Gás natural é principal arma geopolítica da Rússia, dizem especialistas
Responsável pelo fornecimento de cerca de 40% do gás natural consumido em países europeus, a Rússia usa esse serviço como principal arma geopolítica, segundo especialistas ouvidos pelo UOL. Com o anúncio da Alemanha de suspensão do acordo de implementação do gasoduto Nord Stream 2, ontem, o governo russo também pode ter impactos financeiros.
"A principal arma geopolítica da Rússia é o gás natural. Então, além da questão econômica, existe a política envolvida nesse tema", afirma Carlos Gustavo Poggio, professor de relações internacionais da FAAP.
A suspensão da Alemanha acontece após o presidente da Rússia, Vladimir Putin, decidir reconhecer a independência de duas regiões separatistas, Lugansk e Donetsk, no leste da Ucrânia, e ainda enviar tropas até esses locais.
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"Parece algo técnico, mas é uma passagem administrativa necessária. Sem a certificação, o Nord Stream 2 não pode entrar em operação", disse o primeiro-ministro da Alemanha, Olaf Scholz. O acordo havia sido feito pela então chanceler Angela Merkel, no ano passado.
Para Poggio, a decisão da Alemanha é uma questão inédita, "assim como várias decisões" que têm acontecido durante esta crise —ele chama esse movimento de reordenamento internacional.
"Até aqui, a política externa da Alemanha sempre foi tentar se equilibrar entre Estados Unidos e a Rússia, mas o equilíbrio se quebrou com essa decisão. Agora, eles devem buscar o gás natural no Qatar ou com os Estados Unidos mesmo", explica Poggio.
Segundo Kai Enno Lehmann, professor do Instituto de Relações Internacionais da USP (Universidade de São Paulo), o impacto no uso de gás na Alemanha ainda não será de imediato, já que a suspensão aconteceu no gasoduto que não estava em operação.
A dependência da Alemanha em relação ao gás da Rússia sempre foi uma grande crítica a Angela Merkel [ex-chanceler]. Ela mantinha uma postura muito diplomática com a Rússia, ao contrário dos desejos de outros países."
Kai Enno Lehmann, professor do Instituto de Relações Internacionais da USP
O Nord Stream 2 tem a capacidade de dobrar o fornecimento de gás natural para a Europa e enviar o produto diretamente para Alemanha —evitando a passagem por países com os quais Moscou já tinha problema, como a própria Ucrânia. O produto transportado no gasoduto é usado, por exemplo, para o aquecimento dos imóveis.
Atualmente, o primeiro gasoduto Nord Stream, que está em operação, transporta 55 bilhões de metros cúbicos de gás anualmente, que são usados principalmente na Alemanha.
"Essa é uma fonte financeira muito importante para Rússia, principalmente pensando nesse momento em que ela está numa situação econômica desconfortável", afirma o professor da USP.
O projeto do Nord Stream custa 10 bilhões de euros (o equivalente a R$ 60 bilhões). Em princípio, a suspensão da certificação havia sido uma das sanções mais duras contra a Rússia.
Mas, logo depois, o presidente dos EUA, Joe Biden, anunciou o "primeiro pacote" de sanções ao país liderado por Putin, que inclui veto a bancos e oligarcas.
"Estamos implementando sanções sobre a dívida soberana russa, e interrompendo o financiamento ocidental ao governo da Rússia. Eles não podem mais levantar dinheiro e não podem mais negociar suas novas dívidas em nossos mercados", anunciou Biden.
Moscou afirma que abastecimento continuará
Apesar da tensão crescente na comunidade internacional, após a suspensão da Alemanha, o ministro de Energia da Rússia, Nikolay Shulginov, disse o país "não usará as exportações de energia como uma arma" e que continuará fornecendo gás para a Europa. O valor do gás subiu 9,2% para 78,5 euros (cerca de R$ 445) por megawatt/hora.
Segundo o professor da USP, em termos jurídicos, não há previsão de suspensão do fornecimento, mas dentro do contexto que a Rússia se encontra, tudo é possível. "Vladimir Putin não opera dentro do contexto das leis, então se isso acontecer pode trazer prejuízos financeiros, mas problemas para Alemanha", diz.
Poggio concorda com a declaração de Lehmann, mas destaca que, assim como a China, a Rússia depende, também de forma política, do fornecimento de gás para outros países.
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