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Mísseis de ataque sírio levavam grande carga de gás, dizem especialistas

William J. Broad (colaborou David E. Sanger)

06/09/2013 06h01

Uma nova análise de imagens que aparentemente exibem o ataque ocorrido na Síria no mês passado concluiu que os mísseis que despejaram o tóxico gás sarin sobre os bairros dos arredores de Damasco continham até 50 vezes mais desse agente químico, que ataca o sistema nervoso, do que o estimado anteriormente. Essa conclusão poderá solucionar o mistério de por que foram registradas muito mais vítimas nesse bombardeio do que em ataques químicos anteriores.

A análise, realizada por especialistas em armamentos, também aponta para fortes evidências de que a massa de material tóxico pode ter vindo exclusivamente de um único e grande estoque. Autoridades norte-americanas, britânicas e francesas afirmaram que apenas o governo sírio, e não os rebeldes, estaria em posição de produzir essas grandes quantidades de toxinas mortais.

O secretário de Estado dos Estados Unidos, John Kerry, disse ao congresso norte-americano durante audiências realizadas na terça e quarta-feira desta semana que os EUA acreditam que o exército sírio foi o responsável pelo ataque. E em comunicados secretos as autoridades têm apontado a Unidade 450, que controla as armas químicas da Síria, como responsável pelo ataque.

A nova análise foi conduzida por Richard M. Lloyd, especialista no design de ogivas, e por Theodore A. Postol, físico do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Eles basearam sua investigação em dezenas de vídeos fotografias postados na internet desde o ataque de 21 de agosto, que levou milhares de sírios, passando mal ou à beira da morte, aos hospitais localizados nos subúrbios de Damasco.

Em entrevistas e relatórios, os dois especialistas em armas disseram que sua análise das imagens das peças e dos destroços dos mísseis exibidos na internet sugere que as ogivas carregavam cargas tóxicas de cerca de 50 litros, e não apenas um ou dois litros do agente químico que ataca o sistema nervoso, volume que alguns especialistas em armas haviam estimado anteriormente.

“É um projeto inteligente”, disse Postol em entrevista sobre as munições. “Ele é inteligente não apenas na forma como a carga foi implementada, mas também na eficácia da sua dispersão. Esse tipo de projeto foi o responsável pelo grande número de mortes”.

Pouco depois do ataque, alguns analistas disseram que duvidavam que os mísseis identificados pudessem ter transportado um volume de gás tóxico suficiente para ter causado as mortes em massa. Lloyd e Postol disseram que sua análise explica como um erro de identificação de uma parte central do míssil resultou nas estimativas excessivamente reduzidas em relação à carga tóxica.

Em entrevista, Lloyd disse que a fabricação dos mísseis, mas talvez não do mortal agente químico que ataca o sistema nervoso, parece estar de acordo com as capacidades tanto do governo sírio e quanto dos rebeldes.

Mas Stephen Johnson, ex-especialista em armas químicas do exército britânico que atualmente atua como especialista forense na Cranfield University, em Shrivenham, disse que, se a estimativa relacionada à carga de 50 litros estiver correta, apenas o governo sírio poderia ter chegado a esse grande volume de produção.

“É uma quantidade bastante substancial para produzir sozinho, e está além dos sonhos mais loucos da oposição”, disse Johnson. O especialista acrescentou que, as insinuações de que os rebeldes sírios teriam apreendido ou obtido secretamente esses volumes de compostos químicos não têm credibilidade. “O cenário aponta mais para o argumento de que foi o governo”, disse ele.

O governo Obama acusa o governo sírio de ter disparado os mísseis com ogivas cheias de gás sarin, um agente químico líquido que ataca o sistema nervoso e se vaporiza, transformando-se em uma névoa mortal que é absorvida rapidamente pela pele humana. A toxina faz com que nervos e músculos de todo o corpo se contraiam até a exaustão, resultando em paralisia pulmonar e na morte. As pupilas das vítimas muitas vezes ficam minúsculas porque a íris, que é um músculo, se contrai muito quando exposta ao gás.

Em sua análise, Lloyd e Postol disseram que os especialistas que analisam as imagens dos restos dos mísseis encontrados na Síria identificaram erroneamente os tubos finos que ficaram parcialmente enterrados no chão como os recipientes que transportaram a carga tóxica. Mas segundo eles, em vez disso, os tubos compunham um dispositivo explosivo interno que, quando os mísseis se chocaram contra o chão, fez com que um recipiente muito maior se abrisse e dispersasse grandes volumes de gás.

