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Violência eleitoral se nacionaliza e tem escalada de casos na última semana

Jadir Rodrigues, de 52 anos, foi agredido por bolsonarista, diz deputado - Divulgação
Jadir Rodrigues, de 52 anos, foi agredido por bolsonarista, diz deputado Imagem: Divulgação

Do UOL, em São Paulo

02/10/2022 04h00

A semana que antecedeu o primeiro turno foi marcada pela escalada de atos de violência relacionados à eleição presidencial. Especialistas ouvidos pelo UOL veem no período eleitoral de 2022 um fenômeno de "nacionalização" de casos de agressões e até assassinatos, então restritos a disputas regionais nas urnas.

A polícia investiga possível motivação política em três homicídios na última semana. No mesmo período, houve ao menos outros oito episódios graves de agressões a candidatos e eleitores em meio a atos políticos na reta final das campanhas eleitorais.

"A violência política é um traço característico da política brasileira, mas se concentrava sobretudo na política local, com confrontos entre famílias e grupos rivais", disse Mayra Goulart, professora do departamento de Ciência Política da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

"Nestas eleições, a violência política ganhou uma roupagem ideológica se apresentando como uma disputa entre direita e esquerda", completou Goulart, que coordena o Laboratório de Partidos e Política Comparada e acompanha a temática da violência política. Para ela, as eleições de 2022 "nacionalizaram" os conflitos.

O cientista político Paulo Baía atribui esse cenário de escalada de violência à polarização da disputa entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o atual chefe de governo, Jair Bolsonaro (PL), candidatos que aparecem à frente nas pesquisas na disputa pelo Planalto.

Eleições municipais costumam ser violentas, com histórico de assassinatos em diversas regiões no país. Mas estamos vivendo a eleição presidencial mais tensa e violenta desde 1989. É um barril de pólvora que pode explodir a qualquer momento
Paulo Baía, cientista político

Política e mortes

Em Cascavel (CE), um bolsonarista matou um eleitor do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com uma facada após entrar em um bar questionando quem votaria no petista, segundo testemunhas.

Em Rio do Sul (SC), um homem com camisa com menção ao presidente Jair Bolsonaro (PL) morreu esfaqueado também em um bar. Os autores dos assassinatos, que ocorreram no último sábado (24), foram presos.

Na segunda-feira (26), o motorista da candidata a deputada estadual Sabrina Veras (MDB-CE) foi morto a tiros durante um evento político em Fortaleza, capital cearense. Em comunicado, a equipe da candidata diz que a equipe foi vítima de violência no ato.

Neste ano, ainda foram registrados outros dois homicídios e uma tentativa de assassinato por motivações políticas.

  • Apoiador de Bolsonaro, o policial penal Jorge Guaranho invadiu uma festa para matar o guarda municipal Marcelo Arruda, que comemorava o aniversário de 50 anos com uma festa alusiva ao PT na noite de 9 de julho em Foz do Iguaçu (PR).
  • Na noite de 7 de setembro, o bolsonarista Rafael Silva de Oliveira matou a facadas Benedito Cardoso dos Santos na zona rural de Confresa (MT). Em depoimento, ele disse que o crime foi motivado após uma discussão sobre política.
  • No dia 31 de agosto, um policial militar atirou em um fiel durante um culto na igreja da CCB (Congregação Cristã do Brasil) em Goiânia por causa de uma divergência política. O atirador era apoiador do presidente Jair Bolsonaro.

Receio

O cenário de medo por causa da política foi retratado por um levantamento do Datafolha a pedido do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e da Raps (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade), divulgado há duas semanas.

Segundo o estudo, sete em cada dez pessoas dizem ter medo de ser agredidas por causa das suas escolhas políticas. O instituto ouviu 2.100 pessoas em cerca de 130 municípios entre 3 e 13 de agosto.

As pessoas estão com medo de mostrarem o que estão pensando. Sair com a camisa de um político ou de um partido pode ser motivo para xingamentos ou agressões
Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

"Os direitos de exercer a cidadania e a liberdade de expressão estão comprometidos porque há riscos reais", complementou Lima.

A escalada de violência atingiu militantes na última semana de campanha. No domingo (25), uma mulher de 49 anos foi agredida enquanto carregava uma bicicleta em Brasília. Ela estava com uma bolsa cuja estampa era a imagem do rosto de Lula.

