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Contra projeções, Lula e Bolsonaro vão ao 2º turno com diferença pequena

Do UOL, em São Paulo

02/10/2022 21h26Atualizada em 03/10/2022 03h13

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL) vão disputar o segundo turno das eleições. A votação será no próximo dia 30 de outubro, último domingo do mês. Com 99,99% das urnas apuradas, Lula tinha 48,43% dos votos e Bolsonaro, 43,2% —diferença de pouco mais de 6 milhões de votos.

O resultado deste domingo (2) frustra expectativas petistas de vitória em turno único ou a ida ao segundo turno com grande vantagem. As pesquisas indicavam as duas possibilidades, e o candidato trabalhou por este objetivo nas duas últimas semanas. Do outro lado, o resultado é comemorado pela equipe bolsonarista, que tem quatro semanas para reverter o cenário.

Com quase 100% das urnas apuradas, Lula liderava a disputa em 14 estados; Bolsonaro, em 12 e no Distrito Federal. Com o resultado, o discurso antipesquisa do presidente ganha força, e a equipe de Lula —que estava otimista— recomeça a campanha tentando entender o que aconteceu em estados onde esperava vencer.

O que você precisa saber:

  • Lula e Bolsonaro foram para o 2º turno, com diferença de votos bem menos do que as pesquisas indicavam.
  • Os dois terão o desafio de conquistar novos eleitores e reverter a alta rejeição.
  • Bolsonaro precisa de feito inédito para vencer: passar para primeiro colocado depois de terminar o primeiro turno na vice-liderança.
  • No discurso após confirmação do resultado, Lula disse que SP será palco do confronto e que o partido vai mapear onde teve menos votos.
  • Bolsonaro não atacou as urnas eletrônicas --como costuma fazer--, mas criticou pesquisas que projetavam que ele teria menos votos.

O que os candidatos falaram:

'Apenas uma prorrogação'. Lula e lideranças petistas procuraram demonstrar satisfação no discurso após a confirmação do resultado, em um hotel na capital paulista O candidato afirmou que São Paulo "será um grande palco de confronto" no segundo turno —tanto nacional como estadual, e sinalizou que vai intensificar a campanha no estado.

Segundo o resultado das urnas paulistas, o ex-prefeito da capital Fernando Haddad (PT) vai disputar o segundo turno com o ex-ministro Tarcísio de Freitas (Republicanos) —reproduzindo o cenário nacional de polarização. Tanto Lula quanto Bolsonaro terão palanque no estado. Tarcísio teve 42,32% dos votos e Haddad, 35,7%.

É um confronto de ideias, um confronto programático, é um confronto de propostas para a sociedade. E estou disposto a fazer tudo o que for possível, Haddad. Tenho certeza que nós dois juntos vamos ganhar São Paulo e vamos ganhar o Brasil."
Lula

Lula perdeu no estado —teve 40,89% dos votos, contra 47,71% de Bolsonaro. São Paulo tem o maior colégio eleitoral do país, com dois a cada dez votos do Brasil.

'Temos um segundo tempo pela frente'. Ao lado de um dos filhos, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), Bolsonaro falou com jornalistas e apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada. Em entrevista, disse considerar que "as pesquisas [de intenção de voto] estão desmoralizadas" e enalteceu a ida ao segundo turno em uma disputa mais acirrada do que se esperava.

Para ele, o resultado do pleito mostrou que há setores da sociedade que alimentam desejo de "mudança", sobretudo por conta dos problemas na economia.

Tenho certeza que vamos poder melhor mostrar para essa parcela da sociedade que as mudanças que porventura alguns querem podem ser pior, até mesmo a gente mostrando aqui melhor Argentina, o Chile, a Colômbia; a Venezuela já estava em crise antes mesmo da Covid. Então entendo que é por aí o nosso trabalho por ocasião do segundo turno
Bolsonaro

Ele já indicou que vai procurar o governador reeleito de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), para angariar mais votos, assim como no estado do Rio de Janeiro, onde venceu Cláudio Castro (PL). Aliados também conquistaram vagas no Congresso.

