Capuchinho: quem é a única pessoa que pode pregar para o papa?

Um dia, no ano passado, abri meu email e encontrei uma mensagem curiosa do cardeal Raniero Cantalamessa. O email começava com uma suposição comum. Como o título de meu cargo contém a frase "Capuchin Fellow", muitas pessoas presumem que eu mesmo devo ser um frade capuchinho. No entanto, sou simplesmente um especialista na história dos franciscanos.

O cardeal havia lido um artigo que publiquei e me enviou um email porque estava procurando ajuda para uma edição em inglês de alguns de seus sermões sobre o tema das três virtudes teológicas da fé, esperança e caridade.

Ao olhar para esse email, eu sabia que era o início de uma nova e empolgante linha de pesquisa. Isso se deve ao fato de quem é Cantalamessa: o Pregador Capuchinho da Casa Papal.

Você não seria o único a não saber o significado desse título, mas para mim, um estudioso da história católica, foi empolgante. O Pregador Capuchinho da Casa Papal é uma figura influente na Igreja Católica da qual a maioria das pessoas nunca ouviu falar, e os sermões para os quais ele queria ajuda foram entregues ao próprio papa.

Cantalamessa pertence aos franciscanos capuchinhos, cujas origens remontam a 1525. Não foram batizados, como se acredita popularmente, em homenagem ao cappuccino ou ao macaco de mesmo nome: os frades passaram a ser conhecidos pelo capuz marrom pontiagudo, ou "capuche", em seu hábito (o café e o macaco foram, na verdade, batizados em homenagem a eles).

Em 1528, os capuchinhos obtiveram a aprovação do papa Clemente 7º e, no final do século 16, haviam se espalhado por toda a Europa e além. Os frades, conhecidos por seu serviço aos pobres, também ganharam reputação por suas habilidades de pregação e talento como missionários, ajudando a difundir a fé católica em todo o mundo.

O cargo de "Pregador da Casa Papal" existe desde 1555, quando a função era conhecida sob o título de "pregador apostólico". Inicialmente, os membros de muitas ordens religiosas diferentes eram selecionados para o cargo.

Em 1743, o Papa Bento 14 concedeu o título exclusivamente aos capuchinhos. A função significa que o titular é a única pessoa autorizada a pregar para o papa.

A principal responsabilidade da função envolve a pregação nos domingos do Advento (o início do ano litúrgico que leva à Natividade) e da Quaresma (os 40 dias que levam ao domingo de Páscoa). Esses são períodos de intensa reflexão espiritual para todos os católicos, incluindo o papa e outros membros da Casa Papal.

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O pregador prega ao papa, aos cardeais, bispos e prelados (outros membros de alto escalão do clero) da Cúria Romana (o coração administrativo do papado) e aos superiores de várias ordens religiosas. Desde 1995, freiras, irmãs religiosas e leigas que trabalham no Vaticano também participam, a pedido de Cantalamessa. Nos anos mais recentes, os sermões têm sido realizados na impressionante Capela Redemptoris Mater e Sala de Audiências Paulo 6º, enquanto na Sexta-feira Santa o sermão é realizado na Basílica de São Pedro.

O frade italiano Raniero Cantalamessa ocupa o cargo desde 1980. Antes disso, foi professor de cristianismo antigo e diretor do departamento de ciências religiosas da Universidade Católica de Milão. Tendo acabado de comemorar seu 90º aniversário, o capuchinho, ao longo de seus 40 anos na função, pregou para os três últimos papas: Francisco, Bento 16 e João Paulo 2º.

Em 2014, ele calculou que havia feito 280 sermões de Advento e Quaresma na frente dos papas, declarando: "Fui responsável por ter ocupado umas boas 140 horas do precioso tempo dos últimos três papas".

Embora o capuchinho tenha permanecido humilde em relação à sua atividade, seu papel é de grande influência. Ele pregou, por exemplo, no início dos dois últimos conclaves em 2005 e 2013, quando Bento 16 e Francisco foram eleitos. Com relativa liberdade para escolher o tema de suas meditações, ele afirma que tenta refletir sobre "os problemas, as necessidades ou até mesmo as graças que a igreja está vivendo no momento".

Muitas vezes, seus sermões servem como um teste decisivo para o clima geral da Igreja e as prioridades do papado. Em 2006, por exemplo, seus sermões de Advento foram manchetes quando pediram a Bento 16 que realizasse um dia de arrependimento pela crise de abuso sexual de crianças que havia surgido, afirmando que isso era necessário para lidar com o "escândalo infligido" aos vulneráveis.

Em 2014, ele criticou a "maldição" do dinheiro na sociedade, um tema que o papa Francisco aplicou à própria Cúria Romana em seus comentários de Natal de 2014 alguns meses depois. Em 2016, ele pregou sobre o ecumenismo (o desejo de promover um melhor entendimento entre as denominações religiosas), um tópico que tem sido central para o papado de Francisco. Em 2021, ele exortou os líderes da Igreja a não se envolverem no fomento de divisões políticas entre os católicos, observando que "a fraternidade entre os católicos está ferida" - um tema que Francisco também destacou por volta da mesma época.

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No entanto, seu papel não foi isento de controvérsias. Em 2010, ele se viu no centro de uma reação negativa da mídia após seu sermão na Sexta-feira Santa. Foi amplamente noticiado que ele havia "sugerido que as críticas à Igreja Católica Romana sobre os escândalos de pedofilia eram semelhantes ao antissemitismo". Embora tenha sido revelado que o frade havia citado diretamente uma carta de um amigo judeu, que afirmava que as acusações o lembravam dos "aspectos mais vergonhosos do antissemitismo", o Vaticano procurou se distanciar do comentário.

O capuchinho rapidamente pediu desculpas, declarando "se, contra a minha intenção, feri os sentimentos do povo judeu e das vítimas de abuso infantil, eu realmente sinto muito". Essa reação negativa destaca ainda mais a importância do cargo e o interesse público em torno de seus sermões.

O que começou com um email incomum logo se transformou em meses de trabalho. No final, trabalhei em estreita colaboração com o cardeal durante vários meses (e vários rascunhos) para aperfeiçoar uma nova edição em inglês de seus sermões. O cardeal permaneceu caracteristicamente caridoso durante todo o processo, aberto a mudanças e sugestões de melhorias. O resultado é uma nova edição de "Sermons by the papal preacher" ("Sermões do Pregador do Papa", em tradução livre) e uma visão de um homem no coração do catolicismo.The Conversation

Liam Temple, Capuchin Fellow in the History of Catholicism, Durham University

This article is republished from The Conversation under a Creative Commons license. Read the original article.'

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