'Não sei quem está vivo', diz palestino-brasileiro que tem filhos em Gaza

O médico palestino-brasileiro Ahmed Shehada, 58, está há mais de 24 horas sem contato com os filhos, que vivem na Faixa de Gaza. Ele mora em Brasília, e a última conversa que teve com uma das filhas ocorreu na terça-feira (17).

"Coloquem-se no meu lugar: meus filhos estão nessa guerra de Israel contra o povo palestino", afirma. "Todos estão em perigo, não sei quem está vivo", diz ele, que tem mais familiares em território palestino.

O relato do médico

A última vez que o médico falou com a filha foi na tarde de terça no horário de Brasília, período da noite em território palestino. "Eles estavam muito assustados. Minha filha mais velha fica chorando, pedindo que os salvem."

Shehada afirma que, durante o contato, a filha mostrava desespero com os próximos ataques contra a Faixa de Gaza. "Ela disse que não sabia quando os mísseis chegariam até eles. Nada que fazem é com segurança."

Segundo o médico, os filhos estão sem abrigo e tentando deixar o território.

O médico diz que os familiares querem sair de Gaza. "Estão tentando passar pela fronteira. Já pedi ajuda à Embaixada do Brasil em Ramallah, na Cisjordânia. Embora eles não tenham cidadania brasileira, pedi ajuda como um gesto humanitário. O perigo é iminente."

Falo para não pensarem, o importante é saírem de lá. Tenho irmão, irmã, sobrinhos. Todos estão em perigo, não sei quem está vivo.
Ahmed Shehada, médico palestino-brasileiro

"Eles não têm para onde fugir"

O médico tem quatro filhos — dois homens e duas mulheres — e cinco netos que vivem na Faixa de Gaza. Segundo ele, as casas em que os filhos viviam ficaram destruídas após os bombardeios de Israel. "Eles não têm abrigo, nem têm para onde fugir", afirma.

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Shehada informa que os filhos receberam ordens para irem para o sul do território. "Eles estavam se deslocando em um comboio que foi bombardeado. Desde ontem não consigo entrar em contato com eles, não tem energia."

Avisos, que teriam sido lançados por aviões de Israel, dão ordens para que palestinos se agrupem em uma praça para terem acesso a água, segundo os relatos dos filhos.

"Eles estão mandando os palestinos para essa praça e dizendo que lá vão permitir acesso a remédios e alimentos, se for necessário." Apesar disso, o médico afirma que muitos palestinos têm resistido a deixar o território em que vivem.

A comunicação entre o médico e seus filhos só ocorre quando eles conseguem carregar a bateria dos celulares com carregadores de carros e quando há sinal.

Todos os meus filhos estão sem abrigo, sem comida, sem dinheiro, os bancos foram destruídos. Meu sobrinho me disse que estão dormindo na frente de uma casa.

O mundo está assistindo sem fazer nada. Ninguém está seguro porque estão bombardeando outros hospitais.
Ahmed Shehada

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"Fizeram um massacre contra civis"

O médico afirma que essa é uma guerra "de Israel contra o povo palestino". "O alvo de Israel sempre foram os civis. Eles fazem hospitais e escolas como alvos, isso é um crime inimaginável. É uma pena de morte para todos que estão nos hospitais."

O médico conta que nasceu no Hospital Batista Al-Ahly Arab, alvo do ataque que matou cerca de 500 pessoas no centro de Gaza. Seu pai passou por uma cirurgia no local bombardeado. "Entrei nesse hospital quando tinha 14 anos para visitá-lo durante a internação", afirma.

Shehada afirma que ficou "em choque" após receber a notícia. "Estava no carro. É muito difícil de explicar. Não conseguia falar nada, tudo me irritava, fiquei muito estressado. Não imagino o pior criminoso do mundo fazer isso."

No Brasil há 15 anos, o médico palestino-brasileiro nasceu na Faixa de Gaza. Ele diz que trabalhou como médico em países europeus e depois se mudou para São Paulo. Atualmente, vive com a mulher em Brasília.

Tenho a personalidade muito forte, mas também sou muito 'fraco' quando vejo injustiça contra crianças. Ontem não fui forte. Choraria por qualquer criança em qualquer lugar do mundo. A injustiça é grande. A guerra não é contra o Hamas, é contra o povo palestino.
Ahmed Shehada

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