Topo

Advogados eleitorais veem possível abuso de poder de Bolsonaro em Londres

Presidente Jair Bolsonaro (PL) discursa a apoiadores em Londres, Inglaterra, onde será o funeral da rainha Elizabeth 2ª - Reproduão/Facebook Jair Bolsonaro
Presidente Jair Bolsonaro (PL) discursa a apoiadores em Londres, Inglaterra, onde será o funeral da rainha Elizabeth 2ª Imagem: Reproduão/Facebook Jair Bolsonaro
Paulo Roberto Netto e Maurício Businari

Do UOL em Brasília e Colaboração para o UOL, em São Paulo

19/09/2022 19h12Atualizada em 19/09/2022 19h12

Especialistas em direito eleitoral consultados pelo UOL avaliam que o presidente Jair Bolsonaro (PL) pode ser enquadrado por abuso de poder político ao usar a viagem para Londres como um evento eleitoral. Na visita à capital britânica em razão do funeral da rainha Elizabeth 2ª, Bolsonaro discursou para apoiadores na residência oficial do embaixador brasileiro no país, enfatizando bandeiras de sua campanha à reeleição.

Ontem (18), o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) já recebeu duas ações eleitorais contra Bolsonaro por causa da viagem. Uma foi movida pela campanha do ex-presidente Lula (PT), principal adversário nas pesquisas de intenção de voto. A outra pela senadora Soraya Thronicke, candidata do União Brasil à Presidência.

Os adversários alegam que Bolsonaro usou a visita à Inglaterra para promover sua própria candidatura ao custo de um compromisso como chefe de Estado. O presidente foi a Londres para participar do velório da rainha, que morreu no último dia 8. Junto dele, estava o pastor Silas Malafaia, um dos principais apoiadores da candidatura à reeleição.

As acusações dos presidenciáveis são de que Bolsonaro cometeu abuso de poder político por se apropriar da condição de presidente para obter uma vantagem na disputa eleitoral.

O que dizem os especialistas? O advogado e ex-ministro do TSE Marcelo Ribeiro, presidente do Ibrade (Instituto Brasileiro de Direito Eleitoral), afirma que o uso de uma estrutura pública para ato de campanha é vedado pela legislação eleitoral e pode configurar, em tese, ato de abuso de poder.

"Você não pode utilizar um prédio público para fazer campanha eleitoral. Isso teoricamente - pois depende de uma apuração - pode classificar esse ato como uma conduta vedada"
Marcelo Ribeiro, advogado e ex-ministro do TSE

A advogada eleitoral Juliana Markendorf Noda, integrante da Abradep (Associação Brasileira de Direito Eleitoral e Político), ressalta que a legislação eleitoral proíbe o uso de estruturas públicas para fins eleitorais. No caso, o discurso de Bolsonaro foi feito na residência oficial do embaixador brasileiro no Reino Unido.

"A Lei das Eleições é bem clara sobre isso. E se foi utilizado um evento eleitoral para esses fins, isso poderá caracterizar abuso de poder político ou econômico, sim, dependendo da constatação", afirmou. "Claro que para caracterizar o fim eleitoreiro, tem que analisar o que ele disse, se ele consegue auferir algum benefício em relação a isso, mas a legislação veda a utilização da estrutura estatal para isso".

Compromisso oficial. Para o advogado Renato Ribeiro de Almeida, professor de Direito Eleitoral e doutor em direito do Estado pela USP, o discurso de Bolsonaro para apoiadores pode configurar abuso de poder político. Isso porque o presidente estava em uma agenda oficial como chefe de Estado, para um compromisso oficial representando o país, e não como um candidato a um cargo.

"A questão do abuso se configura no meu entender, mais uma vez, e isso é reiterado pelo presidente da República, que desafia a Justiça Eleitoral, [quando] ele faz um discurso em uma agenda oficial. Falando de política, de eleição, fazendo discurso eleitoral", afirmou.

Almeida também afirma ser despropositada a participação de Malafaia no evento, uma vez que o pastor não integra o corpo diplomático ou tem participação direta no governo.

