"Brasil prefere o silêncio", diz Yoani Sánchez em São Paulo sobre situação dos direitos humanos em Cuba
A dissidente cubana Yoani Sánchez afirmou, durante debate realizado nesta quinta-feira (21) na sede do jornal "O Estado de S. Paulo", na capital paulista, que o Brasil prefere o silêncio quando o assunto é a situação dos direitos humanos em Cuba.
"Me parece que o governo do Brasil prefere o silêncio [sobre a situação dos direitos humanos em Cuba]", afirmou a autora do blog "Generación Y". "Não sou uma diplomata, talvez uma diplomata popular, mas recomendo que o Brasil tenha um posicionamento mais enérgico?.
"Durante o governo Lula e Dilma, se estabeleceram muitos vínculos entre Cuba e Brasil, principalmente econômicos", disse Yoani. "É muito bom que o Brasil ajude Cuba. Cuba não é governo ou partido, somos todos nós. No entanto, acho que falta dureza, ou franqueza, do governo brasileiro na hora de exigir direitos humanos na ilha"
A ativista cubana disse ainda que o regime cubano não é socialista, e sim o que nomeou de "capitalismo de Estado". "Cuba está vivendo um capitalismo de Estado, um capitalismo de um clã, onde o chefe não é alguém rico ou burguês, é o governo."
Questionada sobre a estrutura de saúde e educação de Cuba, cujos índices estão entre os melhores do mundo, a dissidente sustentou que a queda do Muro de Berlim, em 1989, que resultou no fim da União Soviética, em 1991, o sistema de saúde e educação cubano, que recebia investimentos soviéticos, entrou em colapso.
"A partir daí o sistema entrou em colapso material. Hoje vemos um êxodo dos profissionais desses setores", afirmou a blogueira, que se definiu ideologicamente como uma "pós-moderna" crítica ao comunismo.
Blogueira diz que embargo americano não resulta em rebeldia, e sim na imigração
Sánchez voltou a falar sobre o embargo econômico que os Estados Unidos impõem a Cuba. "Há uma teoria, uma metáfora, que o embargo é uma caldeira. O fogo seria a precariedade econômica, material, que levaria as pessoas à rua. Mas o embargo não resulta em rebeldia, e sim na imigração dos cubanos", afirmou.
"Sou contra o embargo, em primeiro lugar, por sua ineficácia, e em segundo, que ele vira um grande argumento para tudo. Tudo é culpa do império. Queria ver como vai funcionar nosso governo sem esse embargo", acrescentou a dissidente.
Questionada sobre as razões pelas quais os cubanos não se mobilizam contra o governo, a blogueira elegeu como razões o "doutrinamento" ao qual, segundo ela, os cubanos são submetidos desde criança; ao "medo da repressão"; e a opção dos insatisfeitos em resolver sua situação individual, em vez de se organizarem coletivamente.
Yoani afirma, entretanto, que a oposição em Cuba está começando a ganhar força dentro de Cuba porque se formou rede de informações entre opositores que usam as redes sociais para divulgar suas ideias.
Dissidente nega ser financiada pela oposição internacional ao regime de Cuba e se diz "mochileira"
A blogueira negou que sua "turnê" por 12 países, iniciada pelo Brasil, esteja sendo sustentada com recursos de organizações internacionais contrárias ao regime cubano. Ela afirmou que está bancando a viagem com dinheiro próprio, além do auxílio de amigos e instituições que a convidaram para visitar seus países.
"Nesses seis anos acumulei indicações institucionais e amigos que me convidaram a vir para cá fazer conferências", disse. "Sou mochileira. Conto com a solidariedade das pessoas. Se me oferecem uma cama, um prato, uma palavra, já ajuda."
"Quando se fala em regular os meios [de comunicação], há que ter muito cuidado porque existe uma linha tênue entre chamar a responsabilidade dos meios e censurá-los. É preciso ser muito cuidadoso. Acredito que a regulação de meios deve ocorrer por meio de leis, da legalidade e não de governos porque cada governo tem seus interesses", disse a blogueira sobre a regulação da mídia.
Após uma breve apresentação, Sánchez passou a responder perguntas enviadas pela plateia. Em uma delas, o autor questionou sobre as consequências que um eventual fim do governo de Hugo Chávez na Venezuela para o sistema energético cubano, atualmente sustentado por meio fornecimento subsidiado de petróleo pela Venezuela.
Para a blogueira, o fornecimento de petróleo, apesar de garantir o funcionamento do sistema energético cubano, provoca o prolongamento de um modelo "falido" e as incertezas quanto ao futuro da Venezuela possam levar o governo cubano a buscar um diálogo com os Estados Unidos para acabar com o bloqueio econômico imposto por Washington à ilha.
"A saída de Chávez de cena pressiona os governantes cubanos. Talvez por isso, tenho notado, uma certa tentativa de diálogo com os Estados Unidos", avaliou.
Histórico de protestos
Desde que chegou ao Brasil, Yoani tem presenciado diversos protestos contra a sua presença no país. A dissidente foi alvo de protestos nos aeroportos do Recife e de Salvador.
Yoani desembarcou em Salvador na segunda-feira e seguiu para Feira de Santana (BA) na terça-feira para dar uma palestra e assistir a um documentário. Sobre os protestos, Yoani, no início, disse que as manifestações eram um "um banho de democracia". Ontem, no entanto, ela mudou de tom e comparou os manifestantes a terroristas. "Os gritos, os insultos, foi como se tivessem sido orquestrados por terroristas. Eu sou uma pessoa pacífica, e trabalho com o verbo, com a fala, não tinha porquê tanta agressividade."
As manifestações chegaram a impedir uma das exibições do documentário. Ontem, no Plenário do Senado, o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) fez uma defesa veemente da liberdade de expressão e da cubana.
Está é a primeira viagem internacional de Yoani após cerca de 20 tentativas malsucedidas de sair de Cuba nos últimos cinco anos.
No último domingo, Yoani iniciou uma série de viagens por dez países, começando pelo Brasil. No total, a ativista ficará fora de Cuba por 80 dias.
Durante anos, Yoani foi impedida de sair da ilha, onde é acusada de trair os princípios revolucionários do governo dos irmãos Castro, Fidel e Raúl.
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