Alianças oportunistas podem ser a causa do "caos político" no Brasil

Paulo A. Paranagua

  • Wilson Dias/ABr

    A presidente Dilma Rousseff (PT) conversa com o vice Michel Temer (PMDB)

    A presidente Dilma Rousseff (PT) conversa com o vice Michel Temer (PMDB)

Estaria o Brasil sujeito a um "caos político"? De acordo com um comunicado da presidência brasileira, sim. "Eu não vejo caos político", se apressou a desmentir o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, assoberbado pelos acontecimentos.

O escândalo da empresa petroleira Petrobras, controlada pelo Estado, e das grandes empreiteiras abalou a coalizão governamental. O PT (Partido dos Trabalhadores) da presidente Dilma Rousseff e do ex-presidente Lula (2003-2010) perdeu sua aura de salvador da pátria, assim como sua capacidade de mobilizar multidões. Segundo uma pesquisa, 84% dos brasileiros acreditam que a presidente estava a par dos desvios. No dia 15 de março, 2 milhões de manifestantes fizeram protestos em dezenas de cidades. "Agora no Brasil há um pré e um pós-15 de março", escreveu a colunista Eliane Cantanhêde.

Uma parte da oposição e dos políticos, de todas as alas, só tem se exprimido no modo histérico. De um lado, exigem um "impeachment", ou seja, um processo de destituição da chefe do Estado, sem saber muito bem no que isso resultaria. Do outro, gritam "golpistas!", como se a cruzada de Vladimir Putin contra a Ucrânia tivesse virado inspiração: os mesmos elementos de linguagem agora se ouvem em Caracas (Venezuela), em Buenos Aires (Argentina) e em São Paulo. Analistas mais razoáveis preveem um mandato presidencial medíocre, com uma Dilma Rousseff fragilizada, uma economia morosa e um descontentamento social crescente. Em suma, a situação seria desesperadora, mas... tudo bem.

A comoção suscitada pela extensão da corrupção impede que se compreenda a origem do mal. É verdade que a construção civil mistura privado e público pelo menos desde a construção de Brasília. Mas os desvios de fundos nas empresas controladas pelo Estado não se explicam por um simples contágio. Isso remete a um sistema político em plena metástase, com cerca de 30 partidos representados no Congresso, a maior parte deles sem qualquer outro objetivo além de atrair as prebendas do Estado.

Alianças oportunistas

A ditadura militar (1964-1985) havia deixado o poder legislativo operar. Na época, os candidatos às eleições municipais e regionais, assim como o Congresso, foram obrigados a canalizar suas diferenças por meio de dois grandes partidos, representando a maioria favorável ao regime e a oposição. Herdeiro desta última, o PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro) recebeu em seguida a concorrência de dois partidos, o PT (fundado em 1980) e o PSDB (Partido Social-Democrata Brasileiro, fundado em 1988). O PMDB continuou sendo uma poderosa reunião de parlamentares sem identidade política. O PT de Lula e o PSDB do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) adotaram um perfil reformista e modernizador, mas decepcionaram, uma vez no poder, por razões diversas.

O principal motivo da decepção está nas alianças oportunistas que surgem, coalizões sem acordo programático formadas só para dispor de uma maioria parlamentar. Por que o PT e o PSDB preferiram buscar alianças, cada um de seu lado, em vez de unir forças? Porque esses dois partidos disputavam o mesmo terreno eleitoral, o vasto Estado de São Paulo, mais povoado e, sozinho, tão rico quanto a Argentina.

Sem base em um país mais para conservador, ambos foram buscar apoios no centro (PMDB) e à direita. Com o tempo, essa escolha resultou em uma bipolarização da vida pública, com PT e PSDB arrastando como um fardo uma dezena de partidos invertebrados. Seu objetivo eram os 39 ministérios do governo Rousseff e os 23.500 postos a serem preenchidos, três vezes mais que nos Estados Unidos, no comando do país.

Ao longo de 20 anos, esse sistema se revelou um obstáculo para reformas verdadeiras. Hoje, ele está implodindo por conta do caso Petrobras, por não ter conseguido aprender com o episódio anterior do Mensalão, em 2005. A única personalidade a ter denunciado publicamente o absurdo do antagonismo entre PT e PSDB foi Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente do primeiro governo de Lula, candidata verde à presidência da República em 2010 e depois candidata socialista em 2014, que obteve, ambas as vezes no primeiro turno, 20 e 22 milhões de votos, respectivamente. Marina Silva declarou à televisão aquilo que muitos "caciques" dos dois partidos só admitem em 'off' e sob anonimato. Todas essas precauções mostram até que ponto o jogo político se engessou.

Marina Silva tinha razão, a situação não é sustentável. A ingovernabilidade já está aí, na disputa entre os três poderes da República. A solução não é esperar uma possível alternância em 2018 nem aceitar o "caos político" como uma fatalidade. Não é mais possível adiar uma reforma dos costumes políticos, do financiamento das campanhas eleitorais e do estatuto dos partidos. Como dizem os brasileiros, é preciso "virar a mesa", mudar as regras do jogo, reinventar a democracia.

Mãe de todas as reformas, a reforma política é algo sério demais para ser confiada aos políticos do PMDB, que é quem se beneficia do sistema atual. Dilma Rousseff nem o PT podem superar sozinhos a crise. Os reformistas do PT, do PSDB e de outros, como Marina Silva, deverão assumir juntos o desafio, se não quiserem sofrer o opróbrio da opinião pública e abrir caminho para uma nova configuração de forças conservadoras e populistas.

Tradução: UOL

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