Petróleo ou ajuda humanitária: Qual é o papel dos EUA na crise venezuelana?
Os países aliados dos EUA na América do Sul, como Brasil, Colômbia e Chile, apoiam a pressão diplomática e econômica dos EUA contra o ditador venezuelano Nicolás Maduro. Mas todos são contra uma intervenção militar americana no país vizinho. Já o presidente dos EUA, Donald Trump, que foi eleito com a promessa de uma menor presença militar americana no exterior, reafirma suas declarações de que "todas as opções estão na mesa", mesmo que não haja o apoio de seus parceiros.
O UOL conversou com Maurício Santoro, professor de relações internacionais da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e Guilherme Casarões, professor do Centro de Relações Internacionais da FGV (Fundação Getúlio Vargas) para entender qual é o papel dos EUA nesta etapa da crise venezuelana. De acordo com os analistas, os riscos de uma intervenção americana são mais distantes do que Trump tenta demonstrar, afinal a retórica faz parte do jogo.
Os EUA enviaram toneladas de ajuda humanitária para as fronteiras da Venezuela com o Brasil (em Pacaraima) e com a Colômbia (em Cúcuta) a pedido do autoproclamado presidente interino da Venezuela, Juan Guaidó, para que os caminhões com alimentos e remédios entrassem no país no último fim de semana. As fronteiras foram fechadas por ordem de Maduro e veículos carregados chegaram a ser incendiados. Na segunda-feira, o vice-presidente dos EUA, Mike Pence, anunciou mais US$ 56 milhões para os países aliados manterem o apoio aos opositores venezuelanos.
O chavismo chegou a afirmar que a ajuda humanitária apoiada pelos EUA seria um meio de invadir o país, com argumentos de que a comida doada daria câncer e até que os caminhões estacionados na fronteira estariam trazendo armas. Maduro preferiu bloquear os alimentos e medicamentos, mesmo mantendo o povo venezuelano morrendo de fome.
O que impede os EUA de invadir a Venezuela hoje?
Segundo os estudiosos ouvidos, o motivo é a oposição dos vizinhos aliados dos EUA. "É importante ver até onde os americanos vão com a pressão sobre o Maduro e até onde os governos da América Latina estão dispostos a aceitar essa pressão. Para muitos países, e o Brasil é um exemplo perfeito disso, já que, entre nossos militares, há uma rejeição muito grande ao Maduro. Mas também existe um medo enorme de uma intervenção dos EUA na Venezuela", explica Santoro.
"Nenhum grande país latino-americano apoiaria os EUA caso eles fossem tentar uma ação militar desse tipo. Os americanos dizem que o único meio de derrubar Maduro é através da força militar. Mas até mesmo os mais entusiasmados com o apoio americano, como a Colômbia, estão dizendo não. E Bogotá tem uma história de cooperação com Washington, mas uma coisa é convidar para ajudar a combater guerrilha e traficantes dentro do seu próprio território, outra coisa é usar o território para invadir um país sul-americano", diz o professor da Uerj
Casarões, da FGV, ressalta uma questão importante: "A rigor, o direito internacional não permite que um país invada o outro nestes termos".
Qualquer ação militar contra a Venezuela deveria ser aprovada pelo Conselho de Segurança da ONU, e qualquer proposta deste tipo seria vetada por Rússia e China, que são aliados de Maduro e têm poder de veto no órgão
Guilherme Casarões, professor de relações internacionais
"Se o Maduro atacasse algum alvo americano ou colombiano, por exemplo, aí então os EUA poderiam usar a retaliação como pretexto para fazer a sua intervenção militar, ou seja, por legítima defesa", afirma.
O especialista da FGV cita ainda a questão da ajuda humanitária oferecida pelos EUA que, em certo sentido, poderia servir para este pretexto. "Isso não quer dizer que os EUA só estão ajudando a Venezuela para forçar uma guerra. Mas, quando os EUA colocam na fronteira do Brasil e da Colômbia os caminhões de ajuda humanitária e o governo venezuelano reage, matando pessoas na fronteira, poderíamos ver a construção de um argumento para justificar a invasão", afirma Casarões.
Por que os EUA não param de comprar o petróleo venezuelano?
