Ultrassom e apoio de Luisa Mell: a fuga de uma grávida da guerra na Ucrânia
A bióloga Vanessa Rodrigues Granovski, 37, diz ter contado com a ajuda de uma rede solidária de ucranianos para deixar Kiev, onde morava havia três anos, e chegar à fronteira com a Polônia.
Grávida de dez semanas, ela chega hoje ao Brasil em uma das duas aeronaves da FAB (Força Aérea Brasileira), com 43 brasileiros que moravam na Ucrânia. A fuga foi marcada por cenários de caos, tensão provocada por caças cruzando os ares e homens armados com fuzis, segundo Vanessa relatou em conversa com a reportagem pelo WhatsApp.
Apesar das incertezas, Vanessa —que deixou Kiev com o marido, o biólogo Vladimir Granovski, e o cachorro Thor— teve a chance de fazer um exame de ultrassom antes de deixar a Ucrânia e apoio da ativista Luisa Mell para embarcar com seu bulldog francês no voo da FAB.
A gente confiou o nosso caminho todo de fuga a pessoas que eu nunca tinha visto e que não sei se um dia vou saber quem são."
Vanessa Rodrigues Granovski, bióloga
Até a véspera de 24 de fevereiro, quando o conflito começou, ela diz ter ido trabalhar normalmente. A ficha só caiu na manhã seguinte, quando leu as primeiras reportagens sobre o avanço do exército russo.
"Era algo impensável que realmente fosse acontecer. Ninguém esperava. Quando eu falava com amigos ucranianos sobre o assunto, eles diziam que era impossível, que o [Vladimir] Putin [presidente da Rússia] estava jogando, mas jamais haveria uma guerra."
De início, ela optou por ficar em casa, já que tinha mantimentos para alguns dias. Mas, já na madrugada do dia 25, foi para um bunker em um dos prédios do condomínio. O principal temor eram os possíveis ataques ao aeroporto militar de Hostomel, a 20 km do lugar onde ela morava.
"A gente não sabe o que fazer no meio de uma guerra, a gente não sabe o que é guerra. Não tinha a mínima noção de como me comportar. E é isso que assusta."
Nos dias 25 e 26, com uma situação aparentemente mais tranquila nos arredores de onde morava, Vanessa retornou ao apartamento. Mas, três dias depois, bombardeios no aeroporto próximo e caças sobrevoando a capital ucraniana a empurraram para a tentativa de fuga.
A fuga de Kiev
A família conseguiu uma carona até a estação de trem, onde testemunhou um cenário de caos.
Na estação, foi horrível. Muita gente, gritaria, choro. Nunca vi nada parecido. Na porta do trem, ficava um homem com uma metralhadora controlando quem entrava. Ficamos em choque e decidimos nem tentar entrar."
Ela então mudou a estratégia —telefonou para uma vizinha do condomínio, que acionou a rede de solidariedade composta por ucranianos.
O casal foi levado a um local cujo endereço exato nem sequer conhecia, por questões de segurança. Lá, eles receberam alimentos, tomaram banho e dormiram confortavelmente.
Ela [vizinha] foi um anjo nas nossas vidas. Só sei que estava atuando como voluntária, mas nem sei exatamente o que ela faz. Via muita gente armada saindo do lugar onde nós estávamos, mas não fiz perguntas."
Chegada a Lviv, na fronteira com a Polônia
De lá, a família pegou uma van com outras pessoas, com destino a Lviv. A van parou em uma pequena cidade no meio do caminho, onde todos os passageiros saltaram. Ali, ela pegou um outro carro, dirigido por um idoso, para chegar ao seu destino.
"Em alguns momentos de congestionamento, íamos na contramão com o pisca-alerta ligado e os outros carros abriam para a gente passar. Também percebi que passamos direto em muitas barreiras militares."
Em Lviv, Vanessa ficou em um apartamento que foi conseguido pelo chefe da empresa onde ela e o marido trabalhavam. A bióloga também diz não saber quem é o dono da residência. O casal foi recebido pela síndica do condomínio, onde havia homens armados com fuzis na guarita.
Ultrassonografia providencial
No dia seguinte, uma surpresa emocionou a bióloga. A síndica —que soube na véspera que Vanessa está grávida— havia marcado duas consultas para ela em uma clínica para gestantes perto do prédio onde ela estava. Na ultrassonografia, Vanessa viu que estava tudo bem com o bebê.
Qual era a chance de eu ir parar num apartamento de pessoas desconhecidas com uma clínica de gestantes próxima, que tinha o que eu mais precisava, que era fazer a ultrassonografia do meu bebê? Foi Deus tudo isso."
Em Lviv, a bióloga conseguiu contato com a embaixada brasileira para providenciar o retorno ao Brasil no voo da FAB. Foi deslocada em um comboio da embaixada para Varsóvia, na Polônia, onde aguardou o embarque para o Brasil.
Seu destino é a cidade de Sorocaba, no interior de São Paulo, onde reencontrará os pais. Por enquanto, o marido ficará em Lviv. Há esperança de que a guerra termine e ele possa recuperar materiais de trabalho na área de biotecnologia.
Apoio de Luisa Mell para embarque com cão
Antes do retorno, Vanessa ainda viveu um outro drama. Inicialmente, o cachorro Thor, de 12 anos, não poderia retornar no voo da FAB.
A bióloga diz que não voltaria para o Brasil sem ele. Em desespero, ela passou a mandar mensagens para diversas autoridades até que conseguiu com uma jornalista o telefone da ativista de direitos dos animais Luisa Mell.
Luisa gravou um vídeo com um apelo para que Thor pudesse voltar. Após a repercussão, foi liberado o embarque de animais de estimação no avião.
A história teve um final feliz, e os dois devem pousar hoje em Brasília. Ao todo, 43 brasileiros (12 menores de idade), 19 ucranianos, cinco argentinos e um colombiano —que conseguiram visto humanitário para desembarcar em solo brasileiro— estão voltando nos voos da FAB.
Além de Thor, serão trazidos outros nove animais de estimação.
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