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Em ofensiva no TSE, Bolsonaro ignora pesquisas que o colocaram na liderança

Bolsonaro vota no primeiro turno das eleições 2022 - PEDRO IVO/ESTADÃO CONTEÚDO
Bolsonaro vota no primeiro turno das eleições 2022 Imagem: PEDRO IVO/ESTADÃO CONTEÚDO

Do UOL, em Brasília

08/10/2022 04h00

A ofensiva jurídica do presidente Jair Bolsonaro (PL) contra institutos de pesquisas eleitorais deixou de citar duas empresas responsáveis por levantamentos que apontaram sua liderança nas intenções de voto durante a campanha do primeiro turno, indo na contramão dos demais criticados pelo governo.

A Brasmarket Análise e Investigação de Mercado e o Instituto Equilíbrio Brasil não são mencionados nominalmente no pedido de providências feito pela campanha ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e à PGR (Procuradoria-Geral da República), ao contrário de outras nove empresas, como o Datafolha e o Ipec, que indicaram possível vitória do ex-presidente Lula (PT) nas eleições.

Desde agosto, as pesquisas da Brasmarket e do Instituto Equilíbrio Brasil divergiam das demais e colocavam Bolsonaro em primeiro lugar nas intenções de voto, cenário que não se confirmou nas urnas.

Os levantamentos da Brasmarket foram até divulgados pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do presidente e um dos críticos de pesquisas eleitorais.

O último levantamento da Brasmarket, divulgado em 30 de setembro, dois dias antes da eleição, apontava liderança de Bolsonaro com 45,4% das intenções de voto no cenário estimulado. Lula (PT) aparecia com 30%.

A pesquisa Equilibrio Brasil, divulgada dois dias antes, dava resultado semelhante, mas com um avanço maior de Lula: Bolsonaro seguia com 44% e o petista, 41%

Nas urnas, Lula terminou o primeiro turno com 48,43% dos votos válidosuma diferença de 18 pontos percentuais em comparação ao resultado da Brasmarket e 7 pontos percentuais a mais que a pesquisa Equilíbrio Brasil. Bolsonaro ficou com 43,20%, dentro da margem de erro dos dois institutos.

Na contramão, Bolsonaro na liderança. Durante a campanha, Bolsonaro liderou as intenções de voto da Brasmarket, oscilando entre 39% a 45% nos levantamentos feitos entre agosto e setembro. Lula oscilou entre 30,9 a 33%.

As discrepâncias entre os resultados da Brasmarket com as urnas e com outras pesquisas, porém, não são citadas pelo presidente nos pedidos de providência levados ao TSE e à PGR.

As ações citam nominalmente nove empresas: Quaest, Ipec, Datafolha, Ipespe, FSB, PoderData, Atlas, MDA e Paraná Pesquisas. Todas fizeram levantamentos que indicavam liderança de Lula nas intenções de voto, com Bolsonaro em segundo lugar.

"Embora sejam naturais as divergências entre os resultados das urnas e as indicações de pesquisas, os erros crassos que envolveram as pesquisas eleitorais, nesse pleito de 2022, são notoriamente repulsivos e merecem ser apurados com a devida profundidade e extensão", disse a defesa do governo, sem mencionar a Brasmarket ou a Equilíbrio.

Os documentos foram encaminhados ao corregedor-geral eleitoral, ministro Benedito Gonçalves, e ao procurador-geral da República, Augusto Aras.

Bolsonaro cobra que os institutos de pesquisa citados, "dentre outros reputados relevantes para a coleta de informações", deem explicações sobre as divergências relatadas entre o resultado das urnas e as pesquisas feitas durante a campanha.

A diretora do Datafolha, Luciana Chong, avaliou que os eleitores que decidiram o voto de última hora nesse primeiro turno favoreceram a candidatura de Bolsonaro, o que explicaria a diferença entre a pesquisa do instituto na véspera da eleição e o resultado das urnas.

A diretora do Ipec (ex-Ibope), Márcia Cavallari, apresentou justificativas semelhantes e mencionou a antecipação de votos no presidente por eleitores indecisos, de Ciro e Simone.

Por que a Brasmarket ficou de fora? O UOL entrou em contato com a campanha de Bolsonaro, com o Palácio do Planalto e com o ex-ministro Tarcísio Vieira de Carvalho, responsável pela defesa jurídica do presidente no TSE.

A campanha de Bolsonaro e o Planalto não responderam.

Ao UOL o ex-ministro Tarcísio Vieira de Carvalho disse que a proposta é uma "investigação ampla". "A menção aos institutos relacionados na petição é meramente exemplificativa", afirmou.

Ministério da Justiça não diz nomes. Questionado pelo UOL se o inquérito solicitado pelo ministro da Justiça, Anderson Torres, para apurar a atuação dos institutos de pesquisa eleitoral englobaria a Brasmarket ou o Instituto Equilíbrio Brasil, o Ministério da Justiça não comentou.

A pasta se limitou a dizer que não enviaria o ofício encaminhado à PF e reproduziu nota divulgada anteriormente pelo governo sobre a investigação.

No texto, o Ministério da Justiça diz: "Vale lembrar que o art. 33, § 4º, da Lei das Eleições nº 9.504, de 1997, afirma que 'a divulgação de pesquisa fraudulenta constitui crime, punível com detenção de seis meses a um ano e multa'".

