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Análise: Escândalos minaram protagonismo do Brasil no G20; Temer fará figuração

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Imagem: ABr

Eduardo Graça

Colaboração para o UOL, de Nova York

06/07/2017 04h01

Há oito anos o então presidente Lula era saudado por seu colega Barack Obama, na reunião dos líderes das vinte maiores economias do planeta, o G20, em Londres, como "o cara".

De lá para cá o protagonismo do Brasil se esvaeceu, e o UOL conversou com três brasilianistas de destaque para entender os principais motivos da desimportância crescente do país no cenário internacional, qual papel se pode esperar do presidente Michel Temer (PMDB) na reunião do G-20, sexta e sábado em Hamburgo, na Alemanha, e como o país deveria se inserir nos debates que reunirão as maiores lideranças do planeta, incluindo o presidente americano Donald Trump, o líder russo Vladimir Putin e a anfitriã, a chanceler Angela Merkel.

O ex-embaixador dos EUA no Brasil Melvyn Levitsky, o presidente da Brazil Initiative da Universidade de Brown, James Green, e o diretor do Instituto Brasil do King’s College, Anthony Pereira, concordam que Temer será um mero coadjuvante em Hamburgo.

Segundo eles, a falta de legitimidade e de apoio político de seu governo e as acusações de corrupção ao presidente são dois dos muitos fatores que impedirão Brasília de iniciar na reunião da G20 um processo de recuperação da imagem do país no âmbito internacional.

Os principais trechos das conversas seguem abaixo:

Relembre o momento em que Obama chamou Lula de "o cara"

Efe

Melvyn Levitsky, embaixador dos EUA no Brasil durante o governo Bill Clinton, o diplomata é professor de Política Internacional da Universidade de Michigan

O embaixador aposentado Levitsky vai direto ao ponto:

"Por que os líderes das maiores economias do planeta iriam pensar em tratar de acordos de comércio com o Brasil durante o G20 se do lado brasileiro estará um líder suspeito de corrupção, que pode sofrer um processo de impeachment e ser indiciado judicialmente e certamente não disputará as eleições de 2018?"

O professor de política internacional diz que Temer deveria usar o G20 para promover os interesses políticos e econômicos do Brasil, mas isso não deve acontecer, já que seu foco é a sobrevivência de sua presidência e a aprovação, com resultado imprevisível, das reformas trabalhista e da Previdência Social.

"A economia brasileira está em baixa, grandes empresas do país estão sendo acusadas de corrupção e suborno, e a população parece não ter confiança alguma no presidente, nos governadores e no Congresso. Honestamente, creio que Temer irá ao G20 apenas para marcar posição junto à bandeira brasileira."

15.nov.2014 - O presidente dos EUA, Barack Obama, e a presidente Dilma Rousseff deixam palco após foto oficial do G20, em Brisbane (Austrália) - Pablo Martinez Monsivais/AFP - Pablo Martinez Monsivais/AFP
15.nov.2014 - O presidente dos EUA, Barack Obama, e a presidente Dilma Rousseff deixam palco após foto oficial do G20,em Brisbane (Austrália)
Imagem: Pablo Martinez Monsivais/AFP


Levitsky também diz que o governo Temer não tem uma agenda externa clara no momento.

"Tenho certeza de que ele é realista o suficiente para entender que a imagem do Brasil despencou de 2009 para cá. Não apenas por conta de seus fracassos e dos da presidente Dilma, mas também porque o próprio 'o cara', como Lula foi chamado por Obama, também perdeu sua aura por conta das acusações de corrupção contra ele. Ironicamente, as instituições mais respeitadas hoje no Brasil parecem ser o Judiciário, a Polícia Federal, os militares e a imprensa."

Levitsky faz questão de frisar que a mais importante das reformas para o Brasil no momento é a política e que ela pode ajudar o país a recuperar terreno na seara global:

"É preciso diminuir o número de partidos políticos, criar um sistema distrital que aproxime os congressistas do eleitorado, acabar com o troca-troca de agremiações partidárias e incrementar os níveis de transparência e responsabilidade no sistema político. É uma tarefa complicada, mas, se finalmente feita, resultariam em maior confiança popular e, imediatamente, maior respeito internacional."

James Green, historiador, diretor da Brazil Initiative da Universidade de Brown

Para Green, um dos mais reconhecidos brasilianistas na academia americana e duro crítico do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, que considera um golpe de Estado, o Brasil chega menor ao G20 muito mais por conta da crise política interna do país do que pela crise econômica.

"O governo que chega a Hamburgo é identificado com a corrupção e a falta de legitimidade política e representação popular, e isso é claramente percebido pelas lideranças mundiais. Por isso mesmo, é impossível que Temer tenha qualquer importância internacional."

O historiador diz que o trabalho de projeção internacional, incrementado durante o governo Lula (2003-2010), da imagem do país-continente, com economia diversificada e liderança regional natural e forte, com a defesa de uma atuação independente do Itamaraty, tinha como alicerce o enorme apoio popular dado ao “cara”.

Agora o cenário é o oposto, ele acredita, com uma agenda internacional tímida e um chefe de Executivo com reprovação recorde.

"Temer não tem as qualidades necessárias para promover o Brasil no exterior. Acredito que ele será marginalizado em Hamburgo. E paira a dúvida, para além de questões graves como a legitimidade e as acusações de corrupção, a dúvida na cabeça de todos: qual a real duração do mandato de Temer? Até quando ele fica?"

