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Venezuela, Alcântara e vistos: o que será discutido por Bolsonaro nos EUA

Luciana Amaral

Do UOL, em Washington

17/03/2019 04h00

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) chega no final da tarde de hoje a Washington, onde manterá uma série de encontros com autoridades, empresários, investidores e, na terça (19), com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, na Casa Branca.

Dentre os assuntos a serem discutidos estão o uso comercial da Base de Alcântara, a isenção de vistos para norte-americanos no Brasil, cooperações militares, a crise na Venezuela e a modernização da economia.

Esta será a primeira viagem com caráter bilateral por parte de Bolsonaro como presidente da República. No final de janeiro, o presidente viajou a Davos, na Suíça, por ocasião do Fórum Econômico Mundial.

A expectativa é que os atos demonstrem uma disposição política para a reaproximação das relações entre o Brasil e os EUA. Apesar do voluntarismo brasileiro, porém, o governo de Trump deverá adotar uma postura mais pragmática.

"A ênfase da agenda externa brasileira é reforçar a relação com os países que podem contribuir para o desenvolvimento, a prosperidade, o bem-estar e a segurança dos brasileiros. A visita aos Estados Unidos tem por objetivo promover uma agenda de resultados positivos em diversas áreas, destravando temas que já estavam na pauta e abrindo novas oportunidades. Estão sendo tomadas medidas que ajudarão a criar o ambiente propício para uma nova etapa nessa relação", declarou o porta-voz da Presidência da República, Otávio Rêgo Barros.

Bolsonaro sairá da Base Aérea de Brasília às 8h (horário local), acompanhado de assessores e de pelo menos sete ministros: Ernesto Araújo (Relações Exteriores), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Paulo Guedes (Economia), Sergio Moro (Justiça), Tereza Cristina (Agricultura), Bento Albuquerque (Minas e Energia) e Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia).

O filho Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), eleito presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara, também integra a comitiva.

Veja a seguir as principais temas a serem discutidos e o que deve ficar de fora:

Uso comercial da Base de Alcântara

Alcântara - AGÊNCIA FORÇA AÉREA / SGT. REZENDE - AGÊNCIA FORÇA AÉREA / SGT. REZENDE
Imagem: AGÊNCIA FORÇA AÉREA / SGT. REZENDE
Um dos acordos mais relevantes previstos para a visita oficial será o de salvaguarda tecnológica para o uso comercial pelos Estados Unidos da Base de Alcântara, pertencente à Aeronáutica brasileira no Maranhão. É possível, porém, que não fique pronto a tempo de ser assinado no encontro.

Dessa forma, foguetes, satélites e mísseis poderão ser lançados do local, considerado um dos mais privilegiados do mundo para a economia de combustível devido à localização geográfica próxima à Linha do Equador.

A salvaguarda significa que artefatos com tecnologia desenvolvida pelos Estados Unidos --80% do mercado espacial-- deverão ser acessados apenas pelos próprios a fim de evitar espionagem e transferência de conhecimento não autorizada. A soberania do Brasil sob o território não será afetada.

A disposição de se chegar a um acordo vem desde o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Porém, o texto foi barrado pelo Congresso Nacional brasileiro na ocasião. A administração do ex-presidente Michel Temer (MDB) voltou a dar andamento às conversas, sem chegar a um acordo.

Brasil liberará cidadãos dos EUA de visto

Visto - Getty Images - Getty Images
Imagem: Getty Images
Bolsonaro assinará acordo que permite que cidadãos dos Estados Unidos, Canadá, Japão e Austrália passem a entrar no Brasil sem exigência prévia de visto. A expectativa é que a medida promova o turismo e o ambiente de negócios gerando receita de bilhões de reais a mais.

A intenção era estudada desde a administração de Temer e defendida pelo Ministério do Turismo. Ela chegou a vigorar durante a Olimpíada do Rio, em 2016, mas não havia se tornado permanente até o momento.

À época, a aprovação da isenção do visto para essas nacionalidades encontrou entraves dentro do Ministério das Relações Exteriores na época de Temer, pela falta de reciprocidade.

Com mudanças em chefias no Itamaraty feitas pelo novo governo, a isenção aos quatro países foi permitida e será assinada na viagem.

Contudo, não será recíproca. Segundo apurou o UOL, a contrapartida deverá ser somente a continuidade dos estudos para aceitar a entrada de brasileiros sem antecedentes criminais que viajam com frequência aos EUA no sistema do Global Entry.

Este consiste em um programa que permite a entrada de estrangeiros pré-cadastrados em território norte-americano sem passar pela fila da imigração nos aeroportos. O registro do ingresso no país é feito por meio de totens automáticos. No entanto, o processo não dispensa a exigência do visto.

