Após Trump, mais políticos apelam a acusações sem prova de fraude eleitoral
Toma posse hoje o novo presidente do Peru, o esquerdista Pedro Castillo, depois de uma eleição conturbada, cheia de acusações —sem provas— de fraude e com demora para o reconhecimento do resultado das urnas. É o caso mais recente de contestação eleitoral, embora não seja o único. A atitude também tem se tornado mais comum desde que Donald Trump a utilizou como estratégia nos Estados Unidos.
Em janeiro deste ano, Trump marcou a história norte-americana ao não reconhecer sua derrota nas eleições e insuflar a população a invadir o Capitólio. Até hoje, o ex-presidente contesta o resultado que deu a Joe Biden o cargo na Casa Branca, causando descrença em parte da população no sistema eleitoral do país.
Depois dele, políticos em Israel, Equador e, agora, Peru, seguiram a mesma cartilha. No Brasil, o presidente Jair Bolsonaro dá sinais de que agirá da mesma forma se o resultado eleitoral não o favorecer em 2022 e diz que pode ocorrer "o mesmo" que ocorreu no Capitólio se o país não adotar o voto impresso.
No Peru, a líder da extrema-direita Keiko Fujimori somente reconheceu sua derrota duas semanas após o pleito, mas não sem antes dizer que o resultado era "ilegítimo". Castillo ganhou por uma margem apertada, de apenas 44 mil votos, mas precisou esperar todo esse tempo para ser reconhecido como presidente, devido aos recursos apresentados por Keiko na tentativa de anular parte dos votos.
Esta foi a terceira vez que a candidata perdeu a corrida eleitoral. Em 2016, ela reconheceu a derrota para Pedro Pablo Kuczynski no dia seguinte em que ele foi declarado eleito e mesmo antes de ser oficializado. Desta vez, porém, relutou em reconhecer os resultados das sessões onde todos os votos foram para Castillo.
Segundo o professor Oliver Stuenkel, do curso de relações internacionais da FGV (Fundação Getúlio Vargas), a partir de Trump começa um movimento de tentar interferir nos resultados eleitorais a partir da deslegitimação perante a opinião pública.
"Trump está fazendo escola", diz. "Apesar de a gente ter um longo histórico de líderes tentando fraudar eleições, o que Trump fez é diferente. Ele tentou atrapalhar o processo não interferindo, mas influenciando a opinião pública em relação à legitimidade do processo."
Isso é uma outra forma de promover a erosão da democracia e me parece bastante provável que veremos outros casos desse tipo nos próximos meses e anos, operando por meio de influenciar a opinião pública.
Oliver Stuenkel, professor do curso de relações internacionais da FGV
A estratégia difere das tentativas clássicas de interferir no resultado de eleições, como sufocando a oposição ou verdadeiramente manipulando os votos. O caso mais recente ocorreu em Belarus, quando Alexander Lukashenko declarou ter vencido o pleito para um sexto mandato.
Os imitadores de Trump
Tão recente quanto o caso peruano é o do agora ex-primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, que tentou se manter no poder apelando para a desconfiança do pleito. O político, que ficou no comando por 12 anos, acusou seu adversário, Naftali Bennett, de cometer "a maior fraude eleitoral da história do país".
"Bennett sequestrou votos da direita e os mudou para a esquerda, em contradição direta com suas promessas. Se isso não é fraude, não sabemos o que é", escreveu Netanyahu em seu Twitter em meados de junho.
Seu partido, o Likud, tentou amenizar as palavras dizendo que foram "distorcidas", mas garantiu uma transição pacífica. Bennet tomou posse em 14 de junho, mas sem a presença do antecessor —assim como havia feito Trump.
Tivemos dois casos muito proeminentes em duas democracias a princípio relativamente consolidadas, a dos EUA e de Israel, o que mostra que esse tipo de coisa pode acontecer em qualquer lugar.
Oliver Stuenkel, professor do curso de relações internacionais da FGV
No Equador, em fevereiro, a autoridade eleitoral fez a recontagem dos votos do primeiro turno depois que um dos candidatos, o líder indígena Yaku Pérez, fez acusações de fraude.
O indígena competia voto a voto com o banqueiro Guillermo Lasso por uma vaga no segundo turno, mas depois que o adversário passou à frente por uma pequena porcentagem, Pérez passou a acusar, sem provas, de ter havido manipulação.
O resultado saiu apenas duas semanas depois do pleito, com Lasso indo para o segundo turno contra André Arauz, apadrinhado de Rafael Correa. O banqueiro foi o vencedor das eleições no início de abril.
Antecessores de Trump
Mas mesmo antes que Donald Trump fizesse sua acusação infundada nos Estados Unidos, outros políticos já utilizavam a deslegitimação para questionar suas derrotas eleitorais. O atual presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, fez isso em ao menos duas eleições nas quais saiu derrotado.
López Obrador questionou os resultados eleitorais de 2006 e 2012, alegando ter sido vítima de fraude. Em 2018, ele venceu as eleições e hoje diz trabalhar para evitar "novas" fraudes. O caso mexicano, segundo explica Oliver Stuenkel, liga um alerta de que essa estratégia pode acabar beneficiando o político que a utiliza.
"Esse caso demonstrou que o questionamento do processo eleitoral não significa o fim da carreira política, pelo contrário, ele garantiu o apoio contínuo de pessoas que tinham votado em López Obrador e que achavam que ele era o presidente legítimo", afirma.
Isso não o afetou de maneira séria porque depois ele chegou a vencer as eleições. A lição que fica é que o questionamento de resultado antes do pleito, e depois dele a não aceitação, pode ser uma estratégia que gera benefícios políticos a longo prazo.
Oliver Stuenkel, professor do curso de relações internacionais da FGV
Apoiadores de Trump também ainda o veem como o vencedor das eleições. O mesmo deve ocorrer com os apoiadores de Keiko.
Outro caso emblemático ocorreu na Bolívia, em 2019, que resultou na renúncia do então presidente Evo Morales. Na ocasião, ele havia vencido o adversário Carlos Mesa por uma diferença de mais de dez pontos percentuais, sendo eleito no primeiro turno.
A oposição contestou o resultado, principalmente porque a contagem chegou a ficar paralisada antes de ser retomada, já apontando a vitória de Morales. Após uma auditoria, a OEA (Organização dos Estados Americanos) afirmou que houve fraude, o que pressionou o então presidente a renunciar e se exilar no México.
A situação causou instabilidade política no país, com a segunda-vice-presidente do Senado, Jeanine Añez, se autodeclarando presidente interina. Mais tarde, estudos independentes apontaram erros na avaliação da OEA. Uma nova eleição garantiu a vitória ao aliado de Evo Morales, Luis Arce, em primeiro turno.
"Isso mostra que a organização da eleição já não é uma garantia para que a democracia possa ser protegida nem se manter estável, porque pode haver essa contestação que fragilizou o sistema democrático boliviano", explica Stuenkel.
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