A campanha do 1º turno

Otimismo exagerado. Entre aliados e oponentes do PT, muitos interpretam que houve salto alto. Um exemplo é que na semana anterior à votação já havia especulação de ministros. O ex-governador do Maranhão Flávio Dino (PSB) foi cotado para ocupar a Justiça.

Oficialmente, Lula pregou pelo voto útil, encabeçou uma ofensiva pelo eleitorado de Ciro Gomes (PDT) e se posicionou contra a abstenção. Nos bastidores, a campanha endossou a campanha de "vira voto" —seja de forma orgânica, a convite da campanha ou por pressão de setores. Artistas, intelectuais, empresários e antigos opositores começaram a declarar publicamente voto no petista nas últimas semanas.

Ex-presidenciáveis, economistas e empresários se reuniram e chegaram a tirar foto fazendo "L", formando a chamada frente ampla pela democracia, com críticas ao presidente Bolsonaro. A ampla aliança levou otimismo à campanha.

Atacando sem provas. Bolsonaro passou a campanha inteira duvidando das pesquisas e criticando o sistema eleitoral e a imprensa, sem apresentar provas. Colocou o processo de contagem dos votos em dúvida de maneira reiterada e tentou emplacar que a apuração só teria validade se confirmada pelas Forças Armadas.

Faltando quatro dias para a eleição, o PL, partido do presidente, insinuou, também sem provas, que as eleições poderiam ser manipuladas, que boletins de urnas eram passíveis de fraudes e que a cadeia de servidores, formada por terceiros, oferecia "risco substancial". O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) classificou a auditoria do partido como "falsa e mentirosa".

Nas últimas semanas, o próprio presidente divulgou um suposto percentual de votos que esperava atingir hoje —em tom de ameaça. "A gente não consegue ver outra coisa a não ser as eleições serem decididas amanhã e com uma margem superior a 60% [de votos nele]", disse na live realizada ontem. Mesmo quando liderou a apuração, Bolsonaro nunca chegou nem mesmo a 50% dos votos válidos.

Discursos divergentes

Economia, a prioridade. A estratégia da campanha de Lula no primeiro turno foi focar na economia e comparar sua gestão (2003-2010) à situação atual, do governo Bolsonaro. Nos discursos, falou sobre fome, desemprego e qualidade de vida.

Foram vários comícios do petista afirmando que, se eleito, as crianças não iam mais almoçar ovo com bolacha. Também prometeu mais acesso a lazer e bens de consumo, destacando que, quando era presidente, a classe C viajava de avião e comia picanha.

No entanto, ele não esmiuçou projetos ou ofereceu detalhes. Em nenhum momento, citou quanto pretende investir numa área e qual o resultado pretende ter em empregos criados e crescimento do PIB (Produto Interno Bruto). O petista se limitou a dizer o que havia dado certo nos seus dois mandatos —anunciando que dará certo outra vez.

Pautas conservadoras. Antes de a campanha oficial começar, a equipe de Bolsonaro tinha grandes expectativas de crescimento nas pesquisas. Prazos foram colocados para haver um empate técnico com Lula sucedido por ultrapassagem. Estas previsões não se concretizaram até a véspera da eleição.

Nas ruas e em lives, além de questionar o processo eleitoral, Bolsonaro retomou a agenda de costumes, falando de Deus e da família, citou o que chama de "avanço comunista" e dificuldades sociais da Argentina —país comandando pelo presidente Alberto Fernández, simpático a Lula.

De olho no eleitorado evangélico, colou no pastor Silas Malafaia e deu destaque à primeira-dama, Michelle Bolsonaro —que também teve o papel de suavizar a imagem do marido com o eleitorado feminino.

Segundo as pesquisas, entre as mulheres, a presença de Michelle não havia surtido o efeito desejado. Bolsonaro foi bastante criticado após puxar o coro de imbrochável no 7 de Setembro e ao atacar verbalmente a jornalista Vera Magalhães durante o debate UOL, Folha, Band e TV Cultura.

