Em carta a evangélicos, Lula defende liberdade religiosa e estado laico
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defendeu liberdade religiosa e separação entre Igreja e Estado em encontro com evangélicos hoje (19) em São Paulo. Entre pastores e lideranças políticas religiosas, foi lida a aguardada "carta aos evangélicos", com compromissos do petista a este público.
A divulgação ou não da carta foi fruto de um debate intenso na campanha entre núcleos que viam o gesto como necessário e outros que preferiam não entrar nessa discussão. No evento de hoje, em sua fala, Lula refutou fake news sobre sua campanha e o PT relacionadas à religião, alfinetou novamente o presidente Jair Bolsonaro (PL) e lembrou que já teve de fazer outros acenos a religiosos em campanhas anteriores.
Bolsonaro lidera entre os evangélicos, segundo as pesquisas eleitorais —e tem reforçado a presença em cultos na campanha do segundo turno. A primeira-dama, Michelle Bolsonaro, e a senadora eleita Damares Alves (Republicanos-DF) têm participado de eventos com mulheres evangélicas para ganhar votos.
A carta. O PT tem procurado adotar um tom diferente da abordagem de Bolsonaro ao tratar de religião. Desde o início da campanha, os petistas pregavam conquistar este eleitorado por meio do discurso da recuperação da economia e não pelas pautas de costume.
A carta segue tom semelhante —leia a íntegra aqui. Lula fala em projetos, economia, questões sociais e defende o Estado laico.
Em meio a este triste escândalo do uso da fé para fins eleitorais, assumo com vocês este compromisso: meu governo jamais vai usar símbolos de sua fé para fins político-partidários, respeitando as leis e as tradições que separam o Estado da Igreja, para que não haja interferência política na prática da fé."
"Se Deus e o povo brasileiro permitirem que eu seja eleito, além de manter esses direitos, vou estimular sempre mais a parceria com as Igrejas no cuidado com a vida das pessoas e das famílias brasileiras", promete o texto, em um tom um pouco mais religioso do que o comum nos discursos do petista e de aliados.
Contra mentiras. Com o objetivo de desmentir notícias, em especial as que diziam que, caso ele ganhe, fecharia igrejas, o texto relembra o governo de Lula (2003-2010) e reforça que não houve mudanças. "Todos sabem que nunca houve qualquer risco ao funcionamento das Igrejas enquanto fui presidente", argumenta.
Posso lhes assegurar, portanto, que meu governo não adotará quaisquer atitudes que firam a liberdade de culto e de pregação ou criem obstáculos ao livre funcionamento dos templos."
Como tem feito em seus discursos, ele voltou a citar projetos das gestões petistas, como a reforma do Código Civil "assegurando a liberdade religiosa no Brasil" e os decretos que criaram o dia da Marcha para Jesus e o Dia Nacional dos Evangélicos.
Recado. A carta faz ainda indiretas a Bolsonaro. Sem citar diretamente o presidente, o texto critica uma suposta tentativa de "divisão por meio da fé" e diz que "Jesus Cristo nos ensinou Liberdade e paz, respeito e união".
A tentativa de uso político da fé para dividir os brasileiros não ajuda ninguém, nem o Estado, nem as igrejas, porque afasta as pessoas da mensagem do Evangelho."
No discurso durante o encontro, Lula foi mais contundente. Chamou Bolsonaro de "psicopata" e "mentiroso" e disse que ele "não pode ganhar as eleições mentindo".
Vai, não vai, foi. A divulgação desta carta é debatida dentro da campanha desde o meio do primeiro turno. Uma ala do PT defendia que o partido convenceria o eleitorado evangélico, majoritariamente bolsonarista, por meio da pauta econômica, enquanto outros aliados alertavam que seria necessário um aceno mais direto aos religiosos.
Lula, particularmente, era contra. Católico, ele dizia publicamente e às pessoas mais próximas que queria ter uma postura diferente do seu adversário e não misturar fé e campanha. Sem avançar entre esse eleitorado, foi cedendo aos poucos.
A religião passou a fazer parte dos discursos, entrevistas e programas de TV e ele realizou o primeiro encontro voltado ao eleitorado evangélico na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, às vésperas do primeiro turno.
Na última segunda (17), encontrou-se com representantes católicos e hoje reuniu mais uma vez evangélicos. Esta carta é a peça final.
Essa carta é parte do compromisso que eu tenho com a verdade nesse país, com que eu acho que podemos fazer pelas crianças, pelos trabalhadores, pelos aposentados, na luta contra o racismo nesse país."
Lula, em discurso
O encontro. A campanha reuniu mais de cem lideranças religiosas e políticas de diferentes locais de país —incluindo até parlamentares tucanos— em um hotel na região central da capital paulista. Com banda, música gospel e pregação, a maioria das lideranças falou em reposicionamento da igreja e citou perseguição por parte de colegas religiosos.
Às minhas irmãs e meus irmãos, não permitam o sequestro da nossa fé. Nós já nos convertemos em Jesus, não temos que nos converter a Bolsonaro. Eu sei que vocês estão passando por isso, porque eu também estou: de olharem na cara da gente e dizer que não é crente porque a gente escolheu estar do lado da Justiça."
Aava Santiago (PSDB), vereadora de Goiânia
"Uma igreja que depende do estado para defender seus valores é uma igreja fraca, porque quem defende nossos valores é a mentalidade de Cristo, renovada em nós pelo conhecimento da verdade", disse Aava Santiago.
Estavam presentes o ex-governador Geraldo Alckmin (PSB), candidato a vice na chapa de Lula; o ex-ministro Fernando Haddad (PT), candidato ao governo; os deputados eleitos Marina Silva (Rede-SP), Benedita da Silva (PT-RJ) e Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ) e a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA).
"[A carta] é o reconhecimento de um Estado laico, mas com a compreensão que temos uma diversidade religiosa no Brasil muito grande", afirmou Eliziane. "Uma pluralidade, onde todos eles, independentemente da visão religiosa, precisam ser alcançados pelo serviço público e pela política pública."
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