Bolsonaro chega à ONU desgastado por coleção de ataques e falas agressivas
Ataques a órgãos de pesquisa, redução de fiscalização ambiental, cortes de verbas para ciência e universidades, críticas a demarcação de terras indígenas, ofensas a líderes estrangeiros... A lista de falas agressivas e políticas contestadas do presidente Jair Bolsonaro é longa e fará do discurso do mandatário brasileiro na sede da ONU (Organização das Nações Unidas), em Nova York, amanhã, um dos mais esperados entre chefes de nações.
Na viagem, Bolsonaro tenta reverter a imagem desgastada por conta das declarações fortes e duras, que levaram a uma série meio de críticas de imprensa, cientistas e autoridades internacionais. Ele prometeu um discurso "bastante objetivo".
"Ele chega à ONU sob muita desconfiança da comunidade internacional, mas também sob um rechaço. E não é à toa, já que foram várias atitudes agressivas não só em falas, mas com atos concretos", afirma Camila Asano, formada em relações internacionais pela USP (Universidade de São Paulo) e coordenadora de Programas da ONG Conectas.
A mais expressiva crise ocorreu no mês passado, com a divulgação do aumento do desmatamento e alta de focos de incêndio na Amazônia. No episódio, o presidente desqualificou os dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), acusou ONGs de estarem por trás dos incêndios, fez piada com a mulher do presidente francês, Emmanuel Macron, por ele cobrar ações de proteção da floresta e ainda menosprezou com informação falsa o corte de verbas para o Fundo Amazônia da Alemanha e Noruega.
O corte de recursos para órgãos que financiam a ciência e pesquisa no Brasil também não passa batido. A ameaça de paralisação das pesquisas financiadas pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) --com o corte de 84 mil bolsas-- ligou o alerta da comunidade científica internacional.
Acordos com ONU na berlinda
As falas vão de encontro também a acordos ratificados pelo país vão além da área ambiental e também atingem de frente a proteção aos direitos humanos.
O presidente disse que não demarcará mais terras indígenas, alegando que esses territórios são feitos para inviabilizar o país. Vale lembrar que a defesa de povos tradicionais é uma das recomendações da ONU mais enfáticas na área de direitos humanos.
Para rebater críticas à "redução de espaço democrático" no Brasil, o presidente criticou a alta comissária da ONU para Direitos Humanos, Michelle Bachelet, atacando o pai dela -- que foi preso, torturado e morto pela ditadura militar no Chile. "Seu país só não é uma Cuba graças aos que tiveram a coragem de dar um basta à esquerda em 1973, entre esses comunistas o seu pai brigadeiro à época."
As falas tiveram grande destaque na imprensa internacional e prejudicaram a imagem do país. "Todos esses temas não ganhariam a repercussão de hoje em dia se o governo tivesse uma estrutura de comunicação mais efetiva para se defender ou explicar sua visão", afirma o economista presidente do Oxford Group, Carlo Barbieri. "A questão ambiental é a mais relevante do momento."
Com mais de 30 anos como consultor e analista político do Brasil nos EUA, Barbieri diz que as declarações do presidente "não têm vindo ao encontro das próprias ações que o governo tem tomado". Um dos exemplos dessa fala questionável veio de um relatório de cumprimento de recomendação da ONU que cita uma série de ações e órgãos atacados pelo governo.
"Temos o exemplo da Amazônia, em que está sendo feito um trabalho de contenção das queimadas e que existem dados para dizer que não havia intenção de expandir as áreas para o agronegócio. Só que essas notícias não foram difundidas e não chegaram aos outros países", afirma.
Para ele, o governo precisa de uma "força-tarefa de comunicação internacional" para falar sobre preservação. "O meio ambiente tem pesado muito nas relações internacionais do Brasil e isso gerou impacto principalmente nas nações europeias", explica.
Para Camila Asano, não só as falas que causam rejeição internacionais a Bolsonaro, mas também as ações. "Se levar em consideração o aspecto da ONU, atos concretos mostram o desprezo aos acordos e aos compromissos internacionais dos direitos humanos", diz, citando como exemplos a exoneração da presidente da CNDH (Comissão Nacional de Direitos Humanos) e a tentativa, em junho, de exonerar os 11 integrantes do MNPCT (Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura). Em 12 de agosto, porém, a Justiça derrubou o decreto.
"A CNDH é o órgão que atende aos Princípios de Paris, firmados com a ONU e que deveria ser a instituição brasileira de direitos humanos, com independência", diz.
Em abril, o presidente também assinou ato para extinguir dezenas de colegiados com a participação da sociedade civil. Além disso, em março, o presidente determinou "comemorações devidas ao golpe de 1964, que inaugurou a ditadura militar no país que duraria 21 anos.
Na área de ciência, o professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), Ildeu de Castro Moreira, disse ao UOL, em entrevista em maio, que o mundo estava de olho no "corte gigantesco" de recurso da ciência brasileira.
"A ciência brasileira cresceu muito nas últimas décadas e, portanto, tem uma preocupação internacional com ela. Isso está muito claro não só pelas revistas mais importantes do mundo, mas por jornais dos EUA, de França, de Portugal, da Inglaterra, que trouxeram reportagens também entrevistando cientistas, ouvindo a comunidade científica brasileira sobre a preocupação do país em ver as tecnologias como algo com que se gasta dinheiro, e não uma coisa fundamental para o país", afirmou.
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