A compra do petróleo venezuelano continua mantida, mas o governo de Trump impôs sanções que impedem que Maduro tenha acesso ao dinheiro da venda do produto nos EUA. Esse acesso foi dado a Juan Guaidó.
Até o fim do ano passado, o maior fornecedor de petróleo para os EUA era o Canadá, atrás de Arábia Saudita e México. A Venezuela está na quarta colocação, segundo dados do governo americano.
De acordo com a consultoria britânica Kpler, que monitora o mercado de commodities, desde a aplicação das sanções americanas à PDVSA, Índia e China estão entre os principais compradores do petróleo venezuelano --antes, os EUA eram os maiores clientes de Maduro.
"Mesmo durante todo o período chavista, com toda a retórica do então presidente Hugo Chávez, com todas as tensões políticas entre Venezuela e EUA, os americanos continuaram como o maior parceiro comercial e maior comprador do petróleo venezuelano. Havia uma prática simples em que a política ficava de um lado e os negócios de outro. A ideia era que os negócios não fossem prejudicados apesar das diferenças políticas. Isso agora mudou, criando uma tremenda armadilha para o Maduro. O que ele vai fazer? Deixar de vender todo esse petróleo? Maduro mantém a venda mesmo sem receber porque tem esperança de um dia voltar a ver esse dinheiro", explica Santoro.
Maduro ainda tem fortes apoios de Rússia e China, que fazem generosos empréstimos. Com os chineses, o objetivo é prático: evitar a quebra do sistema econômico da Venezuela e não perder todo o dinheiro investido ali. A Rússia vê em Caracas um parceiro geopolítico.
"O petróleo venezuelano é o abundante, afinal é a maior reserva do mundo, Mas as outras opções de petróleo dos EUA, exceto o Canadá, são muito distantes e têm um custo logístico e estratégico que coloca a Venezuela como um parceiro importante. A compra do petróleo venezuelano é uma questão de segurança energética. Mesmo que o país tenha uma grande reserva própria de petróleo, é mais barato para os EUA importar. Mas, sem o dinheiro dos EUA, o Maduro pode sobreviver, já que a China poderia compensar em parte essas perdas econômicas", analisa Casarões, da FGV.
Queda de Maduro reforça capital eleitoral de Trump?
Trump foi eleito em 2016 com um discurso de que os EUA passaram tempo demais em guerras que não eram suas, como no Afeganistão, no Iraque e na Síria. Também defendeu o conceito de "a América em primeiro lugar", priorizando os problemas internos do país. Mas nunca deixou de afirmar que todas as opções, inclusive a militar, são cogitadas na crise venezuelana. Para os dois analistas, Trump elegeu Maduro como o seu inimigo na região --como se fazia na Guerra Fria.
"Trump tem muitos problemas internos. Seu governo ficou mais de um mês paralisado e ele não tem maioria no Congresso. A pressão que ele faz sobre o Maduro é algo que tem o apoio tanto dos republicanos quanto dos democratas, e os dois partidos estão disputando o voto latino nos EUA. Esse eleitor dá muita importância para o que está acontecendo na Venezuela. Os cubanos que vivem nos EUA também entram nesse jogo, já que são contra o chavismo", analisa Santoro, da Uerj.
"Para qualquer governo, principalmente para governos em crise e com popularidade baixa, é importante que se construa um inimigo e que ele povoe o imaginário coletivo. Trump elege o latino e a Venezuela como inimigo, o ditador local que tiraniza a população. O inimigo americano já foi a União Soviética, Osama Bin Laden e Saddam Hussein. Assim, Trump capitaliza politicamente a criação desse inimigo próximo", diz Casarões.
Para Santoro, quando Trump e seu vice citam o "fim do socialismo" não estão preocupados com ideologias bolivarianas. O que querem é provocar os democratas. "Neste momento há pessoas importantes no Partido Democrata que voltaram a falar em socialismo, e isso era algo que tinha sumido do mapa político americano. [A deputada mais jovem já eleita nos EUA] Alexandria Ocasio-Cortez fala, Bernie Sanders fala [ainda que seja senador independente, disputou a candidatura à Presidência pelos democratas], e isso está mobilizando os mais jovens. O recado de Trump é: 'Vocês estão empolgados com o socialismo? Socialismo é isso aqui, é Venezuela, é Cuba", afirma o professor.
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