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Bolsonaro segue a cartilha de Trump e sofre com as mesmas consequências

Jair Bolsonaro recebe de Donald Trump uma camisa personalizada da seleção dos Estados Unidos - Alan Santos/PR
Jair Bolsonaro recebe de Donald Trump uma camisa personalizada da seleção dos Estados Unidos
Imagem: Alan Santos/PR

Talita Marchao

Do UOL, em São Paulo

21/04/2019 04h00

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) não esconde que é um grande admirador do presidente dos EUA, Donald Trump. Replicou as táticas de Trump durante a campanha presidencial ao se apresentar como um populista antiestablishment, usar slogans nacionalistas e privilegiar a comunicação via redes sociais, seja para atacar opositores e a imprensa, seja para divulgar seu discurso.

Mas utilizar a mesma cartilha, copiando inclusive o estilo do perfil de Trump no Twitter, tem causado as mesmas consequências e polêmicas que envolveram o bilionário americano no primeiro ano de seu mandato.

Veja alguns desses momentos e a comparação entre os dois governos:

Marcas de aprovações baixas

Trump e Bolsonaro compartilharam a mesma marca: a pior avaliação entre presidentes nos 100 primeiros dias de governo. Segundo pesquisa Datafolha, 30% dos brasileiros apontaram o novo governo como ruim ou péssimo; 32% avaliaram como ótimo; e outros 33%, como regular. No mesmo período, em 2017, Trump teve a pior aprovação nos EUA desde a Segunda Guerra: sua aprovação era de 41%, segundo o Instituto Gallup. Já a desaprovação marcava 54%.

Diante dos números negativos, ambos reagiram da mesma forma: atacaram a imprensa e tentaram minar a credibilidade dos números:

"Não importa o quanto alcancei durante a ridícula marca dos primeiros 100 dias, e fiz muita coisa, a mídia vai cair matando!", disse Trump em seu Twitter, em tradução livre.

"Datafolha? Não vou perder tempo para comentar pesquisa do Datafolha, [instituto] que diz [disse] que eu ia perder para todo mundo no segundo turno", afirmou Bolsonaro, ao ser questionado por repórteres sobre os números.

Nenhum grande projeto aprovado no Congresso

As promessas cumpridas por Trump nos primeiros meses de gestão foram na base da canetada, com ordens executivas. Dois exemplos foram as saídas dos EUA do TPP (Tratado Transpacífico) e do Acordo de Paris.

Sua prioridade no começo do governo era o fim do Obamacare, sistema de saúde criado por Barack Obama. A proposta chegou a ser tirada de votação por falta de apoio dos próprios republicanos no Congresso --quando foi finalmente votada, sua revogação foi aprovada na Câmara com 1 voto a mais do que o necessário. No Senado, o voto do vice-presidente, Mike Pence, desempatou a votação a favor de Trump.

"O Obamacare vai explodir e vamos nos unir e pensar juntos em um grande plano de saúde para as pessoas. Não se preocupem!"

Até hoje um projeto substituto do Obamacare não foi analisado. Trump afirma que nunca planejou votar um novo plano antes das eleições presidenciais de 2020, já que atualmente ele não tem maioria na Câmara, reconquistada pelos democratas.

Outra dificuldade no Parlamento tem sido conseguir financiamento para o muro na fronteira com o México, que inclusive chega a paralisar as discussões sobre o orçamento do governo.

No Brasil, Bolsonaro trilha um caminho mais difícil, sem maioria nas duas Casas do Congresso. Ele não conseguiu colocar em votação a reforma da Previdência --ainda engatinhando em discussão em comissões--, então isso só deve acontecer no segundo semestre. Outros projetos também estão parados, como o pacote anticrime do ministro Sergio Moro, da Justiça e Segurança Pública.

Bolsonaro ainda enfrenta uma crise com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Na pressão entre Executivo e Legislativo, tem ganhado este último, com aprovação, por exemplo, de proposta que engessa os gastos do governo.

Escândalos herdados das campanhas

Trump até hoje tropeça nas consequências do suposto envolvimento russo em sua campanha presidencial. O relatório foi divulgado nesta semana, depois de dois anos de investigações.

De forma ambígua, o documento diz que não há provas suficientes para acusar Trump de conspiração com a Rússia no pleito de 2016 ou de obstrução de Justiça. Entretanto, cita ações de Trump e seus apoiadores em contato com a Rússia e até ameaças de acabar com as investigações. A totalidade do texto ainda não foi divulgada.

Ex-diretor da campanha do americano, Paul Manafort já foi condenado por crimes como fraude fiscal, bancária e conspiração. Seu ex-advogado, Michel Cohen, também está preso, condenado por evasão de impostos, falso testemunho e violação de lei de financiamento de campanhas eleitorais --ele teria pago, a pedido de Trump, pelo silêncio de duas mulheres que teriam mantido relações sexuais com o magnata.

