defensores do governo federal —mesmo antes do começo da sabatina. À tarde, grupos estimulavam que eleitores do presidente assistissem a entrevista e depois mudassem de canal. A interpretação daquilo que consideraram ironia de Bonner foi criticada nas redes sociais.

Bolsonaro foi o primeiro presidenciável entrevistado no Jornal Nacional.

  • Na terça (23), será a vez de Ciro Gomes (PDT).
  • Na quinta (25), Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
  • Na sexta (26), Simone Tebet (MDB).