Vítima agredida na rua no Distrito Federal diz que usava bolsa do Lula  - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Vítima agredida na rua no Distrito Federal diz que usava bolsa do Lula
Imagem: Arquivo Pessoal

Ela disse ter sido atacada pelas costas por um homem ainda não identificado. Segundo a vítima, o agressor a empurrou e a chutou no chão. "[A bolsa com a estampa do Lula] foi onde ele mais chutou", disse.

No dia seguinte, um homem cego registrou ocorrência na delegacia relatando ter sido agredido com um tapa no peito dentro do metrô em Recife (PE) por se recusar a retirar de sua roupa um adesivo de Lula.

"[Um grupo de jovens] começou a dizer que quem vota no Lula é cego e pediram para eu retirar o adesivo. Eu disse que não e me deram um tapa no peito. Caí no chão, mas outros passageiros me ajudaram."

Grávida agredida. Imagens que circulam na internet mostram homens apontando armas para pessoas em uma caminhada eleitoral na tarde de segunda-feira (26) em Belford Roxo (RJ). Uma mulher agredida disse que estava grávida e perdeu o bebê.

O episódio ocorreu em uma caminhada eleitoral das campanhas do candidato a deputado estadual Danielzinho (PSDB-RJ) e da candidata a deputada federal Sula do Carmo (Avante-RJ). O caso foi registrado na delegacia da cidade, na Baixada Fluminense.

Na tarde de terça-feira (27), o deputado estadual Emídio de Souza (PT-SP), que coordena o programa de governo de Fernando Haddad (PT), candidato ao governo de São Paulo, registrou ocorrência relatando que um dos seus comitês de campanha foi alvo de ataque em Osasco, região metropolitana de São Paulo. Na denúncia, acusou um suposto bolsonarista de destruir o local e agredir uma apoiadora do PT.

À noite, o deputado Zé Ricardo (PT-AM) afirmou que um militante da campanha dele foi agredido por um bolsonarista, que teria usado uma barra de ferro para golpear a vítima na cabeça em um ato de campanha em Manaus. Segundo registro de ocorrência, o agressor fugiu do local enquanto o militante era socorrido.

A vítima, identificada como Jadir Augusto, de 52 anos, aparece em frente ao IML (Instituto Médico Legal) com cabeça enfaixada. De acordo com a campanha, o militante recebeu atendimento médico e passa bem.

Ataques

No domingo (25), um adolescente militante do MBL (Movimento Brasil Livre) foi agredido por apoiadores do PSOL na avenida Paulista, em São Paulo, após gravar um vídeo provocando Guilherme Boulos, candidato a deputado federal pelo partido, durante ato de campanha do psolista. Na ocasião, policiais tentaram levar Boulos para a delegacia.

No mesmo dia, o deputado federal Paulo Guedes (PT-MG) denunciou ter sido alvo de um atentado a tiros em evento de campanha na cidade de Montes Claros, no norte de Minas Gerais. Segundo o relato, um homem em um veículo atirou no carro de som onde estava o parlamentar e tentou fugir, mas foi preso em flagrante pela polícia após ser seguido por um assessor.

Na manhã de quarta-feira (28), em São Paulo, o governador Rodrigo Garcia (PSDB), candidato à reeleição, foi alvo de um ataque em Sorocaba (SP). Segundo a campanha do tucano, um homem chutou o carro do político quando ele ia embora do local. O retrovisor do veículo foi danificado. Em seguida, o autor do ataque foi atingido por um soco dado por um dos apoiadores do candidato, mas a ação teria sido reprimida.

"Brigas de bar que terminam em morte". O cientista político Paulo Baía relaciona a escalada de violência política ao discurso de ódio de Bolsonaro e de seus apoiadores nos últimos quatro anos. Contudo, vê também uma reação violenta ligada a grupos de esquerda, que fazem oposição ao presidente.

"Existe uma política agressiva por parte do bolsonarismo. E há uma tendência de falar que essa violência parte só do Bolsonaro. Mas os opositores também ficaram mais intolerantes, e ainda há a tese da extrema esquerda de violência revolucionária'", diz.

Aí, o clima fica propício a explosões de violência, fazendo com que uma briga de bar por política possa terminar em assassinato
Paulo Baía, cientista político