Palestino perde 7 parentes, bebe água do mar para sobreviver e teme ataque

O palestino Belal Atef Shaqura, 24, quer deixar a Faixa de Gaza após perder parte da família em bombardeios do Exército de Israel contra o Hamas. Hoje na cidade de Rafah, próximo da fronteira com o Egito, ele relata como são os dias em busca de água e comida para sobreviver e fala sobre o medo de ataques.

O que aconteceu

Aviões israelenses bombardearam a casa de Belal e de seus familiares no fim do ano passado em Khan Yunis, na Faixa de Gaza. O palestino diz que foi o pior momento desde o início da ofensiva israelense contra a Faixa de Gaza após os ataques do Hamas, em 7 de outubro. "Estávamos dormindo e a destruição nos atingiu. As crianças estavam gritando e chorando sob os escombros."

Sete primos de Belal morreram durante os bombardeios no dia 24 de outubro. "Foi o momento mais assustador e difícil de toda a minha vida", diz ele. "Meu primeiro pensamento foi 'onde está a minha mãe?." A mãe de Belal, Ahlam, tem dificuldades respiratórias e no sistema neurológico.

Belal retirou Ahlam e crianças dos escombros levou todos para o atendimento médico. "Minha mãe estava coberta de poeira, tossindo, sem conseguir respirar", relata. "Levei ela comigo e fui procurar as outras crianças. Coloquei duas delas na ambulância com a minha mãe e os mandei para o hospital."

Na casa vizinha, onde vivem os primos de Belal, havia mais destruição. "Fui até lá para ajudar os bombeiros e encontramos sete mortos e três feridos", recorda. Belal também chegou a ser atendido no hospital porque teve ferimentos nas pernas causados pelos bombardeios.

O rapaz deixou Khan Yunis no dia 11 de dezembro. Desde então, ele vive em Rafah — cidade no sul da Faixa de Gaza que também enfrenta uma crise humanitária pelo número de deslocados na região. Há 1,5 milhão de pessoas na cidade e mais pessoas continuam chegado. Os deslocamentos são considerados perigosos para a população, que pode sofrer ataques nos trajetos.

Quantidade de ajuda humanitária é insuficiente, segundo o UOL apurou com fontes que atuam na região. Os alimentos lançados pelos aviões teriam como objetivo chamar a atenção para as ações. Contudo, na avaliação de autoridades locais, uma ajuda terrestre seria mais efetiva.

Proposta de um corredor marítimo entre o Chipre e a Faixa de Gaza é considerada insuficiente. Medida anunciada na sexta-feira (8) pela União Europeia e os EUA permitiria aumento de ajuda em Gaza. Contudo, na avaliação de autoridades, o projeto deve demorar para ter início.

Foi uma sensação muito ruim, é como se você deixasse tudo para trás, casa, bairro, memórias, amigos e família. É como deixar sua vida para trás, com os olhos cheios de lágrimas e com o coração partido.
Belal Atef Shaqura, palestino que vive em Rafah

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Abrigo e casa de amigos em Rafah

Belal vive com a mãe na casa de amigos, em Rafah. Os dois se mudaram para a residência após o estado de saúde dela ter piorado. Segundo Belal, ela vai precisar passar por uma cirurgia de retirada de vesícula. O restante da família está em um abrigo para os recém-chegados.

Após a evacuação de algumas cidades em Gaza, Rafah enfrenta falta de estrutura para abrigar a população. "Falta comida e água, que se tornaram extremamente limitados e raros de se encontrar."

Belal e outros palestinos recorrem à água do mar até para matar a sede. "Pegamos água salgada porque temos que sobreviver. Depois, procuramos comida e damos voltas por toda a cidade para encontrar os preços mais baratos. Não podemos pagar os preços elevados da guerra."

Em Rafah, Belal diz que a presença de militares israelenses ainda não é vista pela população. Contudo, Israel já anunciou que prepara ofensiva terrestre em massa contra Rafah — tratada pelos israelenses como "último bastião do Hamas". Os planos de Israel têm provocado críticas, com agências humanitárias e países aliados pedindo moderação

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Procuramos madeira [pela ruas] para fazer comida no fogo porque não temos eletricidade ou gás.
Belal Atef Shaqura, palestino que vive em Rafah

Palestinos em Rafah recebem comida antes do ifatr, refeição que representa a quebra do jejum durante o Ramadã, período sagrado para os muçulmanos
Palestinos em Rafah recebem comida antes do ifatr, refeição que representa a quebra do jejum durante o Ramadã, período sagrado para os muçulmanos Imagem: MOHAMMED ABED -11.mar.24/Reuters

Risco de novos ataques em Rafah

População recebe alertas sobre possível entrada do Exército israelense. "Mas as pessoas não sabem para onde ir. Nos disseram que o sul [de Gaza] estava seguro, mas agora eles vêm ocupar Rafah", diz o palestino.

