Lula repete multipolaridade, e país perde chance de mediar Rússia x Ucrânia
Na cúpula do G7, em Hiroshima, no Japão, o presidente Lula (PT) discursou em defesa da multipolaridade (vários centros de poder) e destacou o papel do Brasil no cenário internacional. Na opinião de especialistas em relações internacionais ouvidos pelo UOL, Lula perdeu a oportunidade de colocar o país como mediador da guerra entre Rússia e Ucrânia.
O que dizem os professores
Lula repetiu o discurso sobre multipolaridade na tentativa de alçar novamente o Brasil a uma posição de protagonismo internacional. Embora a estratégia seja considerada relevante, especialistas acreditam que o presidente insiste em posições anteriormente defendidas num contexto em que o Brasil não tem a mesma força global de antes.
Brasil perdeu a oportunidade de se posicionar como um país mediador do conflito entre russos e ucranianos. Especialistas afirmam que Lula poderia ter firmado posições em defesa dos direitos humanos e, com isso, alcançar destaque. Porém, o petista não teve uma reunião com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky.
"O Brasil ainda se coloca atrás de outras potências médias". A opinião é de Pedro Feliú, professor de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP). Para ele, a estratégia da multipolaridade para ascender o Brasil é uma repetição de discursos de Lula em seus mandatos anteriores (2003-06 e 2007-10).
País precisa reforçar o posicionamento em organizações internacionais. A professora de Relações Internacionais da Universidade São Judas Tadeu, Ana Carolina Marson, afirma que o Brasil precisa endossar a defesa dos direitos humanos no Conselho dos Direitos Humanos da ONU e em outras instâncias internacionais.
"Brasil longe de ser potência média internacional"
Brasil não alcançaria atualmente o mesmo destaque que teve em anos anteriores da gestão Lula, avalia a professora Marson.
País perdeu visibilidade internacional no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Hoje, o Brasil está longe de ser o que já foi, uma potência média internacional. A multipolaridade se refere mais aos discursos praticados antes [de Bolsonaro]. O país não tem embasamento prático para isso hoje, não tem lastro para isso."
Ana Carolina Marson, professora de Relações Internacionais
Lula busca retomar o papel de protagonismo do Brasil no cenário global desde a campanha eleitoral. Em suas administrações anteriores, o presidente teve como estratégia perseguir uma política externa abrangente e ambiciosa.
"Índia muito à frente do Brasil"
Agenda de Lula no G7 priorizou África, Índia e o combate à fome. A ausência de um encontro entre Lula e Zelensky pode ter atrasado os planos do Brasil em ocupar a posição de mediador do conflito entre Ucrânia e Rússia.
O presidente vinha conseguindo se posicionar de maneira mais estruturada, mas escorregou [ao dizer que ambos os países têm culpa pelo confronto], e a posição do Brasil ficou mais estigmatizada."
Ana Carolina Marson, professora de Relações Internacionais
"Ficamos um pouco para trás", opina a professora. A falta do encontro é avaliada como negativa para as ambições do Brasil de mediar um acordo de paz. No Japão, as equipes oficiais do Brasil e da Ucrânia informaram que a reunião não ocorreu por "falta de horário".
Outros países tiveram mais destaque do que o Brasil nas negociações pela paz, comenta Feliú, professor da USP.
A Índia está fazendo esse jogo muito à frente do Brasil. Lula poderia ter pego uma 'carona' com a Índia para mediar o conflito."
Pedro Feliú, professor de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP)
Para Marson, a Índia alcançou mais visibilidade no G7 por assumir o papel de intermediadora. "Ela conseguiu dar um passo que o Brasil não deu."
Solução pode estar na China
Um dos caminhos para o Brasil ter destaque na mediação do conflito é a relação com a China. "Quem pode oferecer um pacote de reconstrução para a Ucrânia é a China, não os Estados Unidos", diz Feliú.
Nesse sentido, manter ou aumentar a proximidade com a China daria mais condições de barganha política ao Brasil. "Seria uma forma de negociar mais com os Estados Unidos", opina o professor da USP.
A centralidade na China está também no fato de que o país poderia conversar com Rússia para um acordo de paz.
Lula disse que ficou "chateado"
O presidente brasileiro afirmou que esperou por Zelensky, mas a delegação ucraniana não apareceu para o encontro. O petista disse ter ficado "chateado", mas avaliou que "não faltará oportunidade" para uma conversa.
Tinha uma entrevista bilateral com a Ucrânia aqui nesse salão às 15h15 da tarde [de domingo, no horário do Japão]. Nós esperamos e ficamos recebendo a informação de que eles tinham atrasado. Enquanto isso atendi o presidente do Vietnã. E quando o presidente do Vietnã foi embora, o presidente da Ucrânia não apareceu. Certamente teve outros compromissos e não pôde vir aqui. Foi, infelizmente, isso que aconteceu.
Lula, em entrevista a jornalistas em Hiroshima
Lula repetiu que Rússia e Ucrânia "não querem conversar sobre paz". O petista tem insistido em uma solução pacifista desde que foi eleito, em novembro. Entretanto, já foi criticado por igualar Rússia e Ucrânia como culpados pela guerra, sendo que os russos que invadiram o país vizinho.
Sinceramente, eu não vim para o G7 para discutir a guerra da Ucrânia. Eu disse, no meu discurso, que a discussão da guerra da Ucrânia deveria estar sendo feita na ONU."
Lula
No dia anterior, Zelensky declarou que Lula ficou decepcionado com a ausência do encontro.
Acho que isso o desapontou. Todos têm seus próprios horários, por isso não pudemos nos encontrar com o presidente brasileiro."
Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia
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