Jornal francês relata uso de armas químicas em conflito na Síria
Jean-Philippe Rémy
Jobar (Síria)
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Reprodução/AP - 21.mar.2013
Homem caminha por área destruída por ataque aéreo do regime de Bashar Assad em Aleppo (Síria)
A princípio, um ataque químico ao front de Jobar, na entrada da capital síria, não se parecia com nada. Nada de impressionante. Nada, sobretudo, de detectável. Era esse o objetivo buscado: quando os combatentes do Exército Livre Sírio (ELS) mais avançados em Damasco perceberam que eles haviam acabado de ser expostos a produtos químicos pelas forças governamentais, era tarde demais. Independentemente do gás usado, ele já produzira seus efeitos, a poucas centenas de metros de moradias da capital síria.
No início, foi somente um barulho discreto, um choque metálico, quase um estalido. E em meio ao estrondo dos combates do dia no setor de "Bahra 1" do bairro de Jobar, isso a princípio não atraiu a atenção dos combatentes da brigada Tahrir al-Sham ("Libertação da Síria"). "Pensamos que era um projétil que não havia explodido, e ninguém realmente deu atenção", explica Omar Haidar, responsável operacional da brigada, que mantém esse setor avançado a menos de 500 metros da Praça dos Abássidas.
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Jornal denuncia que ataque químico teria atingido jornalistas franceses na Síria
Sem cheiro, sem fumaça
Buscando palavras para descrever esse som estranho, ele o compara a "uma lata de Pepsi caindo no chão". Sem cheiro, sem fumaça, sem nem mesmo um silvo que indicasse a emanação de um gás tóxico. Depois surgiram os sintomas. Os homens tossiam violentamente. Os olhos ardiam, as pupilas se retraíam ao extremo, a visão se turvava. Em breve vieram as dificuldades respiratórias, às vezes agudas, e os vômitos, os desmaios. Era preciso evacuar os combatentes mais afetados antes que eles se sufocassem.
Esse fato foi testemunhado pelos enviados especiais do "Le Monde" por vários dias a fio nesse bairro na saída de Damasco, onde a rebelião penetrou em janeiro. Desde então, Jobar tem sido um ponto crucial tanto para o ELS quanto para o governo. Mas, ao longo de uma reportagem de dois meses nas cercanias da capital síria, nós reunimos elementos comparáveis, em um espectro muito mais amplo. A gravidade dos casos, sua multiplicação, a tática de emprego de armas como essas mostram que não se trata de simples gás lacrimogêneo sendo utilizado nos fronts, mas de produtos de outra categoria, bem mais tóxicos.
No confuso front de Jobar, onde as linhas inimigas estão tão próximas que às vezes se insulta tão facilmente quanto se mata, as cenas de ataque a gás apareceram pontualmente ao longo de abril. Não é uma difusão maciça por quilômetros, mas sim um uso ocasional e localizado pelas forças governamentais, visando os pontos de contato mais duros com um inimigo rebelde muito próximo. O setor é o ponto de entrada para o interior de Damasco onde grupos do ELS entraram mais a fundo. Uma guerra impiedosa ocorre ali.
Primeiro ataque em abril
No setor "Bahra 1", um dos mais avançados na direção da grande praça estratégica dos Abássidas, uma das redes de segurança de Damasco, os homens de Abou Djihad, o chamado "Arguileh" (narguilé), sofreram seu primeiro ataque dessa natureza na noite de quinta-feira, 11 de abril. Inicialmente todos foram pegos de surpresa. Eles haviam ouvido falar dos "gases" utilizados em outros fronts, em outras regiões da Síria (sobretudo em Homs e na região de Aleppo) nos últimos meses, mas o que fazer, uma vez diante do fenômeno? Como se proteger sem abandonar o local e oferecer uma vitória fácil ao inimigo? "Alguns homens saíram, outros permaneceram paralisados pelo pânico. Mas a posição não foi abandonada. Ordenava-se aos soldados que subiam ao front para que usassem lenços molhados para proteger o rosto", explica um combatente.
Foram distribuídas algumas máscaras de gás, destinadas prioritariamente aos homens que mantinham posições fixas, onde às vezes um simples muro demarca o limite do território rebelde. Outros se contentaram com a proteção irrisória de máscaras cirúrgicas.