Programas sociais. O mais perto de um detalhamento do que deve fazer que Lula chegou foi falar de programas que deseja reativar. Segundo o petista, o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), criado em 2007, voltará se ele vencer este segundo turno, pois focará em grandes obras de infraestrutura. O Minha Casa Minha Vida, programa de habitação, será recriado para substituir o Casa Verde e Amarela, de Bolsonaro, sob o argumento de que o atual governo não entregou resultados.

Essa promessa serve de modelo sobre o jeito que Lula fez campanha: numa mesma cartada, renovou a lembrança de um projeto bem avaliado pela população e fez uma comparação desfavorável para Bolsonaro. Como resultado, despertou no eleitor o sentimento de que no passado era melhor.

Auxílio e combustíveis. Bolsonaro, por sua vez, jogou suas fichas no Auxílio Brasil —ampliado de R$ 400 para R$ 600, até dezembro.

A campanha de Bolsonaro admitiu que o benefício foi interpretado pelo eleitorado de baixa renda como um artifício provisório que surgiu às vésperas da corrida eleitoral —agora, o presidente promete estender o pagamento nesse mesmo valor, caso reeleito. O Datafolha indicou que Lula estava à frente entre o segmento que recebe Auxílio Brasil.

O presidente também apostou na queda dos preços dos combustíveis e na deflação dos últimos meses, ainda que o poder de compra e a qualidade de vida tenham caído e mais de 33 milhões de brasileiros estejam em situação de fome, de acordo com o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19.

Estratégias

Daqui para a frente. Apesar do clima de otimismo por ter chegado ao segundo turno —liderando grande parte da apuração— Bolsonaro precisa de um feito inédito: vencer a eleição depois de terminar o primeiro turno na vice-liderança. Isso nunca aconteceu nas eleições para a Presidência.

Os dois candidatos precisam lidar com alta rejeição —segundo Datafolha divulgado ontem, 52% dos eleitores não votam em Bolsonaro de forma nenhuma e 40%, em Lula. É um obstáculo contra o qual os dois lutam desde outras eleições.

Fora da bolha. Outro desafio para os dois é conquistar quem não votou neles. Lula diz que não vê problemas em negociar para ampliar sua base de apoio —vai procurar outros partidos, os candidatos derrotados neste primeiro turno e novos apoiadores de setores com os quais ainda não conversou.

"Nosso barco é que nem a Arca de Noé: quem quiser viver, pode entrar", disse o petista, ontem, em entrevista coletiva.

Bolsonaro tem uma equipe que ajuda a traçar as estratégias da campanha, mas, no fim, durante o primeiro turno, sempre foi o presidente que definiu o que fazer —nas próximas semanas, é isso que deve voltar a acontecer.

Para o núcleo político, por exemplo, as motociatas são ineficazes para conquistar novos votos —pois ele passeia com apoiadores. A preocupação foi passada a Bolsonaro. Ele ponderou e preferiu encerrar sua campanha com a foto para o seu "datapovo" —ou seja, com aglomeração das motos.

Violência eleitoral. Outra preocupação é que tensão na disputa eleitoral se traduziu em violência —houve briga, agressão e até assassinatos após discussões políticas.

A semana que antecedeu o primeiro turno foi marcada pela escalada de atos de violência relacionados à eleição presidencial. A polícia investiga possível motivação política em três homicídios na última semana. No mesmo período, houve ao menos outros oito episódios graves de agressões a candidatos e eleitores em meio a atos políticos na reta final das campanhas eleitorais.

Especialistas ouvidos pelo UOL veem no período eleitoral de 2022 um fenômeno de "nacionalização" de casos de agressões e até assassinatos, então restritos a disputas regionais nas urnas.

"Eleições municipais costumam ser violentas, com histórico de assassinatos em diversas regiões no país", diz o cientista político Paulo Baía. "Mas estamos vivendo a eleição presidencial mais tensa e violenta desde 1989. É um barril de pólvora que pode explodir a qualquer momento."