Ao ser questionado na quarta-feira (5) se a instauração da investigação poderia soar como tentativa de intimidação, Anderson Torres negou, alegando que a divulgação de notícia falsa é crime.

"Na verdade, não é intimidação porque existe um crime previsto para isso, que é a divulgação de pesquisas falsas. A própria fake news. Não tem fake news maior do que essa, no momento, em uma véspera de eleição... Então, a gente tem que ter muito cuidado. O inquérito é muito sério e a realidade vai vir à tona", disse.

Confiável para Flávio. Sem menção na ofensiva do governo, a pesquisa Brasmarket foi compartilhada por Flávio Bolsonaro, filho do presidente, em setembro. No dia 15, o senador escreveu que o levantamento "já dá Bolsonaro eleito no 1º turno", mesmo que outras pesquisas indicassem o oposto.

"Como falamos há tempos, os demais institutos já começaram a ajustar a vitória de Bolsonaro. As óbvias exceções serão DataFolha e IPEC, por ordem da Globo/PT e vão bancar a farsa até o fim", disse.

No dia 30, quando a última pesquisa antes do primeiro turno foi divulgada, o senador também compartilhou a pesquisa em meio às críticas sobre institutos como o Datafolha e o Ipec. Outros apoiadores do governo, como o influenciador Leandro Ruschel, divulgaram a Brasmarket nas redes sociais.

Quem está por trás da Brasmarket? Fundada em 1982, a Brasmarket tem como sócio-administrador desde março o publicitário José Carlos Cademartori, segundo consulta pública da Receita Federal.

Entre maio e setembro, a empresa registrou 21 pesquisas eleitorais no TSE — 5 delas são destacadas no site da empresa e dão Bolsonaro na liderança do primeiro turno. Outros levantamentos envolvem as disputas regionais no Tocantins, Distrito Federal, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Norte e Goiás.

Procurado pelo UOL, Cademartoni disse que está "à disposição" das autoridades para prestar esclarecimentos sobre a metodologia de pesquisa usada pela Brasmarket.

"Não tenho vínculo nenhum com Bolsonaro. Não conheço Bolsonaro. Dizem que é o Instituto do Bolsonaro, que tem a confiança do Bolsonaro. Tenho 68 anos de idade e não pertenço a nenhum grupo político. A gente pegou [a intenção de voto de] Simone, pegou Ciro, a gente só não pegou Lula", disse.

Questionado sobre as divergências entre o resultado da Brasmarket em relação às urnas no caso do petista e sobre as demais pesquisas, Cademartoni respondeu: "Por que não pegou o Lula? Eu não sei. Pergunta também por que [outros institutos] não pegaram o Bolsonaro, né?"

Essa explicação todos têm que dar porque eles [demais institutos de pesquisa] também não pegaram Bolsonaro. Davam Bolsonaro com 33, 34 [% de intenção de votos], e a gente pegava o Bolsonaro. É um mistério. No seu devido tempo, vai aparecer se foi erro de captação, de metodologia"
José Carlos Cademartoni, sócio da Brasmarket

Das 5 pesquisas destacadas pela Brasmarket, 3 foram pagas pela Associação de Supermercados do Estado do Rio de Janeiro, com custos de R$ 90 a R$ 50 mil. As outras duas foram pagas, segundo informado, com recursos próprios e custaram R$ 30 mil cada uma.

Segundo Cademartoni, os preços foram definidos por negociação e as pesquisas pagas por conta própria foram feitas "a preço de custo" para divulgar a marca. "É uma marca antiga, conhecida na década de 90, por isso os números oscilam muito. Dependem de negociação e uma necessidade da gente para levar o nome do instituto nacional".

A empresa não é integrante da Associação Brasileira das Empresas de Pesquisas e não fez levantamentos eleitorais nas últimas eleições.

No site da Brasmarket, o PL, partido de Bolsonaro, aparece como cliente. Cademartoni afirmou, porém, que se trata do diretório regional do Tocantins, e não do diretório nacional da legenda.

Nas prestações de contas de Bolsonaro, não consta nenhuma despesa feita ao instituto.

E o Instituto Equilíbrio Brasil? O Instituto Equilíbrio Brasil registra suas pesquisas no CNPJ da MultiMercado Ltda, empresa criada em 1978, em Belo Horizonte. No site do instituto, é dito que a empresa passou a contar a partir do ano passado "com sua própria estrutura de pesquisa de opinião pública".

Neste ano, a empresa registrou sete pesquisas no TSE que, somadas, chegam a custar R$ 220 mil. Todas foram custeadas com recursos próprios, segundo o instituto.

Por email, o coordenador-geral do Equilíbrio Brasil, Henrique Parizzi, afirmou ao UOL que a diferença entre os votos registrados por Lula nas pesquisas — 39% a 41%, no caso dos votos válidos — em comparação ao resultado nas urnas, de 48%, está relacionado a possíveis "votos úteis de última hora".

"Esta diferença pode estar relacionada a percentual de votos úteis de última hora, data da pesquisa que foi anterior à dos demais institutos e margem de erro de três pontos, além de algum pequeno vício de amostra em alguma região, mais relacionada a público de baixa escolaridade", disse.

Procurado, Parizzi inicialmente disse que conversaria com a reportagem, mas não atendeu às ligações seguintes.

Assim como a Brasmarket, a Equilíbrio Brasil não é integrante da Associação Brasileira das Empresas de Pesquisas.