Green diz que a política externa não é o forte do governo Temer, e aponta a nomeação do senador José Serra (PSDB) como chanceler de seu governo (depois substituído pelo também senador paulista tucano Aloysio Nunes) um dos muitos equívocos da presidência do peemedebista:

"Serra foi muito fraco e viu o Itamaraty como um trampolim para eventuais saltos políticos no futuro, mas não deu certo. A política externa do governo Temer carece de energia. É um momento complicado para o Brasil ir ao G20, já que a imagem que vem de Brasília é a falta de rumo. Não será desta vez, em Hamburgo, que o papel importante do Brasil como um dos principais representantes dos chamados países emergentes será restabelecido."

28.set.20109 - A chanceler alemã, Angela Merkel, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (centro) e o presidente norte-americano, Barack Obama (à dir.), conversam durante a cúpula do G20, em Pittsburgh (EUA) - Ricardo Stuckert/PR - Ricardo Stuckert/PR
28.set.20109 - A chanceler alemã, Angela Merkel, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (centro) e o presidente norte-americano, Barack Obama (à dir.), conversam durante a cúpula do G20, em Pittsburgh (EUA)
Imagem: Ricardo Stuckert/PR


Anthony Pereira, diretor do Instituto Brasil do King’s College, em Londres

Para o cientista político Anthony Pereira, o presidente Temer terá uma atuação discreta em Hamburgo, e o foco do evento deverá ficar em Merkel, Trump, Putin e no novo presidente francês, Emmanuel Macron.

"Muito provavelmente, Temer está interessado em passar pelo G20 sem causar incidentes diplomáticos e voltar imediatamente para Brasília a fim de defender seu mandato."

No entanto, frisa Pereira, seria importante que o Brasil tratasse de temas críticos para o país na reunião do G20. Brasília precisa se inserir melhor, ele defende, na discussão sobre os perigos de um sistema financeiro global viciado em níveis de dívida insustentáveis.

"Nós vimos o que pode acontecer na crise financeira global de 2008/09 e, embora o sistema financeiro brasileiro seja relativamente bem protegido, a economia do país pode sofrer negativamente se acontecer um outro crash nos próximos anos", diz Pereira, que segue: "Temer também deveria tratar do aumento do protecionismo americano com o governo Trump, que pode prejudicar as exportações brasileiras, como vimos recentemente no caso da carne in natura. Já há uma tentativa de se invocar conceitos como 'segurança nacional' para proteger a indústria siderúrgica americana."

Pereira também acha que a diplomacia brasileira poderia ainda usar o G20 para ajudar na discussão em torno da importância do multilateralismo, combatendo a crescente onda conservadora e de intolerância que assola o mundo ocidental.

"O Brasil é quiçá ligeiramente menos relevante internacionalmente hoje do que na década passada, mas não apenas pelo fato de Temer ser bem menos conhecido do que Lula ou de ser um presidente que enfrenta acusações de corrupção. O ponto central foi a recessão econômica acompanhada de uma enorme incerteza política, cenário dos últimos pares de anos no país", diz Pereira.

Para o cientista político é importante, no entanto, não se cair no erro de “exagerar o declínio brasileiro”:

"O Brasil ainda é uma das maiores economias do planeta e um dos principais endereços de investimento estrangeiro. Apesar de toda a recessão, entraram US$ 58 bilhões de investimento direto em 2016. Do mesmo modo, é um erro dar de ombros para os BRICS. A criação do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), baseado em Xangai, em 2014, gerou fatos como a parceria com o BNDES para uma linha de crédito de US$ 300 milhões para o setor de energia renovável no Brasil. Você pode argumentar que é só um começo, que os países-membros têm interesses divergentes e que muitas vezes fracassam ao tentar encontrar posições comuns no tabuleiro da política externa global, mas eles não estão parados."

Além da recessão, Pereira aponta como causas do lento declínio brasileiro no tabuleiro internacional a falta de interesse da presidente Dilma Rousseff pelo tema.

'Ela cortou drasticamente o orçamento do Itamaraty e parecia pouco hábil na área, especialmente receosa de confiar e dar mais autonomia ao corpo diplomático. Mas também não podemos esquecer de fatores externos, como a redução do ritmo de crescimento da economia chinesa, dando menos espaço de manobra global para o Brasil."

Para Pereira, a política externa do governo Temer busca oferecer uma alternativa para o foco Sul-Sul dos anos em que o Itamaraty esteve sob os governos do PT, cujo reflexo mais claro foi a mudança em relação à Venezuela, incluindo a defesa da suspensão do país do Mercosul.

"Mas não está claro para mim qual é a orientação estratégica de fato na área de relações exteriores no governo Temer. Os chanceleres José Serra (PSDB) e, depois, Aloysio Nunes (PSDB), por exemplo, buscaram algo como um realinhamento com os EUA e a União Europeia (UE), mas tudo se complicou com o protecionismo da administração Trump e uma UE focada em problemas internos, como o Brexit."

Pereira diz que uma eventual química entre Trump e Temer é improvável e que este não é o momento propício para Brasília rediscutir parcerias bilaterais com Washington:

"Talvez Trump se mostre enciumado pelo fato de que a primeira-dama Marcela é 42 anos mais jovem do que Temer, enquanto a americana, Melania, é apenas 24 anos mais moça do que ele. Brincadeiras à parte, precisamos levar em conta que os dois estão sendo investigados, que as duas administrações têm seu foco econômico e político em questões internas e, especialmente, que Trump reduziu o interesse dos EUA na América Latina em três tópicos: imigração, drogas e Cuba."