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Entrevistas, Ciro e boicote: por que as pesquisas falharam?

Lula e Bolsonaro vão disputar o segundo turno das eleições presidenciais  -  RICARDO STUCKERT E CAROLINA ANTUNES/PR
Lula e Bolsonaro vão disputar o segundo turno das eleições presidenciais Imagem: RICARDO STUCKERT E CAROLINA ANTUNES/PR

Do UOL, em São Paulo

04/10/2022 15h16

As diferenças registradas entre as pesquisas de intenção de voto divulgadas na véspera das eleições e o resultado das urnas reforçaram a tese bolsonarista de que as sondagens foram manipuladas. Cientistas políticos consultados pelo UOL isentam os institutos de má intenção, mas recomendam mudanças na metodologia e listam uma série de razões para as discrepâncias.

As explicações, segundo os especialistas, incluem o boicote do eleitorado conservador às pesquisas, a defasagem no Censo demográfico e a migração de última hora dos votos de Ciro Gomes (PDT) para o presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição.

As pesquisas vieram muito diferentes do resultado final? Segundo as principais pesquisas divulgadas no sábado (1), último dia de campanha, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tinha de 49% a 51% de intenção de voto. Pela margem de erro, de dois pontos percentuais, o petista poderia variar de 47% a 53% no domingo. Lula acabou com 48,43%, dentro da margem de erro.

Quanto ao presidente Bolsonaro, no entanto, as sondagens tiveram resultados discrepantes, acima da margem de erro: enquanto os últimos levantamentos indicavam intenções de 36% a 39% dos votos, o candidato à reeleição recebeu 43,2% nas urnas.

O erro se repetiu em sondagens para o Senado e governos estaduais. No Rio Grande do Sul, por exemplo, as pesquisas indicavam favoritismo de Eduardo Leite (PSDB), que acabou superado por Onyx Lorenzoni (PL) nas urnas. O tucano ainda correu risco de ficar fora do segundo turno, superando o petista Edegar Pretto por 2.441 votos.

O mesmo ocorreu em São Paulo, onde Tarcísio de Freitas (Republicanos) terminou na liderança que se esperava ser de Fernando Haddad (PT). Ambas as disputas vão ao segundo turno.

As pesquisas da Atlas Intelligence foram umas das que mais se aproximaram do resultado das urnas, principalmente para a campanha presidencial, com percentuais de Lula e Bolsonaro dentro da margem de erro (dois pontos para cima e dois para baixo, respectivamente).

O que explica as diferenças?

Censo desatualizado. "Um dos problemas é a falta de dados atualizados do Censo, o que atrapalhou bastante a construção da amostra pelos institutos", afirma Sérgio Praça, cientista político do CPDOC (Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil), da FGV (Fundação Getulio Vargas).

No auge da pandemia de covid-19, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) deixou de realizar o censo demográfico em 2020. Retomada em 2022, a coleta de dados está atrasada, e não deve ficar pronta até o dia 30 de outubro, como previsto.

Entrevistas presenciais. Estatístico especializado em pesquisas eleitorais, Neale Ahmed El-Dash critica as entrevistas presenciais: "Não são tão precisas como a gente esperava".

"Os maiores erros foram cometidos por sondagens presenciais, pelo menos em nível nacional", disse. Em pesquisa presencial "não se fala com pessoas em condomínio de luxo e em apartamento por causa das portarias." "Nas favelas, onde há crime organizado, há dificuldade de acessar a classe baixa", afirma.

O problema da presencial é grande porque esse perfil [de moradores de condomínio de luxo, apartamentos e favelas] representa 20% da população, mas é mais misturado em relação à renda e por isso é difícil dizer qual pode ser o impacto nos resultados."
Neale Ahmed El-Dash, estatístico

Ele menciona ainda a hipótese do voto envergonhado. "É mais fácil admitir voto em Bolsonaro por telefone do que presencialmente" diz Neale.

Natália Aguiar, cientista política da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), sugere que, nas pesquisas presenciais, os institutos repensem a estratégia para chegar a eleitores mais difíceis de alcançar, especialmente no interior do país. "Há muitas diferenças entre interior e capital. No interior é onde as pessoas decidem na última hora."

Boicote bolsonarista. Para Natália, as pesquisas têm se tornado mais desafiadoras, no Brasil e no mundo. "Quando alguns concorrentes pregam contra as pesquisas, algumas pessoas tendem a não responder ou mentir na resposta", observa.

A gente viu casos de entrevistadores do Datafolha sendo agredidos, e de bolsonaristas se organizando em grupos de WhatsApp para mentir nas pesquisas
Natália Aguiar, cientista política

Praça, da FGV, concorda. "Foram vários fatores para os erros nas pesquisas. Um dos mais importantes é o fato de que muitos eleitores do Bolsonaro se recusavam a responder as sondagens", diz.

Tarcísio - José Dacau/UOL - José Dacau/UOL
Ex-ministro Tarcísio de Freitas (Republicanos) contrariou pesquisas e terminou 1º turno à frente de Haddad
Imagem: José Dacau/UOL

Voto de última hora. Os cientistas políticos afirmam que os institutos erraram, também, porque os eleitores vêm deixando para decidir o voto na reta final. "Em 2018, 18% dos eleitores estavam indecisos até sexta-feira", diz Eduardo Grin, cientista político da FGV.

