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Presidenciáveis propõem mais cotas e combate ao racismo, mas sem detalhes

Manifestantes carregam cartazes durante a Marcha da Consciência Negra em 2013. - Reinaldo Canato/UOL
Manifestantes carregam cartazes durante a Marcha da Consciência Negra em 2013.
Imagem: Reinaldo Canato/UOL

Camila Rodrigues da Silva

Colaboração para o UOL, de São Paulo (SP)

29/09/2022 04h00

Combate ao racismo estrutural e à violência policial contra jovens negros; ampliação do acesso às universidades públicas via sistema de cotas; mais espaços para negros no governo; proteção dos territórios dos povos quilombolas e incentivo ao uso de recursos naturais em suas terras. Estas são algumas das propostas relacionadas à população negra apresentadas pelos candidatos à Presidência em seus planos de governo.

A pedido do UOL, especialistas e representantes de organizações da sociedade civil analisaram os projetos de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Jair Bolsonaro (PL), Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB) — os primeiros colocados nas pesquisas — e Vera Lúcia (PSTU) e Léo Péricles (UP) - únicos na disputa que se declaram pretos.

A reportagem submeteu aos especialistas ouvidos os documentos apresentados ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) pelos próprios candidatos. Segundo as fontes consultadas, os quatro primeiros colocados até apresentam propostas, mas não detalham como pretendem tirá-las do papel. Dentre eles, Bolsonaro foi o único a não mencionar a população negra ou pautas relacionadas a racismo e cotas raciais. Os dois postulantes negros, por outro lado, sugerem ações concretas, como a ideia de Léo Péricles de reformar a Fundação Cultural Palmares.

Autodeclarado pardo, Padre Kelmon (PTB) entrou na disputa no dia 1º de setembro e não teve o plano de governo analisado, pois as propostas apresentadas ainda constam como sendo de autoria do ex-deputado Roberto Jefferson, que teve a candidatura negada.

 Torcedor do Corinthians com faixa 'Racismo até quando?' durante partida entre Corinthians e Fortaleza na Neo Química Arena. - Ettore Chiereguini/AGIF - Ettore Chiereguini/AGIF
Torcedor do Corinthians com faixa 'Racismo até quando?' durante partida entre Corinthians e Fortaleza na Neo Química Arena
Imagem: Ettore Chiereguini/AGIF

Percepção sobre racismo cresce no país, mas combate aparece pouco nos planos. O ID_BR (Instituto Identidades do Brasil) realizou um levantamento, que analisa a presença de termos-chave à população negra nos planos de governo dos 11 presidenciáveis. Obtido com exclusividade pelo UOL, o documento mostra que o termo "racismo" aparece uma única vez nos planos de Lula, Ciro e Tebet.

Em 2022, 83,4% pessoas consideravam haver racismo no Brasil, segundo o Datafolha. Em 2017, o índice era de 70%.

O documento também destaca que os termos "igualdade racial" e "equidade racial" são citados apenas cinco vezes no somatório de todos os projetos. Jair Bolsonaro e Ciro Gomes não os mencionam em seus programas. As palavras "cota" e "cotas" aparecem uma vez nos documentos de Lula e Ciro, quatro vezes no plano de Tebet e nenhuma no de Bolsonaro.

"Infelizmente, o racismo estrutural e institucional no qual esse país foi fundado faz com que as questões do povo negro e quilombola não tenha visibilização social"
Antônio Crioulo, coordenador da Conaq (Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos)

Ser genérico é a regra. Segundo Wagner Tadeu Iglecias, professor do curso de gestão de políticas públicas da USP (Universidade de São Paulo), há uma tendência de os planos de governo serem genéricos, ou seja, é da natureza deste tipo de documento sinalizar apenas diretrizes gerais para os problemas identificados.

"Há um cálculo eleitoral: os candidatos que têm chances de vencer preferem não explicitar propostas sobre determinadas temáticas para não perderem eleitores", explica. A análise vai ao encontro da ausência da pauta racial no primeiro debate presidencial, realizado em agosto.