Conversas nesse sentido já vêm ocorrendo desde o governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), mas, com o escândalo da espionagem por parte dos Estados Unidos, em 2013, o Brasil ficou receoso em permitir o compartilhamento de dados pessoais de cidadãos, necessários ao Global Entry.

Nos bastidores, o Itamaraty queria a isenção de visto para os brasileiros, porém os EUA só a permitem para países que têm baixa taxa de rejeição da autorização.

"Grande aliado extra-Otan"

Durante a visita, é possível que Trump declare o Brasil como um "grande aliado fora da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte)". A expressão é dada a países considerados parceiros estratégicos dos EUA na área militar e possibilita maior participação de empresas brasileiras em cooperações de Defesa.

Na prática, o Brasil poderá adquirir equipamentos militares dos EUA de forma preferencial com facilidade burocrática, receber artigos não utilizados ou em excesso de graça ou a preço de custo e participar de licitações do Departamento de Estado norte-americano.

Ainda na área de segurança, o combate ao crime organizado, policiamento de fronteiras e parcerias para a intensificação de trocas de informação com a Polícia Federal deverão ser discutidos.

Guaidó - Matias Delacroix/AFP - Matias Delacroix/AFP
O líder oposicionista Juan Guaidó durante entrevista a jornalistas em Caracas
Imagem: Matias Delacroix/AFP

Defesa da democracia na Venezuela

Quanto à crise político-social e econômica da Venezuela, o Brasil deverá manter a fala de restaurar a democracia no país vizinho e condenar o regime de Nicolás Maduro, com o reconhecimento de Juan Guaidó como presidente interino. A defesa de uma eventual intervenção militar está descartada, em princípio.

Reforma da Previdência

Na viagem, Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes, deverão reforçar o discurso da necessidade da reforma da Previdência como condição para mais investimentos estrangeiros no Brasil e mostrar como o governo está comprometido com medidas que reduzam o déficit público junto à modernização do Estado.

No comércio, a avaliação é que não há muito espaço para mexer, pois Brasil e Estados Unidos são concorrentes diretos em diversas frentes. Poderá haver o início de tratativas de acordos para livre comércio, mas sem relevância para o futuro próximo.

Paulo Guedes - Pedro Ladeira/Folhapress - Pedro Ladeira/Folhapress
O ministro da Economia, Paulo Guedes
Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

O que não deve entrar em pauta

Por outro lado, um assunto que não deve ser discutido com profundidade --e acabar sem consenso definitivo-- durante a visita são os subsídios dados pelo governo norte-americano na agricultura. Concorrentes diretos em diversos produtos no mercado internacional, ambos reclamam de barreiras alfandegárias impostas.

Um pedido do Brasil, a ser representado também pela ministra da Agricultura, Tereza Cristina, na visita, é a reabertura do mercado norte-americano à carne bovina in natura brasileira. Os EUA afirmam ser um tema fitossanitário; Não se deve chegar a uma conclusão até terça.

Outro tópico que não deverá ser discutido é a compra de 80% da aviação comercial da Embraer pela Boeing, além da joint venture entre as duas para promover a montagem final, venda e distribuição do cargueiro militar KC-390. A avaliação de especialistas ouvidos pelo UOL é que os presidentes não devem entrar no mérito a público a fim de considerá-lo uma questão de livre mercado, e não de Estado.

Parte dos que contestam a compra alegam que as novas empresas a serem formadas --80% da Boeing e 20% da Embraer na aviação comercial, e 51% da Embraer e 41% da Boeing no caso da aeronave militar-- poderão esvaziar as fábricas da empresa brasileira no Brasil e gerar a saída do país de profissionais altamente qualificados.

Segundo especialistas contrários ao negócio, a cadeia tecnológica adquirida pelo Brasil ao longo das décadas na indústria aeronáutica ainda poderá ser interrompida com consequências negativas para a estratégia de Defesa brasileira e, inclusive, para instituições ligadas ao setor, como o ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica).

Nesta semana, o próprio vice-presidente, Hamilton Mourão (PRTB), afirmou à revista Exame que o governo federal não descartou se utilizar do Golden Share para barrar o acordo comercial. Por meio das ações, a União tem direito a exercer poder de veto em decisões que julgar prejudiciais à estratégia nacional.

A reportagem apurou que, se o assunto for mencionado, deverá ser de forma pontual, com uma linha diplomática de "satisfação em saber das negociações em andamento entre Embraer e Boeing".

Embora o Brasil pleiteie entrada na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) desde 2017, Bolsonaro não deve ouvir de Trump um apoio explícito. Os Estados Unidos questionam o atual modelo da organização.