"Essa mudança de voto deve ter acontecido este ano também, mas não foi captada pelas pesquisas", opina Grin. Natália Aguiar, da UFMG, concorda:

As pessoas têm deixado para decidir na última hora, como já indicava o número de indecisos na pesquisa espontânea

A mudança de última hora é apontada para explicar a diferença de algumas sondagens para o Senado, como em São Paulo, onde o ex-ministro Marcos Pontes (PL) bateu o favorito Márcio França (PSB) com mais de 13 pontos de vantagem.

"Como muitas pessoas não sabem em quem votar até a última hora, os nomes mais famosos para o Senado despontam nas pesquisas, mas o voto não se confirma na hora H", diz Aguiar.

Praça, da FGV, lembra que muitos eleitores "votam em cima da hora influenciados pelo candidato ao Executivo em ascensão na última semana". Essa relação, segundo ele, foi estabelecida entre Bolsonaro e os nomes apoiados por ele. O presidente viu 11 ex-ministros de seu governo eleitos para o Congresso, sendo 8 no Senado e 3 na Câmara.

Marcos Pontes - Divulgação - Divulgação
Atrás nas pesquisas, ex-ministro Marcos Pontes desbancou favorito Márcio França (PSB) por 13 pontos
Imagem: Divulgação

Segundo turno antecipado. Os pesquisadores também acreditam que os eleitores da senadora Simone Tebet (MDB) e, principalmente, do ex-ministro Ciro Gomes (PDT), decidiram de última hora "antecipar o segundo turno" e mudar de candidato. O escolhido da maioria foi Bolsonaro.

Para Grin, da FGV, esperava-se que o PT tirasse votos do Ciro, mas o contrário é que teria ocorrido no dia da eleição. "Muita gente com vergonha de declarar voto em Bolsonaro acabou votando nele." Na avaliação dele, houve um movimento no grupo que iria votar em Ciro e mudou de ideia "nos últimos dois dias de campanha, algo que os institutos não captaram".

Natália lembra que Ciro não recomendou voto em Bolsonaro, mas a postura dele pode ter reforçado uma ideia de polarização entre Lula e o atual presidente. "Um dos campos é democrático e o outro lado é afeito a aventuras autoritárias. O discurso do Ciro equiparou esses dois lados", afirmou.

Atlas se aproximou dos resultados. CEO da Atlas Intelligence, cujas pesquisas feitas pela internet mais se aproximaram dos resultados oficiais, Andrei Roman elencou três motivos para os erros cometidos pelos concorrentes:

  1. Faixa de renda subrepresentada: Segundo Roman, as pesquisas tradicionais não utilizaram a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) para realizar suas entrevistas, resultando em "subrepresentação das faixas de renda acima de dois salários mínimos", diz. "A Pnad indica que em torno de 35% da população está nessa faixa, e é esse dado que a Atlas vem usando para calibragem amostral, mas que não é feito pela maioria dos institutos." Segundo ele, se você superestima a população mais pobre do Brasil (que vota principalmente em Lula) de 35% para acima de 55%, como fizeram outros institutos, inevitavelmente você vai subestimar o desempenho de Bolsonaro.
  2. Voto útil: Houve "uma onda de voto útil que beneficiou Lula e Bolsonaro", diz Roman.
  3. Pesquisa presencial: Segundo o pesquisador, quando alguém é abordado em uma interação humana, "ele nem sempre declara sua real intenção de voto". "Esse tipo de viés não existe em nossa pesquisa porque nossa coleta é feita pela internet, então há conforto para quem responde."

O que dizem os institutos de pesquisa?

Os institutos argumentam, em geral, que não se pode tratar como erros as diferenças entre as pesquisas e o resultado das urnas, porque os levantamentos servem para dar uma "fotografia" de cada momento.

"As pesquisas têm um papel fundamental de nos ajudar a entender os movimentos que estão por vir", diz Felipe Nunes, diretor da Quaest Consultoria. Ele concorda com o prognóstico de que eleitores de Ciro, aparentemente, migraram para Bolsonaro na véspera da votação.

A postura que Ciro adotou na reta final da campanha foi determinante no tipo de apontamento que fez para o eleitor
Felipe Nunes, da Quaest

Em nota, o Ipec destacou ter projetado a liderança de Lula no primeiro turno. Sobre Bolsonaro, o instituto atribui as discrepâncias a tendências também já apontadas pela pesquisa, como os 3% que ainda estavam indecisos e as perdas de pontuação de Ciro e Tebet nos últimos dias da campanha.

À Folha de S.Paulo, a diretora do Datafolha, Luciana Chong, refutou a tese de erro metodológico e creditou os números a um movimento de decisões de última hora, especialmente de eleitores de Ciro,

Ao longo de toda a campanha, o Ciro ajudou a alimentar o antipetismo. Na hora do voto, parte dos eleitores movidos por esse aspecto desistiram dele e escolheram Bolsonaro."
Luciana Chong, do Datafolha

Além disso, 13% dos entrevistados disseram que poderiam mudar de voto, o que deve ter acontecido em favor do presidente.