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Biden foca no eleitor e tenta recuperar imagem dos EUA, dizem especialistas

Biden e a vice-presidente Kamala Harris na Sala de Situação, para acompanhar operação na Síria - AFP PHOTO / The White House
Biden e a vice-presidente Kamala Harris na Sala de Situação, para acompanhar operação na Síria Imagem: AFP PHOTO / The White House

Letícia Mutchnik

Do UOL, em São Paulo

03/02/2022 18h57

A operação do governo dos Estados Unidos que resultou na morte do líder do Estado Islâmico Abu Ibrahim al-Hashimi al-Qurayshi e outras 13 pessoas, na Síria, é uma "reverberação" da retirada de tropas do Afeganistão, na opinião de especialistas ouvidos pelo UOL.

Lucas Leite, professor de Relações Internacionais na FAAP, aponta que, ao anunciar o resultado, Biden faz um "discurso interno focado no eleitorado". "É como uma vitória, tentando mostrar algo que foi feito pelo seu governo", diz.

Leite destaca que Biden, que assumiu em 2021, passa por um ano de governo "muito ruim, muito complicado" —o presidente norte-americano tem perdido o apoio popular nos últimos meses.

Um dos pontos que contribuiu para a queda da popularidade foi a saída do exército americano do Afeganistão, concluída em agosto do ano passado. Logo depois, o Taleban tomou conta do país. As imagens de afegãos tentando escapar no aeroporto e outras violências por parte do grupo terrorista repercutiram internacionalmente. As críticas apareceram e se multiplicaram dentro e fora dos EUA.

"Enquanto há uma venda de atuação externa [sobre a operação da Síria] para grupos internos, mostra-se a ideia de que o governo é ativo, que o governo Biden se preocupa, e, portanto, ele não é fraco", avalia Leite.

Para professora de Relações Internacionais na Universidade São Judas Tadeu, Clarissa Nascimento Forner, Biden usou mesma estratégia de Obama ao anunciar a morte de Osama Bin Laden em 2011 —considerado, então, o maior inimigo dos EUA.

"Até a linguagem para fazer o anúncio remonta, em certo sentido, às mesmas estruturas de frases de quando o Obama anunciou a morte do Bin Laden."

Apresentar o caso da Síria como um possível sucesso é uma forma de rebater a imagem ruim, de fracasso, que ficou associada ao contexto do Afeganistão."
Clarissa Nascimento Forner, professora doutora de Relações Internacionais

O presidente norte-americano anunciou inclusive nas redes sociais o que chamou de sucesso de uma operação contra o terrorismo. Os EUA ofereciam até US$ 10 milhões (R$ 52 milhões) como recompensa para quem tivesse informações que levassem à captura.

Estratégia não vai gerar mudanças

Ambos os especialistas, no entanto, acreditam que a estratégia de anunciar a operação e a morte do líder do EI não vai gerar mudanças no cenário da chamada guerra ao terror —até porque os EUA já estão em um processo de redução de tropas no Oriente Médio, de forma geral.

"No caso da Síria [onde ocorreu a operação], Biden já mantinha um contingente de tropas bem mais baixo do que quando o conflito começou", diz Forner. "Ainda que haja essa tentativa de capitalização no âmbito doméstico, não vejo grandes mudanças do ponto de vista estratégico."

Ela acrescenta que o governo norte-americano pode usar a morte do líder do EI como um ponto final, de finalização das intervenções. Os conflitos, entretanto, devem continuar, independentemente da presença constante dos EUA —como se viu no Afeganistão.

De fato pode haver uma demora maior para a escolha de alguém [como novo líder do EI], mas é questão de tempo. Outra pessoa vai ocupar esse lugar e em algum momento eles [EUA] vão ter que agir, de acordo com o que eles dizem que é necessário para a política externa deles."
Lucas Leite, professor doutor de Relações Internacionais

Tentativa dos EUA de reconquistar imagem de potência internacional

Os professores ressaltam que os EUA têm sofrido pressões sobre suas capacidades militares e econômicas, além das questões relativas à sua liderança no sistema internacional.

"Os fracassos nessas intervenções, como foi a retirada do Afeganistão e a própria retirada do Iraque, em 2010 —que depois levou a uma retomada com o fortalecimento do EI—, contribuem em certo sentido para a queda dessa legitimidade em relação a outros países", argumenta Forner.

Segundo ela, no Oriente Médio, há outros países que fazem contraponto ao poder norte-americano, como Irã e Rússia.

"Eles vão minando essa percepção do poder norte-americano, [dando] uma percepção de incapacidade dos EUA de agir e uma percepção de que esses vácuos estão sendo ocupados por outras potências", acrescenta.

Analisando o contexto geopolítico atual, de agravamento das tensões na região da Ucrânia, a morte de Abu Ibrahim al-Hashimi al-Qurayshi, para Forner, pode ser interpretada também como um posicionamento dos EUA. "É uma marcação de posição para sua audiência doméstica, mas também do sistema internacional", conclui.

Mapa Atme -  -

A operação na Síria

Nascido no Iraque, al-Qurayshi tinha 45 anos e foi um dos fundadores do EI. O nome verdadeiro dele era Amir Muhammad Sa'id Abdal-Rahman al-Mawla, mas também usava vários pseudônimos, como Hajii Abdallah, Abdullah Qardash e Amir Muhammad Sa'id 'Abd-al-Rahman Muhammad al-Mula.

Segundo funcionários do governo americano, o líder do EI morreu ao detonar uma bomba que carregava, na província de Idlib, próximo da fronteira com a Turquia. O dispositivo também matou integrantes da família dele, incluindo mulheres e crianças.

Ao todo, foram 13 mortos na operação, incluindo sete civis. Biden afirmou que nenhum soldado norte-americano foi ferido.

De acordo com informações do Departamento de Justiça norte-americano, al-Qurayshi também foi líder da Al-Qaeda, organização a partir da qual o Estado Islâmico se originou, e teria coordenado sequestros, mortes, e tráfico de pessoas da minoria iazidi, comunidade étnico-religiosa curda.