Antônio Crioulo, coordenador da Conaq (Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos) - Roque de Sá / Agência Senado - Roque de Sá / Agência Senado
Antônio Crioulo, coordenador da Conaq (Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos)
Imagem: Roque de Sá / Agência Senado

Os especialistas criticam ainda o tratamento da pauta racial como assunto minoritário, ainda que a população negra seja maioria. Segundo o Datafolha, 42% dos eleitores brasileiros se declaram pardos e 15% se dizem pretos. Como a soma destes grupos perfaz a população negra, o eleitorado negro perfaz 57%. Brancos são 34%.

Entre os negros, a última pesquisa Datafolha também mostrou que 57% dos pretos e 45% dos pardos declararam votos em Lula, e 23% dos pretos e 33% dos pardos, em Bolsonaro.

Para a coordenadora nacional do MNU (Movimento Negro Unificado), Ieda Leal, o próximo ou a próxima presidente não poderá deixar de dialogar com as demandas da população negra. "Não somos minoria, logo não devemos ser tratados como tal. Precisamos de alguém que tenha coragem de dizer isso."

Para o coordenador da Conaq (Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos), "todos os planos são superficiais", diz. Tom Mendes, diretor do ID_BR, afirma que as ações propostas não são efetivas. "É preciso que haja prazos, metas, métricas e investimento. E isso não tem em nenhum dos planos de governo [atualmente]", diz.

O que os candidatos propõem para a população negra

Lula (PT): Em seu plano de governo, o ex-presidente elabora propostas como "enfrentar a realidade que faz a pobreza ter o rosto das mulheres, principalmente das negras, lhes assegurando a autonomia". Lula também cita que dará continuidade e ampliará as políticas de cotas sociais e raciais na educação superior e nos concursos públicos federais, além de prometer levá-las para outras áreas da administração pública.

Ex-presidente e candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT). - Ricardo Stuckert - Ricardo Stuckert
Ex-presidente e candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Imagem: Ricardo Stuckert

O plano do ex-presidente também propõe a construção de ações que revertam a "política atual de genocídio e a perseguição à juventude negra, com o superencarceramento, e que combatam a violência policial contra as mulheres negras, contra a juventude negra e contra os povos e comunidades tradicionais de matriz africana e de terreiro".

Procurada pela reportagem, a campanha afirmou que não divulgou um detalhamento do programa porque a candidatura "Lula-Alckmin trata-se de uma construção coletiva e ainda viva". "Recebemos mais de 13 mil propostas pela plataforma e realizamos mesas de diálogo com todas as entidades nacionais que nos procuraram, inclusive o movimento negro", diz. A campanha ressaltou que Lula anunciou que pretende recriar uma pasta com status de ministério como a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, que funcionou entre 2005 e 2013.

O presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL). - Edu Moraes/Record TV - Edu Moraes/Record TV
O presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL).
Imagem: Edu Moraes/Record TV

Bolsonaro (PL): O plano de governo do atual presidente e candidato à reeleição não cita palavras como "negro", "preto", "pardo" ou "racismo". A população negra aparece apenas de forma marginal em propostas para outros segmentos.

Na área dedicada a infraestrutura e logística, Bolsonaro afirma ser preciso ter mais estradas vicinais em áreas indígenas e quilombolas "para levar serviços e escoar a produção". Ações voltadas para quilombolas também aparecem em propostas como "oferecer conexão gratuita à internet em banda larga por via terrestre e satélite a quilombos" e "distribuir alimentos a quilombolas para garantir-lhes segurança alimentar".

No eixo de "sustentabilidade ambiental", Bolsonaro sugere para a população indígena e quilombola a promoção do "etnoturismo", da comercialização de artesanatos, do "extrativismo sustentável com o necessário manejo florestal", além de "criadouros, pecuária, agricultura e mineração".

A campanha de Bolsonaro não respondeu aos contatos do UOL.