"Eu não falo sobre isso", disse Trump, em resposta sobre um possível perdão presidencial a Manafort. "Acho que todo o julgamento de Manafort é muito triste. Acho que é um dia muito triste para o nosso país. Ele trabalhou para mim por um curto período. Mas sabe de uma coisa? Ele é uma pessoa muito boa. E acho que é muito triste o que fizeram com Paul Manafort."

Já Bolsonaro lida com acusações contra um de seus filhos, o senador Flávio Bolsonaro. O ex-assessor Fabrício Queiroz é investigado por movimentações financeiras atípicas e afirmou ao Ministério Público que recolhia parte dos salários de servidores do gabinete de Flávio. Queiroz movimentou quase R$ 7 milhões em três anos, enquanto sua renda mensal gira em torno de R$ 20 mil.

Gabinete "familiar"

Flávio não é o único dos filhos de Bolsonaro envolvidos em polêmicas. Carlos Bolsonaro, vereador pela cidade do Rio de Janeiro, é quem comanda as redes sociais do pai. Ficou conhecido pelos atritos constantes com aliados do presidente, como o ex-ministro Gustavo Bebiano e o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia.

Bolsonaro pai já chegou a dizer que Carlos "até que devia ter um cargo de ministro". "Ele que me botou aqui. Foi realmente a mídia dele que me botou aqui. E ele não tá pleiteando cargo de ministro. Poderia botá-lo, mas não tá pleiteando isso aí."

Já deputado federal Eduardo Bolsonaro é visto frequentemente como uma espécie de "chanceler paralelo" para a política externa do pai, apesar dos trabalhos do ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo.

Eduardo foi quem participou do encontro com Trump e o pai, e não Araújo. É a mesma forma como costumam atuar Ivanka Trump e o genro do presidente americano, Jared Kushner.

Ivanka e Kushner têm cargos de assessores especiais de Donald Trump, inclusive com escritórios dentro da Casa Branca. A filha do bilionário e o genro já representaram o presidente americano em inúmeros eventos, como na inauguração da embaixada dos EUA em Jerusalém.

"Hoje nos dedicamos à nova Embaixada dos EUA em Jerusalém, uma promessa de longa feita aos povos americano e israelense. Como Jared compartilhou hoje: 'Enquanto muitos presidentes antes dele desistiram de sua promessa, este Presidente entregou. Por que quando o presidente Trump faz uma promessa, ele a mantém'."

Mas o casal também não escapa de problemas. Ivanka foi investigada por usar o email pessoal para assuntos da Casa Branca (assim como Hillary Clinton enquanto foi secretária de Estado, caso que foi duramente criticado por Trump). Ambos também bateram de frente com os principais assessores e secretários de Trump, incluindo o ex-estrategista Steve Bannon.

"Estou tão orgulhoso da minha filha Ivanka. Ela é abusada e tratada tão mal pela mídia, e ainda mantém a cabeça erguida. Isso é verdadeiramente maravilhoso!"

Trump ainda viu seu filho mais velho, Donald Trump Jr., envolvido em críticas por sua atuação durante a campanha presidencial. O empresário, que assumiu o comando das empresas do pai, se encontrou com representantes russos e trocou mensagens com o WikiLeaks.

Quedas no começo do governo

Bolsonaro teve seus primeiros meses de governo marcados pela queda de dois ministros. Ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno (PSL) foi exonerado no escândalo envolvendo candidatos "laranjas" durante a campanha eleitoral --áudios de conversas entre Bebianno e Bolsonaro foram vazados pelo próprio ex-ministro.

Outro demitido foi Ricardo Vélez Rodriguez, após três meses conturbados no comando do MEC.

Ainda nos primeiros dias de seu governo, Bolsonaro foi obrigado a lidar até mesmo com demitidos que não aceitavam a decisão: Alex Carreiro, ex-presidente da Apex, a agência de exportações ligada ao Itamaraty, recusou o pedido do chanceler Araújo para que deixasse o cargo e foi despachar normalmente. Numa nova crise dentro da instituição, o segundo presidente, o embaixador Mario Vilalva, também já saiu.

Trump perdeu nos primeiros dias de seu governo uma de suas principais indicações. O general reformado Michael Flynn foi escolhido como conselheiro de Segurança Nacional e saiu após ser envolvido nas investigações envolvendo a influência russa na eleição.

Em poucos meses, Trump acabou trocando toda a cúpula da Casa Branca: caíram o porta-voz Sean Spicer, o chefe de gabinete e ex-presidente do Partido Republicano Reince Priebus, o ex-estrategista Steve Bannon, e o diretor de comunicação da Casa Branca, Anthony Scaramucci.

"Michael Wolff [autor do livro 'Fogo e Fúria', sobre a Casa Branca de Trump] é um completo perdedor que inventa histórias para vender este livro realmente chato e falso. Ele usou o Desleixado Steve Bannon, que chorou quando foi demitido e implorou por seu emprego. Agora o Desleixado Steve foi descartado como um cachorro por quase todo mundo. Que pena!"

Segundo monitoramento realizado pelo Brookings Institution, Trump já trocou 66% de seu alto escalão em três anos de governo. Foram mudadas 15 posições importantes, a maioria delas no segundo ano de mandato.