Rússia, China e Obama já perceberam que EUA não são mais uma "hiperpotência"
Alain Frachon
-
Mandel Ngan/ AFP
Toda iniciativa de Vladimir Putin suscita, em geral, dois tipos de reação no Ocidente. Com admiração, as pessoas se surpreendem diante do grande estrategista do Kremlin, um gênio no cenário internacional. Com consternação e um tanto de condescendência, as pessoas se questionam quanto à passividade de Barack Obama, um receoso num mundo de brutos.
Na Crimeia, em 2014, ou este ano, na Síria, todas as vezes o judoca levou vantagem sobre o jogador de basquete. Como o presidente chinês, Xi Jinping, também tem demonstrado seu poder sobre Washington, daí se conclui a inevitável queda do império americano nesse início de século 21. Mas não é tão simples assim.
As placas tectônicas do poder estratégico estão se movendo, certamente. O mundo parece a cada dia um pouco menos com aquele logo após a Guerra Fria. Nunca essa verdade pareceu tão evidente como nos últimos tempos.
Na política externa, a China e a Rússia têm um objetivo central: contestar a preponderância da liderança americana sobre as questões do mundo. A guerra é ideológica e estratégica. Moscou e Pequim têm marcado pontos em campo, física e politicamente, unidos em uma mesma vontade: contestar a legitimidade que é atribuída aos Estados Unidos como "xerife do mundo", mesmo sem querer.
Poder quase prometeico
Com sua máquina militar renovada a grandes custos – o orçamento da Defesa representaria mais de 4% do PIB - , a Rússia de Putin tem feito uma demonstração de força na Síria. Pela primeira vez desde o fim da URSS e de seus reveses no Afeganistão, Moscou está mobilizando seu Exército longe de suas bases e reconquistando seu status no Oriente Médio, até então domínio exclusivo dos americanos.
Já a China vem se equipando de uma marinha de guerra e mísseis capazes de expulsar a 7ª frota americana do Pacífico. Assim como a Rússia na Ucrânia, na Geórgia e na Síria, a China tem contado com a força e praticado a política do fato consumado. Com a ambição de estender sua soberania para todo o mar do Sul da China, ela vai se apropriando de ilhotas de propriedade controversa e as transforma em minibases militares. Em seu entorno imediato, Pequim pretende mostrar que ela é a potência suserana, e não mais os Estados Unidos.
Os críticos de Obama tendem a lhe imputar uma sequência desastrosa para a credibilidade dos Estados Unidos. Foi porque Obama não cumpriu nenhuma de suas promessas na Síria, sobretudo no verão de 2013, dizem, que Putin teria se sentido livre para anexar a Crimeia em 2014, enquanto o camarada Xi, em 2015, ia militarizando aos poucos o mar da China meridional. Os detratores de Obama gostam de parafrasear Michel Audiard: "Um intelectual sentado não vai tão longe quanto dois brutos que andam."
O intelectual da Casa Branca é o primeiro presidente americano a levar em conta uma realidade difícil de se admitir em Washington e entre os aliados dos Estados Unidos: a fase imediata ao pós-Guerra Fria terminou.
Foi-se o breve momento de "hiperpotência", quando a dominação americana era total do ponto de vista militar, estratégico, ideológico, cultural, econômico, tecnológico. Dessa preponderância momentânea, um grande número de americanos e de europeus tiveram a impressão de que os Estados Unidos para todo o sempre teria um poder quase prometeico, o que explica a percepção, e a decepção para alguns, de um Obama relativamente passivo.
Mas o momento da "hiperpotência" não poderia durar. Foi só um parêntese – 1989-2001, por exemplo – inevitavelmente destinado a se fechar no dia em que Pequim estivesse suficientemente segura de sua força econômica para emergir como potência política e estratégica e onde a Rússia voltaria a ser uma potência militar, sua especialidade. Chegamos a esse ponto, sem contar a chegada de outros polos de potência média, como a Turquia, o Irã, o Brasil e a Indonésia.
Nesse mundo, um duradouro caos multipolar, "ninguém deve se espantar que a preponderância americana seja contestada", escreveu esta semana a revista "The Economist". Ela já não é mais a mesma.
Ciente do desastre que foram as intervenções no Afeganistão e no Iraque, e consequentemente a par das limitações das capacidades da ferramenta militar em terras estrangeiras complexas, Obama, segundo Roger Cohen no "New York Times", sentiu "a necessidade de redefinir a política externa americana" em seu contexto atual: "um mundo interconectado", onde operam novas potências.
O ex-ministro das Relações Exteriores Hubert Védrine complementa: "Obama tem uma visão adaptada de um Estados Unidos que não é mais uma hiperpotência", ao mesmo tempo em que continua sendo a mais poderosa das grandes potências.
O presidente tirou disso uma "doutrina da contenção", diz Cohen. Talvez sua política para a Síria tenha sido uma catástrofe. Provavelmente ele está "preocupado demais com os custos da ação e não o suficiente com os da inação", observa Dennis Ross, um dos conselheiros da diplomacia americana. Richard Haass, outro conselheiro, diz: "Acho que Obama está exagerando os limites e subestimando as possibilidades do poder americano mesmo em um ambiente onde é cada vez mais difícil traduzir poder em influência."
Mas ocorre que esse ambiente, esse mundo do século 21, esse caos multipolar, não foram inventados por Obama. Seu sucessor, seja ele democrata ou republicano, terá as mesmas restrições e provavelmente observará a mesma cautela. Ela ou ele deverá administrar uma relação com Moscou e Pequim cada vez mais difícil, onde oscilarão possibilidades de confronto, direto ou indireto, e necessidades de cooperação. Amigos ou inimigos? Ambos, dependendo do assunto.
Tradutor: UOL