O candidato Ciro Gomes (PDT). - Reprodução/TV Globo - Reprodução/TV Globo
O candidato Ciro Gomes (PDT).
Imagem: Reprodução/TV Globo

Ciro (PDT): Em seu Plano Nacional de Desenvolvimento, o candidato propõe "reduzir as desigualdades sociais de renda, de gênero e de raça". Menciona a ampliação do "acesso às universidades públicas e às vagas nos concursos públicos, mais especificamente o sistema de cotas" e a implementação de "políticas afirmativas em relação às compras públicas de empresas de empreendedores negros".

O pedetista também propõe a criação de "cota para negros no fomento oriundo da Lei Rouanet, bem como na ocupação de cargos temporários e comissionados na administração pública". Em segurança pública, afirma que a "política de prevenção aos crimes deve dedicar atenção especial à segurança das mulheres, bem como da juventude negra e da população LGBTQIA+ de forma a enfrentar a discriminação e o racismo estrutural".

Procurada pela reportagem, a campanha de Ciro não respondeu.

A candidata Simone Tebet (MDB). - Evaristo Sa/AFP - Evaristo Sa/AFP
A candidata Simone Tebet (MDB).
Imagem: Evaristo Sa/AFP

Tebet (MDB): A candidata diz que sua gestão "travará combate sem trégua ao racismo estrutural e institucional, aos preconceitos e às discriminações, ao ódio e à intolerância" e que será mantida a política de cotas já existente.

A candidata também menciona a criação de uma "Política Nacional de Promoção da Equidade Racial" para ampliar cotas e ações afirmativas, incluindo ações que permitam a permanência de cotistas até a conclusão dos estudos. A medebista firma um compromisso para "ampliar espaços para negros no governo", sobretudo no primeiro escalão. Também reforça a necessidade de políticas públicas em saúde da população negra e comunidades quilombolas, entre outros grupos.

Ao UOL, Tebet afirmou que tem um plano "centrado no combate à desigualdade". Acrescentou que realizou diversos encontros com lideranças negras durante sua campanha. Em um deles, uma visita à Universidade Zumbi dos Palmares, em São Paulo, frisou que "o Brasil precisa se reconhecer enquanto um povo negro".

Vera Lúcia, candidata do PSTU à Presidência. - Marlene Bergamo/FolhaPress - Marlene Bergamo/FolhaPress
Vera Lúcia, candidata do PSTU à Presidência.
Imagem: Marlene Bergamo/FolhaPress

Vera Lúcia (PSTU): A candidata do PSTU cita propostas como o "fim do genocídio da juventude negra", "igualdade salarial em relação aos brancos" e o "fim de toda forma de opressão e discriminação, como o racismo, o machismo, a lgbtifobia, o capacitismo, a xenofobia", o "fim da intolerância religiosa", a "demarcação, titulação e posse de terras quilombolas"; além da "prisão e condenação de 'policiais assassinos'".

Contatada pela reportagem, Vera Lúcia afirmou que "é impossível responder às necessidades imediatas e históricas dos negros e negras deste país sem também atacar os fundamentos do capitalismo no país e sem se chocar com os interesses econômicos da classe dominante e do imperialismo".

O candidato da UP, Leo Péricles. - 1º.fev.2022 - Magê Monteiro/UOL - 1º.fev.2022 - Magê Monteiro/UOL
O candidato da UP, Leo Péricles.
Imagem: 1º.fev.2022 - Magê Monteiro/UOL

Léo Péricles (UP): O candidato aponta propostas como reforma agrária e "reforma urbana sob a ótica de reparação da população negra", a criação de uma "política de reparação histórica e cultural, alterando nome de ruas, monumentos que cultuam figuras de escravistas, ditadores e genocidas"; "combater à violência de Estado" e propõe "reorganizar a Política Nacional de Segurança Pública com participação popular e desmilitarização das polícias estaduais". O candidato também é o único que cita alguma ação direcionada à Fundação Cultural Palmares, com o qual se compromete a fortalecer, bem como apoiar os territórios quilombolas.

Em resposta à reportagem, a UP afirma que seu programa de governo reflete a visão do partido na sociedade "como a enxergamos". "Após séculos de colonização e escravidão, o Brasil ainda carrega profundas marcas do racismo nas instituições e no senso comum".