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O que o TSE decidiu sobre a Jovem Pan é censura ou combate a fake news?

Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Moraes - Agência Brasil
Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Moraes Imagem: Agência Brasil

Do UOL, em São Paulo

21/10/2022 16h38

Advogados ouvidos pelo UOL Notícias divergem sobre as decisões do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) da última terça-feira (18), que proibiram os comentaristas da emissora Jovem Pan de falar sobre a situação judicial do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Especialistas em direito constitucional dizem considerar que houve censura prévia, prejudicial à democracia. Por outro lado, juristas de direito eleitoral dizem que a liberdade de imprensa foi preservada, já que a legislação prevê que candidatos não podem ser tratados de forma desigual por empresas com concessão pública, como é o caso da Jovem Pan, que além do canal na TV a cabo e no YouTube, tem sua origem no rádio.

O que o TSE decidiu? A coligação de Lula pediu ao TSE que a Jovem Pan fosse obrigada a dar direitos de resposta sobre a situação judicial do petista. Nos comentários, exibidos em programas de 29 a 31 de agosto, os jornalistas afirmaram que o petista não foi inocentado, e sim "descondenado" pelo STF (Supremo Tribunal Federal) nos processos aos quais respondia.

A Corte, que julgou o caso na última terça, não apenas concedeu os direitos de resposta como determinou que a emissora e seus comentaristas "se abstenham de promover novas inserções e manifestações sobre os fatos tratados nas representações", ou seja, a situação dos processos de Lula.

A decisão foi tomada a partir do voto do ministro Alexandre de Moraes, presidente do tribunal, e acabou aprovada por 4 votos a 3.

Especialistas em Direito Constitucional defendem "liberdade de expressão". Especialistas em Direito Constitucional ouvidos pela reportagem entendem que a decisão do TSE viola as liberdades de expressão e de imprensa, previstas na Constituição, embora divirjam sobre a necessidade de a Justiça Eleitoral tomar medidas do tipo para combater desinformação.

"Constitui uma censura prévia. Algumas ordens para retirar conteúdo do ar podem ser discutíveis, mas não são censura prévia", avalia a advogada constitucionalista Vera Chemin.

Determinar que não se pode mais falar nada sobre determinado assunto, no caso a situação do Lula, aí é uma censura prévia. É um cerceamento à liberdade de expressão
Vera Chemin, advogada constitucionalista

Chemin diz que o único limite legal à liberdade de expressão é diante de ataques à honra do ofendido, o que não teria ficado claro no caso de Lula.

"A Constituição defende o exercício da plena liberdade de expressão, mesmo que ela seja ácida, agressiva e ofensiva. Queira-se ou não, os comentários feitos pela emissora são verdadeiros", defende.

"Decisão não é saudável para a democracia". Para Rubens Glezer, professor de Direito Constitucional na FGV-SP (Fundação Getulio Vargas em São Paulo), a decisão do TSE "não é saudável para um ambiente democrático" e deve-se procurar reparar ofensas sem a retirada ou a proibição do conteúdo. Ele avalia, no entanto, que a medida tem previsão legal.

"Não é o tipo de medida mais compatível com o ambiente em que existe uma proteção robusta à liberdade de expressão. Mas não é novidade e é algo que está previsto no ordenamento jurídico", afirma Glezer.

O constitucionalista sustenta, ainda, que medidas como a do TSE não são novidade e já foram tomadas contra outros veículos de comunicação, de vários espectros políticos.

Glezer lembra:

"Liberdade de imprensa não é absoluta", rebatem especialistas em Direito Eleitoral. Professor de pós-graduação e especialista em Direito Eleitoral, o advogado Luiz Eduardo Peccinin contesta a versão de censura. "Não é liberdade de disseminação de mentiras e fake news. A legislação sempre se preocupou com a honestidade do debate eleitoral."

Ele reforça que a medida não é novidade em meio às eleições. E que, em casos de envolvimento direto, é possível até mesmo a cassação do político. "Sempre houve a vedação às concessões públicas de não favorecer ou prejudicar um candidato para garantir a isonomia do processo eleitoral. Há previsão legal até para cassar políticos que se beneficiam dessas estruturas", diz.