Segundo os especialistas, fotografias de mísseis detonados geralmente mostram o revestimento amassado do recipiente maior nas proximidades da zona de impacto.

“Esse projeto explica as evidências observadas no chão”, disse Postol. A nuvem gerada pelo impacto, acrescentou ele, provavelmente ergueu-se a uma altura de 3 m a 4,5 m do solo.

Postol é professor e especialista em segurança nacional do Programa do MIT em Ciência, Tecnologia e Sociedade. Lloyd, que durante duas décadas trabalhou na Raytheon, uma das principais prestadora de serviços da área militar, escreveu dois livros sobre projetos de ogivas e atualmente trabalha para Tesla Laboratories, uma prestadora de serviços militares situada em Arlington, no estado da Virgínia

Raymond A. Zilinskas, cientista sênior do Instituto Monterey de Estudos Internacionais e ex-inspetor de armas da Organização das Nações Unidas (ONU), disse que a análise dos dois especialistas em armas parece plausível. Segundo Zilinskas, os mísseis mortais que o Iraque disparou contra o Irã na década de 1980 continham nove litros de produtos químicos tóxicos, e os mísseis sírios envolvidos no massacre se parecem com aqueles, apesar de terem um recipiente secundário adicional.

“Eu não posso afirmar se eles continham 50 litros”, disse Zilinskas, “mas esse compartimento extra certamente aumentaria a carga útil (dos mísseis)”.

Dois anos e 100 mil mortos

A guerra na Síria já dura mais de dois anos e deixou milhares de mortos --mais de 100 mil, segundo a ONU. Começou na esteira da Primavera Árabe, onda de levantes populares que pediu mudanças no governo em países como Tunísia, Líbia e Egito.

Como em outros países, a reação do governo sírio foi reprimir com violência os protestos por democracia. Desde o início, a postura do regime do presidente vitalício Bashar Assad foi desqualificar os opositores como meros terroristas e culpá-los pelas mortes ocorridas nos confrontos.

No dia 21 de agosto, a guerra síria ganhou outra dimensão quando gás tóxico foi usado para bombardear uma área de Damasco, causando a morte de pelo menos 355 pessoas, segundo a ONG Médicos Sem Fronteiras. A ONG estima ter realizado mais de 3.600 atendimentos de pessoas que inalaram gás. A oposição fala em mais de mil mortos no ataque e acusa o regime Assad pela matança; o governo sírio culpa os rebeldes pelo massacre e afirma que achou um depósito com produtos químicos usado pela oposição.

Há tempos, a comunidade internacional condena o confronto na Síria e pede seu fim. Só após o ataque com gás, o Ocidente decidiu intervir independentemente da ONU. Devido à pressão internacional, um time de inspetores da ONU foi enviado ao país para investigar o local do suposto ataque. A equipe, porém, não conseguiu chegar à região: um comboio da organização teve de recuar porque foi recebido a tiros quando se aproximava da área.

Fim da linha

Há um ano, o presidente dos EUA, Barack Obama, afirmou que o uso de armas químicas na guerra da Síria seria cruzar uma "linha vermelha". Já houve relatos de uso de armas químicas no conflito antes - em maio deste ano, o jornal francês "Le Monde" relatou o uso de armas químicas no país

Foi só após o ataque de Damasco, porém, que os EUA passaram a afirmar que a Síria passou do limite. O secretário de Estado americano, John Kerry, diz que os EUA não têm dúvidas de que o governo sírio atacou com gás seus cidadãos e destruiu as evidências. O presidente Barack Obama pediu o aval do Congresso para uma intervenção na Síria - que não envolverá o envio de tropas dos EUA, afirma o governo.

França e Reino Unido também condenaram o ataque e prometeram apoio - militar, no caso francês - aos rebeldes que lutam contra Assad. Porém, o Parlamento britânico rejeitou o plano de atacar a Síria, e o o premiê, David Cameron, recuou da intervenção.

O país mais frontalmente contrário à intervenção é a Rússia, que acusa o Ocidente de não ter provas do envolvimento do governo sírio no ataque de Damasco. Desde antes, porém, Moscou, que interga o Conselho de Segurança da ONU, votou contra intervir na guerra síria. A Rússia sempre defendeu uma solução diplomática para o conflito. China e Irã, em menor escala, também são contra.