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Com cada vez menos aliados, Brasil assiste fragilizado à posse de Joe Biden

Carolina Marins

Do UOL, em São Paulo

20/01/2021 04h00

O novo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, toma posse hoje às 14 h (horário de Brasília) dando início a um governo que pretende se afastar cada vez mais do Brasil de Jair Bolsonaro (sem partido). Durante todo o processo eleitoral no país, o presidente brasileiro deu apoio explícito a Donald Trump, inclusive comprando a falsa tese de que Biden ganhou por fraude. São ações que terão consequências.

Bolsonaro foi um dos últimos líderes ocidentais a reconhecer a vitória de Biden e parabenizá-lo. Mesmo depois de fazê-lo, voltou a repetir que houve fraude na eleição americana. Segundo especialistas ouvidos pelo UOL, toda essa situação faz o Brasil adentrar o novo governo com relações frágeis e com risco de ser o vilão político dos democratas.

Normalmente, o Brasil não é um grande tema em Washington, ele é amplamente ignorado pela elite política americana. Mas, hoje, o Brasil é visto pelos democratas como um problema, e Bolsonaro, como mini-Trump. Então os democratas veem vantagens políticas em criar problemas para o governo brasileiro. Isso é uma situação péssima."
Eduardo Mello, coordenador do curso de Relações Internacionais da FGV (Fundação Getúlio Vargas)

Como já mostrou o UOL, o grande ponto de discordância entre o governo Biden e Bolsonaro será a agenda ambiental. A esperança dos especialistas era de que o Brasil optasse por sair do discurso radicalizado e buscasse um melhor diálogo com o novo governo americano. Porém, o chanceler brasileiro Ernesto Araújo já disse esperar que os EUA "entendam" as posições do Brasil.

"A soma de todas essas coisas coloca Bolsonaro numa situação muito frágil frente ao novo governo americano", explica o professor da FGV, Guilherme Casarões. "Numa situação como essa, a permanência do discurso radicalizado acaba fazendo muito mal ao Brasil. A gente é, objetivamente, a parte mais fraca da relação. Não tem nenhuma grande agenda internacional em que o Brasil possa enfrentar os EUA de igual para igual. E os custos políticos e econômicos que isso pode trazer são realmente muito grandes."

O governo brasileiro está sendo tratado como persona non grata internacional. Isso vai começar a pesar cada vez mais em termos econômicos e políticos."
Guilherme Casarões, professor da FGV

Aliados populistas: Turquia, Hungria, Polônia e Rússia

Além de perder o seu maior aliado na Casa Branca, o Brasil também já entrou em atritos com a China, que é outro parceiro fundamental, e bateu de frente com diversos países europeus por causa da questão climática. Com isso, o país perde as grandes potências como aliadas e começa a sobrar apenas outros governos populistas para se apoiar.

Ou o Brasil obedece [aos EUA], ou obedece. Se não obedecer, a gente vira pária internacional. Nós já vimos presidentes populistas fazendo isso. E não estou falando da Venezuela e nem da Coreia do Norte, porque ambos têm a China, e o Brasil, nem isso. Se ele queima os EUA, o que ele está fazendo? Vira aqueles países que brigam para todo lado."
Pedro Feliú, professor de política externa da USP (Universidade de São Paulo)

Segundo especialistas ouvidos pelo UOL, a tendência é que o Brasil seja cada vez mais visto como semelhante a países como Turquia, Hungria, Polônia e Rússia, onde os governos também são populistas e há uma percepção constante de risco à democracia. Mas mesmo esse tipo de governo está declinando no mundo.

"O Bolsonaro chegou ao poder com essa visão de que ele era a vanguarda. Mas era mais um em uma onda populista crescente e que ia ganhar cada vez mais espaço. Por vários motivos, essa onda está cada vez mais em declínio, pelo menos a curto prazo. E o Bolsonaro foi pego de calça curta", diz Eduardo Mello.

Os aliados imediatos acabam sendo países como Hungria, Rússia, de certa forma em alguns tópicos o México, embora seja um outro tipo de populismo, o de esquerda. Em alguns pontos, a Inglaterra, embora lá os populistas estejam virando políticos mais tradicionais."
Eduardo Mello, coordenador do curso de Relações Internacionais da FGV.

O problema: nenhum desses países populistas são estratégicos para o Brasil em termos econômicos.

"O país precisa de, primeiro: crédito; segundo: investimento; e terceiro: mercado", explica Feliú. "Para que serve a política externa? Desde 1930 é como um meio para tentar desenvolver o país. Quem pode ofertar isso? Aí as opções são extremamente reduzidas."

Sobram os países latino-americanos que ainda têm alguns líderes mais da direita populista como Sebastián Piñera, no Chile; Mario Abdo Benítez, no Paraguai; e Luis Alberto Lacalle Pou, no Uruguai. Todos países de dentro da área de influência brasileira e não se esperaria um afastamento grande mesmo se fossem opositores.

Até mesmo na relação com a Argentina, que historicamente era a maior aliada do Brasil, hoiuve um esfriamento após a eleição de Alberto Fernandez e Cristina Kirchner na presidência. Eleição, inclusive, em que Jair Bolsonaro torceu para o candidato derrotado, assim como fez com os EUA.

No caso de uma possível retaliação americana ao Brasil por questões ambientais ou de direitos humanos, o país fica sozinho para se defender.

O Brasil não tem exatamente com quem se alinhar para evitar as pressões americanas. Durante esses dois anos, o Brasil hostilizou abertamente a China e a Argentina, em menor grau, porque tinha os EUA com amparo. Agora a gente não tem essa situação."
Guilherme Casarões, professor da FGV