Os palestinos em Rafah temem novos ataques e esperam poder voltar para casa mesmo após a destruição. Eles questionam quando vão voltar para casa, se vão ter ajuda para retornar às cidades bombardeadas. E ainda: para onde poderão se deslocar caso ocorram novos ataques em Rafah.

Belal quer levar a mãe para o Egito. "Meu sonho é levá-la para que possa permanecer viva e fazer uma operação antes que seja tarde demais." Neste momento, as condições de vida se tornam ainda mais difíceis uma vez que não há trabalho para os recém-chegados. "Perdemos nossos empregos e tudo o que poderíamos trabalhar."

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Preocupação constante. Essa é a sensação de Belal, de seus familiares e de todos os palestinos que vivem em Rafah. "As fronteiras de Gaza terminam aqui, então se quisermos evacuar, não temos mais para onde ir. Isso nos faz pensar sempre no que fazer caso entrem em Rafah."

Palestinos relatam falta de esperança na cidade. "Os israelenses disseram que Rafah estava segura, mas agora que ocuparam as cidades, querem se mudar para Rafah. Não vou me mudar para nenhum lugar porque preciso ficar próximo de um hospital. Minha mãe vai morrer sem assistência médica."

Opressão por parte do Hamas. Uma parte dos palestinos que vivem na Faixa de Gaza acusa o grupo extremista de corrupção e outros crimes. A população da região diz que, quando tentam fazer qualquer tipo de articulação contra membros do Hamas, são duramente reprimidos. Um palestino ouvido sob condição de anonimato disse que os integrantes do grupo atiram em pessoas contrárias ao Hamas.

Meninas palestinas enchem galões com água do mar para usar em um acampamento em Rafah
Meninas palestinas enchem galões com água do mar para usar em um acampamento em Rafah Imagem: 24.jan.24AFP

Exército diz que objetivo é 'desmantelar Hamas'

Exército de Israel diz que analisa "viabilidade" de operação em Rafah. "Muitas pessoas foram deslocadas, que vieram do norte ao sul. Caso decidamos operar em Rafah, vamos fazer como o fizemos no dia 7 de outubro, tomando todas as precauções possíveis para distinguir entre civis não envolvidos no conflito e terroristas envolvidos no conflito", afirma Roni Kaplan, porta-voz do Exército.

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Objetivo da guerra, segundo o Exército, é desmantelar o Hamas e libertar os reféns. "Desmantelamos 18 de 24 batalhões do Hamas na Faixa de Gaza", diz Kaplan. Segundo ele, quatro dos seis batalhões restantes estão em Rafah. "Para desmantelar o Hamas, temos que terminar de desmantelar seus batalhões."

Kaplan defende que o Exército vai "lutar segundo o direito internacional humanitário". "Estamos em operações constantes para aumentar a quantidade de ajuda humanitária para toda a população civil na Faixa de Gaza, no norte e no sul da Faixa de Gaza. Estamos ajudando nesta operação para que possa entrar mais comida, mais água, mais medicamentos, mais mantas para a população."

Vamos fazer o que está em nossas possibilidades para que os civis deixem as zonas de combate e de perigo. Dessa maneira, [vamos] desmantelar o Hamas por um lado, e ao mesmo tempo cuidamos o máximo possível não prejudicar os civis na zona de Rafah e no resto da Faixa de Gaza.
Roni Kaplan, porta-voz do Exército de Israel

A vida antes e depois do 7 de outubro

Belal era jogador de futebol antes do início dos conflitos do 7 de outubro do ano passado. "Costumava representar nosso país na seleção da Palestina". Antes da guerra, ele jogava no clube de Khan Yunis.

O palestino diz que sonhava em jogar no exterior. "Vivia pacificamente com a minha família, jogava na liga de Gaza, sonhava em me tornar profissional." Agora, o sonho de Belal é que a guerra acabe. "Sonho com a segurança da minha família, principalmente da minha mãe doente."

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A família do palestino vivia momentos de alegria com a gravidez da irmã dele antes do conflito. "Meus pais estavam esperando uma nova neta na família. Estávamos felizes que minha irmã estava prestes a dar à luz", diz. "O que quero dizer é que somos uma família simples, que procura paz, segurança e comida."

Gaza é a cidade mais bonita do mundo, mesmo que vivêssemos em péssimas condições. Estávamos satisfeitos e felizes. Gaza costumava ser um campo aberto, uma prisão vista de cima, mas ainda assim, estávamos adaptando essa vida. Costumávamos sair e curtir a vida. A praia que temos é mágica, incrível, ela nos traz paz.
Belal Atef Shaqura, palestino que vive em Rafah

* A jornalista viajou a Israel a convite da ONG StandWithUs Brazil.

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