Imigração mexicana gera debate, mas país foi dono de grande parte dos EUA; entenda
Seja nos ataques de Donald Trump e de outros pré-candidatos republicanos à Presidência, seja no apoio do papa Francisco em sua recente visita à América do Norte, a imigração mexicana aos Estados Unidos é um tema de debate incessante na história dos dois países. Desde o século 19, os norte-americanos têm com seus vizinhos do sul uma trajetória marcada por parceria e conflito.
Na década de 1920, por exemplo, os trabalhadores mexicanos eram fundamentais para os trabalhos em mineradoras e fazendas, como relatou a historiadora Julia Young, pesquisadora do êxodo mexicano, à revista “Time”. “Eles eram vistos como dóceis, fortes fisicamente e capazes de trabalhar em condições exigentes e insalubres”, disse Young. “Mais importante, eram observados como imigrantes temporários.”
Mas a crise de 1929 e a depressão econômica nos anos que se seguiram reduziram drasticamente a oferta de empregos, e muitos mexicanos acabaram repatriados à força.
Isso não impediu a chegada de novas ondas de imigrantes do sul ao longo dos anos, até um ponto em que o Estado da Califórnia registrasse um número maior de pessoas que se declaram “hispânicas” em relação às que dizem “brancas”, em uma pesquisa do Censo norte-americano publicada no último mês de junho.*
A ampla presença de mexicanos na Califórnia alude a um outro momento histórico: uma época em que este Estado, o mais populoso dos EUA, pertencia ao México. Na verdade, muito antes dessa imigração massiva começar, cerca de um quarto da área atual dos Estados Unidos era território mexicano.
A história tomou um outro rumo a partir de uma guerra encerrada em 1848, de ampla vitória norte-americana, onde o México cedeu 2,4 milhões de km² --55% de seu território antes do conflito– para os EUA, que pagaram US$ 15 milhões, na época, pela anexação.
Os territórios mexicanos de Alta Califórnia e Nuevo México e parte da área dos Estados de Coahuilla y Texas, Chihuahua e Tamaulipas se tornariam ao longo dos anos, então, os norte-americanos Califórnia, Nevada, Arizona, Utah, Novo México e Texas, além de parte de Wyoming, Colorado, Kansas e Oklahoma.
Em 1853, o governo dos EUA comprou um território de 76.800 km² dos Estados mexicanos de Sonora e Chihuahua por US$ 10 milhões (operação conhecida como "Gadsden Purchase"), integrando-o ao Arizona e New Mexico, e encerrou a expansão continental do país –agora consolidado com uma costa ampla também no Oeste, um dos objetivos que motivaram a declaração de guerra contra o México.
Fronteiras frágeis
A história desse conflito está atrelada a alguns fatores: o distúrbio interno que o México vivia logo após sua independência, em 1821, o projeto de expansão do governo dos Estados Unidos e a ocupação intensa de colonos norte-americanos no país vizinho, que ainda buscava unidade política no território antes dominado pelos espanhóis.
Logo após sua emancipação, o México enfrentou diversos golpes de Estado e mudanças frequentes no comando do país. Nesse contexto, revoltas internas eclodiram e exigiram que as tropas nacionais agissem para que a nação se fragmentasse.
Essa limitação ficou evidente nos territórios do norte mexicano, que ficavam mais de 3.000 km distantes da Cidade do México, a capital, e eram caracterizados pela população esparsa, já muito influenciada pela chegada de colonos norte-americanos.
Ao mesmo tempo, os Estados Unidos se consolidavam na América do Norte após comprar da França, em 1803, o extenso território então chamado de Louisiana (que hoje inclui 15 Estados norte-americanos e forma praticamente todo o Meio-Oeste do país) e iniciar a povoação do Oeste. Ao norte do México, acertaria com o Reino Unido a anexação de parte do território do Oregon, que era controlado pelos dois países.
Disputado pelos EUA desde os tempos de colonização espanhola, o Texas era um dos locais de controle mais vulnerável, principalmente com a chegada massiva, no início da década de 1920, de colonos norte-americanos –apoiada pelo governo mexicano, numa tentativa de povoar a região após a independência.
Maioria na região, os colonos entraram em conflito armado com as tropas mexicanas e proclamaram a independência do Texas em 1836, reconhecida pelos EUA um ano depois.
A guerra entre os países começou em 1845, quando os EUA, com apoio dos texanos, anexou a recém-criada república como seu 28º Estado. Com uma estratégia política definida explicitamente em torno da expansão para o Oeste, mirando o comércio com países asiáticos, o presidente dos EUA James K. Polk determinou que a Califórnia e o Novo México também fossem ocupados.
As tropas norte-americanas consolidaram a vitória em 1848, chegando até a Cidade do México. Ao governo mexicano, restou aceitar a indenização recebida pelas terras subtraídas.
Agora nas mãos do governo dos EUA, os territórios mantiveram suas origens hispânicas evidenciadas nos nomes das cidades que batizam a região, como Los Angeles, San Antonio e El Paso, e retomaram um pouco dessa cultura com a presença cada vez maior de imigrantes do vizinho do sul.
*No Censo norte-americano, a definição "hispânico ou latino" forma um grupo particular de pessoas que tem suas origens ligadas a países de cultura espanhola, sem levar em conta a cor da pele – brancos, negros e indígenas latino-americanos entram nessa lista, por exemplo, mas brasileiros de origem portuguesa e italiana, não. Entre os não hispânicos da Califórnia, os brancos são maioria, seguido por asiáticos (5,3 milhões), negros (2,2 milhões), nativos americanos (165 mil) e havaianos e nativos de outras ilhas do Pacífico (141 mil). Pouco mais de 1 milhão de pessoas aparece como mestiça de duas ou mais etnias.
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