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'Sem contato', diz Itamaraty sobre brasileiros sumidos em ida à Ucrânia

Ex-integrante da Marinha, o brasileiro Vinicius de Andrade, que iria se apresentar como voluntário junto às tropas ucranianas, dizia ter chegado à Polônia quando estabeleceu contato pela última vez com amigos na sexta-feira (1º) - Reprodução da internet
Ex-integrante da Marinha, o brasileiro Vinicius de Andrade, que iria se apresentar como voluntário junto às tropas ucranianas, dizia ter chegado à Polônia quando estabeleceu contato pela última vez com amigos na sexta-feira (1º) Imagem: Reprodução da internet

Herculano Barreto Filho

Do UOL, em São Paulo

09/04/2022 14h06

O Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty) reconheceu não ter informações sobre o sumiço de dois brasileiros que pretendiam se alistar a tropas ucranianas na guerra contra a Rússia. Em novo posicionamento sobre o caso, o governo brasileiro admitiu não ter sido contatado por parentes e disse ainda desconhecer a identidade dos desaparecidos.

O Itamaraty revelou ter sido informado sobre "suspeita de desaparecimento" pela Embaixada do Brasil na Polônia. O último contato feito por um dos brasileiros com amigos ocorreu no dia 1º de abril, pouco depois da chegada deles até a capital Varsóvia, a 394 km de Lviv, na divisa com a Ucrânia, destino informado pelo suposto voluntário a caminho do recrutamento.

"Até o momento, não houve contato da parte de familiares daqueles cidadãos com este Ministério e tampouco se informou à área consular do Itamaraty o nome completo dos suspeitos de desaparecimento, elementos indispensáveis para que se possa proceder a eventuais gestões junto a órgãos de segurança e saúde de governos estrangeiros", esclareceu nota enviada pelo Itamaraty ao UOL na noite de sexta-feira (8).

O homem identificado como o ex-fuzileiro naval Vinicius de Andrade, 26, disse ter embarcado com um ex-colega de farda que não foi identificado em um voo no aeroporto internacional do Galeão, no Rio de Janeiro, na noite de 30 de março em direção a Paris. De lá, informou ter se deslocado em outro avião até Varsóvia.

Eles participavam de grupos no WhatsApp de pessoas interessadas em se apresentar como aliadas da Ucrânia, invadida por tropas russas, e bancaram as passagens aéreas com recursos próprios.

Troca de mensagens com o ex-militar da Marinha, o brasileiro Vinicius de Andrade, que indicava que havia acabado de chegar à Polônia - Reprodução - Reprodução
Troca de mensagens com o ex-militar da Marinha, o brasileiro Vinicius de Andrade, que indicava que havia acabado de chegar à Polônia
Imagem: Reprodução

Segundo pessoas que se comunicavam com Vinicius, o último contato ocorreu no dia 1º de abril, pouco depois da chegada a Varsóvia. Dali, os dois brasileiros disseram que planejavam seguir até Lviv, cidade ucraniana na fronteira com a Polônia, onde os combatentes voluntários são recrutados pela Legião Internacional de Defesa Territorial da Ucrânia.

"Ônibus para Lviv e trem para Kiev [capital ucraniana]", escreveu Vinicius, em mensagem enviada a uma amiga no Brasil às 14h02 pelo horário de Varsóvia.

Às 20h51, Vinícius trocou mensagens com outro brasileiro que se identifica como aliado das tropas ucranianas na guerra. Na ocasião, disse que tinha instalado no celular o aplicativo de uma empresa de caronas que também funciona na Polônia. "Mano, não confia", respondeu o colega.

Homem em celular de ex-militar ignorou pedido por fotos e aparentava usar aplicativo de tradução para se comunicar - Reprodução/Arte UOL - Reprodução/Arte UOL
Após 12h sem responder mensagens, homem em celular de ex-militar Vinicius de Andrade ignorou pedido por fotos e aparentava usar aplicativo de tradução para se comunicar
Imagem: Reprodução/Arte UOL

Como foi constatado o desaparecimento?

No dia seguinte, as mensagens enviadas ao número de Vinícius foram respondidas aparentemente por outra pessoa com um atraso de mais de 12 horas, gerando preocupação em quem monitorava a viagem dele. "Vinicius, estou preocupada com você", escreveu a amiga. "Pelo menos dá notícia. Geral preocupado. Precisamos saber onde você está para lhe buscar", registrou o brasileiro que o esperava na Ucrânia.

Brasileiro deixou de se comunicar depois de mandar localização na Polônia - Reprodução - Reprodução
Brasileiro deixou de se comunicar depois de mandar localização na Polônia
Imagem: Reprodução

Nas respostas, em português, o autor das mensagens se apresenta como amigo de Vinicius, diz que ele está dormindo e ignora pedidos para enviar uma foto. A pessoa não identificada insiste em pedir uma localização com o interlocutor.

As mensagens eram parcialmente incompreensíveis e pareciam ter sido traduzidas com o auxílio de algum aplicativo. Em uma delas, o texto foi escrito no alfabeto cirílico usado na Ucrânia para se referir à cidade de Lviv, destino combinado pelos brasileiros como ponto de encontro.

Os perfis nas redes sociais de Vinicius no Facebook e Instagram foram excluídos logo após a constatação do desaparecimento.

'Não gosto de ver maldade', disse brasileiro em áudio

Em áudio obtido pelo UOL enviado a uma pessoa próxima, Vinicius justificou o que o motivou a se alistar citando as imagens da guerra na Ucrânia.

"Eu aqui frustrado e ansioso porque não gosto de ver maldade com criancinha. Cara, aquele vídeo da criancinha atravessando a fronteira sozinha com uma barra de chocolate na mão, ursinho na bolsa... Pô, aquilo me cortou o coração de uma forma tão grande".

Os parentes de Vinicius e do segundo brasileiro não foram localizados pela reportagem. O UOL procurou a Delegacia de Descoberta de Paradeiros (DDPA) no Rio de Janeiro, de onde os ex-fuzileiros saíram, mas ninguém procurou a unidade especializada até a tarde desta quinta-feira (7), segundo informou a delegada Ellen Souto.

O que pode ter acontecido com os brasileiros?

Especializada na área de Direito Internacional, a advogada Paula Baldini diz que não é possível saber em que circunstância o celular de Vinicius foi parar nas mãos de um eventual criminoso.

"Mas o governo brasileiro certamente tem direito de pedir ajuda. A dúvida é se Polônia e Ucrânia teriam condições estruturais de atender a um pedido desses com o fluxo de pessoas que eles têm circulando no território deles agora", analisa.

Ela não descarta a possibilidade de captura antes de um eventual alistamento ou até mesmo em meio ao conflito. Se capturados por tropas inimigas, os brasileiros seriam considerados como presos de guerra, diz. "Eles podem ter sido pegos em situação hostil".

Ela ainda levanta a hipótese de morte em confronto, caso eles tenham conseguido se alistar. "Também pode ser que tenham tido o celular roubado e não tenham conseguido contatar as autoridades para pedir ajuda".