"É descabida e sem nenhum propósito essa participação de pastores evangélicos, de amigos do presidente, porque não é uma viagem recreativa do presidente. É uma agenda oficial da Presidência da República", disse.

Contas pagas. O advogado Neomar Filho, especialista em direito eleitoral, afirmou que também deve ser levado em conta que os custos da viagem de Bolsonaro ao Reino Unido foram bancados pelo governo federal, e não pela campanha do presidente, uma vez que o presidente foi representar o país no velório como chefe de Estado.

"A gravidade da conduta chama a atenção no sentido de que houve um dispêndio de recursos públicos para a viagem do chefe da nação para representar o país em uma cerimônia oficial do Reino Unido, de tamanha relevância para aquela nação. E o que se verifica, a priori, é a utilização daquele momento para uso eleitoral em favor da campanha pela reeleição do presidente da República", disse.

E quais as punições possíveis? O abuso de poder político é uma conduta vedada pela legislação eleitoral e consiste no uso do cargo público ou suas prerrogativas para obter vantagens nas eleições. As punições podem variar entre multas ao candidato à cassação do registro da candidatura e perda de mandato.

Para o ex-ministro do TSE Marcelo Ribeiro, neste momento, é considerado improvável alguma punição severa a Bolsonaro, como a cassação de mandato. Até hoje, a medida não foi aplicada a nenhum presidente da República.

"Um caso sozinho desses não creio que pudesse cassar registro, até porque cassar o registro de presidente da República é algo que nunca aconteceu. Precisaria ser uma coisa muito exorbitante, mas acredito em multa", avaliou. "O tribunal está atento e ter proibido o uso das imagens nas campanhas foi uma sinalização importante".

Quando o TSE deve julgar? As ações de investigação eleitoral, o tipo de processo apresentado pelos adversários de Bolsonaro no TSE, são de tramitação lenta. Como o nome diz, os casos demandam uma análise minuciosa da Corte.

As ações envolvendo a chapa Dilma-Temer foram apresentadas em 2014 e julgadas somente em 2017, quando a petista já havia sofrido impeachment. Outros processos de investigação eleitoral contra Bolsonaro por disparos em massa nas eleições de 2018 só foram discutidos no ano passado.

Os casos tramitam no gabinete do corregedor-geral eleitoral, ministro Benedito Gonçalves. Ele pode, por exemplo, proferir uma liminar para impedir o uso do discurso ou de imagens da viagem nas propagandas eleitorais de Bolsonaro, assim como foi feito com os atos de 7 de Setembro.

Dia da Independência

A discussão sobre uso eleitoral feito por Bolsonaro de eventos oficiais do governo já entrou na mira do TSE após os desfiles de 7 de Setembro. Em Brasília, o presidente convocou apoiadores para o ato oficial e, na sequência, discursou em um carro de som na Esplanada dos Ministérios, mesmo espaço que abriu as homenagens do Bicentenário.

Na semana passada, o plenário validou por unanimidade duas decisões de Benedito Gonçalves para proibir o uso dos atos de 7 de Setembro pela campanha de Bolsonaro. Também foi validada a decisão que mandou a TV Brasil retirar do ar a transmissão do evento até que uma versão editada seja republicada sem dois trechos em que Bolsonaro teria cometido propaganda eleitoral.

Benedito Gonçalves afirmou nas decisões que, embora as ações ainda têm uma longa tramitação, é possível vislumbrar desde já uso eleitoral do 7 de Setembro por Bolsonaro em dois momentos:

  • Quando Bolsonaro se aproveita de perguntas de repórter da TV Brasil sobre o Bicentenário para enaltecer programas de seu governo, como o Auxílio Brasil, sem nenhuma conexão com o 7 de Setembro
  • Quando as câmeras da TV Brasil continuaram a filmar o presidente, mesmo após o desfile militar e já sem faixa, até o local onde discursaria para apoiadores como candidato à reeleição.

Na sexta (16), Gonçalves rejeitou um pedido da defesa do presidente Jair Bolsonaro para flexibilizar o uso de imagens. Para o magistrado, a proibição vale não apenas para as imagens captadas pela TV Brasil, como também por terceiros durante as manifestações ocorridas em Brasília e no Rio.