Os homens comandados por "Arguileh" não foram os únicos a sofrerem um ataque a gás na região. Mais perto do açougue vizinho, onde ficam estacionados os tanques do governo, as "forças especiais" dos rebeldes da Liwa Marawi al-Ghouta foram expostas a concentrações – provavelmente ainda maiores – de compostos químicos, a julgar pelos efeitos produzidos sobre os combatentes. Nós os encontramos horas depois nos hospitais, lutando para sobreviver.
Homens usando macacões
Em Jobar, os combatentes não desertaram suas posições, mas aqueles que permaneceram nas linhas de frente, de pupilas contraídas, respiração ofegante, ficaram "aterrorizados e tentavam se acalmar com orações", admite Abou Atal, um dos combatentes de Tahrir al-Sham. Um homem de outra brigada morreu em um setor vizinho. Ele se chamava Ibrahim Darwish e morreu no dia 18 de abril.
Na parte norte de Jobar, também alvo de um ataque similar, o general Abou Mohammed al-Kurdi, comandante da 1a Divisão do ELS (que reúne cinco brigadas), afirma que seus homens viram militares governamentais deixarem suas posições, antes que surgissem homens "usando macacões de proteção química", os quais teriam em seguida colocado no chão "uma espécie de pequenas bombas, como minas", que teriam começado a espalhar um produto químico na atmosfera.
Ele afirma que seus homens teriam matado três desses técnicos. Onde estavam os macacões de proteção apreendidos com os cadáveres? Ninguém sabe... Os soldados expostos naquela noite falaram que houve um grande pânico, uma corrida desenfreada. Não são civis ou fontes independentes que podem desmentir ou corroborar essas afirmações: ninguém mais vive em Jobar, fora os combatentes imbricados em diferentes fronts do bairro.
Isso não impede que seja constatado o efeito devastador dos gases empregados pelo governo sírio nas portas de sua própria capital. Num dia de ataque químico a uma zona do front de Jobar, no dia 13 de abril, o fotógrafo do "Le Monde" viu os combatentes que guerreavam nessas casas em ruínas começando a tossir, depois colocando suas máscaras de gás, aparentemente sem pressa, mas na verdade já expostos. Homens se agachavam, se sufocavam, vomitavam. Era preciso fugir imediatamente de lá. O fotógrafo do "Le Monde" sofreu durante quatro dias distúrbios visuais e respiratórios. No entanto, naquele dia as emanações de gás haviam sido concentradas em um setor vizinho.
Linha vermelha
Na falta de testemunhos independentes, inúmeras dúvidas pairam sobre a veracidade do uso de armas químicas, em geral, pelas forças governamentais, que possuem enormes estoques delas, sobretudo de gáses neurotóxicos, como o sarin. Vários países, como os Estados Unidos, a Turquia e Israel, declararam possuir elementos materiais que indicam a utilização de armas desse tipo, mas não comunicaram a natureza exata de suas provas, nem decidiram se, como havia prometido o presidente Obama em agosto de 2012, o uso de tais armas por parte do governo de Damasco constituiria a ultrapassagem de uma "linha vermelha" que pudesse levar a uma intervenção estrangeira na Síria contra o regime.
Já o governo acusa o ELS de também usar armas químicas, aumentando a confusão. Para se convencer da veracidade do emprego desses compostos por parte do Exército sírio em certos fronts, foi preciso então perguntar aos médicos que, no local, estão tentando tratar ou salvar os combatentes expostos a gases. No dia 8 de abril, no hospital Al-Fateh de Kafer Battna, o maior centro médico da região de Ghouta, largo bolsão rebelde a leste de Damasco, os médicos mostraram registros feitos com celulares de cenas de asfixia. Um pigarro terrível saía da garganta de um homem. Era o dia 14 de março, e, segundo a equipe médica, ele acabava de ser exposto a gases em Otaiba, uma cidade a leste de Ghouta, onde o governo sírio vinha conduzindo desde meados de março uma ampla operação para cercar as forças rebeldes e cortar sua principal rota de abastecimento.