O advogado Fernando Neisser, presidente da Comissão de Direito Eleitoral do IASP (Instituto dos Advogados de São Paulo) e membro da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), diz que o tribunal deve fiscalizar casos de desinformação. "A liberdade de imprensa não é absoluta. Não é permitido caluniar, atacar ou divulgar fato sabidamente inverídico."

Não é surpresa para ninguém reconhecer que a Jovem Pan tem um lado político. Mas estamos falando de algo que não é permitido durante o período eleitoral"
Fernando Neisser, advogado

"Quanto mais perto da eleição, maiores são as restrições. Existe a percepção da própria lei de que é preciso ter um controle maior da autoridade eleitoral para que as pessoas possam votar livres de influências ilegais sobre a formação do seu voto."

Expressões usadas antes derrubam tese de "censura prévia", diz advogado. Neisser rebate a tese de "censura prévia", já que, na opinião dele, as expressões já foram anteriormente utilizadas.

"Todas as expressões usadas para se referir ao ex-presidente Lula foram ditas novamente por uma série de apresentadores da emissora. Diante da ilegalidade, o TSE diz que não pode se repetir. As decisões estão corretas dentro do ponto de vista jurídico. Não consigo ver qualquer ponto fora da curva."

A decisão do TSE foi acertada. A Jovem Pan recebe verbas públicas e precisa adotar uma postura de imparcialidade. Não pode se tornar um braço do governo ou um canal destinado a fazer propaganda favorável do governo. O irrestrito apoio a uma candidatura configura desequilíbrio entre os candidatos"
Paula Bernardelli, especialista em Direito Eleitoral

"A decisão do TSE foi embasada na divulgação de notícias alteradas com fatos distorcidos. É papel do tribunal o combate à desinformação, que tem atingido todas as candidaturas. A formação livre do voto tem que ser baseada na realidade. E a emissora tem o dever republicano de entrega de fatos verídicos", complementa a advogada.

O que a Jovem Pan já falou sobre Lula? O TSE analisou, a pedido da coligação de Lula, falas de comentaristas transmitidas entre 29 e 31 de agosto.

  • "O Lula falando no debate que ele foi inocentado em duas instâncias da ONU. Será que esse vídeo, esse trecho do debate, também vai ser retirado? Porque é uma grande fake news isso, que até agora ninguém se manifestou"
  • "O Lula é acusado de qualquer coisinha, mesmo sendo verdade, aí é retirado por ordens do TSE"
  • "Eu acho que o Lula tá no direito dele de mentir, de falar que foi inocentado, e não ter a publicação retirada"
  • "Esse personagem responsável pelo período mais negro em termos de ética"
  • "O Lula é isso, ele acredita que a mentira tem perna longa"
  • "Ele foi condenado e confirmado pela Justiça inteira"
  • "Descondenado"
  • "Ele acredita realmente na cascata"
  • "É a campanha de um descondenado que vai à justiça pedir a investigação de um ex-juiz pelo crime de fazer um santinho eleitoral com o tamanho da letra errada"
  • "O Petismo é uma escória."
  • "Esses são uns pilantras, e esses foram quem afundaram o Brasil"
  • "O que me chamou mais atenção foi a desfaçatez do PT de afirmar na televisão, em cadeia nacional, diante de inúmeros jornalistas, que ele foi inocentado pelo Superior Tribunal Federal [sic] e que teria sido também inocentado, palavras dele, pela 1ª instância e pela 2ª instância da ONU"
  • "O Lula não ficou totalmente à vontade para falar as falácias, espalhar as mentiras"
  • "Ele é considerado um descondenado. Ele não foi inocentado. Ele continua e vai continuar sendo um ex-presidiário que foi condenado em 3 instâncias, que foi condenado por desembargadores do TRF-4 de Porto Alegre, indicados pelas administrações petistas"

Qual foi a repercussão do caso? Em editorial publicado ontem, a Jovem Pan afirma que o TSE impôs as restrições "ao arrepio do princípio democrático de liberdade de imprensa, da previsão expressa na Constituição de impossibilidade de censura e da livre atividade de imprensa".

Sem citar o caso específico da Jovem Pan, a Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão) emitiu ontem uma nota repudiando a "escalada de decisões" do TSE que, no entendimento da entidade, "interferem na programação das emissoras, com o cerceamento da livre circulação de conteúdos jornalísticos, ideias e opiniões".