Um desses médicos, o Dr. Hassan O.,descreve minuciosamente os sintomas desses pacientes: "As pessoas que chegam têm dificuldades para respirar. Elas têm as pupilas retraídas. Algumas vomitam. Eles não escutam mais nada, não falam mais, seus músculos respiratórios estão inertes. Se não forem tratadas com urgência, vão morrer." Essa descrição corresponde em todos os pontos àquelas feitas pelos outros médicos que encontramos no espaço de várias semanas nos arredores de Damasco, com algumas variações. Dependendo do lugar, os combatentes que foram vítimas afirmam que os produtos foram expelidos por simples projéteis, por foguetes, ou até uma forma de granada.
No front de Jobar, no quinto ataque desse tipo, no dia 18 de abril, os combatentes do ELS, comandados por Omar Haidar, dizem ter visto cair a seus pés um grande cilindro equipado de um dispositivo de abertura, com cerca de 20 centímetros de comprimento. Seriam armas químicas? E, nesse caso, emitindo que tipo de substâncias? Para responder com precisão a essa pergunta, seria preciso estabelecer um protocolo de investigação que as condições do conflito tornam difícil. Realizar tais amostragens em combatentes expostos às emanações a ponto de morrer ou serem hospitalizados, e depois enviá-los a laboratórios especializados no exterior. Um certo número delas foram realizadas e estão sendo analisadas.
Uma estranha rotina
Desde então, máscaras de gás passaram a ser distribuídas em Jobar, assim como seringas e ampolas de atropina, um produto injetável que anula os efeitos dos neurotóxicos como o gás sarin. Os médicos de Ghouta desconfiam que tenha sido usado esse neurotóxico inodoro e incolor cujo efeito coincide com as observações feitas no local. Segundo uma fonte ocidental informada, isso não impede que o governo sírio tenha recorrido a misturas de produtos, sobretudo com gases usados para conter tumultos (lacrimogêneo), para confundir as pistas e a observação dos sintomas.
Isso porque, caso seja provada a utilização de armas químicas pelas tropas de Bashar al-Assad, trata-se de uma questão grave. Portanto, é imprescindível dissimular. O uso de gases nos fronts é feito de maneira pontual, evitando o espalhamento maciço que constituiria facilmente um conjunto de provas irrefutáveis. Mas o fenômeno vem se repetindo: na quinta-feira (23), os rebeldes afirmaram que um novo ataque de armas químicas havia ocorrido em Adra, zona de confrontos muito duros entre o governo e os rebeldes ao nordeste de Damasco.
Na segunda metade de abril, os ataques a gás se tornaram quase que uma estranha rotina em Jobar. Nas linhas de frente, os rebeldes do ELS cuidadosamente adotaram o hábito de manter próximas suas máscaras, organizando sessões regulares de lavagem dos olhos, com seringas cheias de soro fisiológico. O efeito buscado por esses ataques parecia essencialmente tático, correspondendo a uma tentativa de desestabilização das unidades rebeldes em bairros onde os soldados do governo não conseguiram expulsá-los, sendo ao mesmo tempo um teste. Se as forças armadas sírias ousam usar armas químicas dessa forma em sua própria capital, sem desencadear uma reação internacional séria, isso não seria um convite para continuar com o experimento de forma mais ampla?
Até aqui, os casos de utilização de gás não foram isolados. O único oftalmologista da região, formado no exterior, atende em um pequeno hospital de Sabha cuja localização exata ele prefere não divulgar. Ele sozinho contou 150 pessoas atingidas no espaço de duas semanas. Perto das zonas atingidas pelos gases, ele organizou duchas para que os combatentes expostos aos produtos químicos pudessem se lavar e trocar de roupa para evitar que em seguida os funcionários das clínicas fossem contaminados.
Remédio de cavalo
Para salvar os soldados cujos problemas respiratórios sejam mais graves, é preciso levá-los pelo longo labirinto através de casas cujos muros foram perfurados, passar por trincheiras e túneis escavados para evitar os atiradores inimigos, até chegar a uma ambulância improvisada, estacionada em uma parcela um pouco recuada, e atacar ruas expostas a balas e projéteis, e pé na tábua para chegar até um hospital do front antes que os combatentes morram asfixiados.
No hospital islâmico de Hammouriya, instalado em um discreto galpão, o médico garantiu, no dia 14 de abril, ter recebido duas horas antes um combatente do front de Jobar, com grandes dificuldades respiratórias, e um ritmo cardíaco "enlouquecido". Para salvá-lo, ele diz ter efetuado quinze injeções seguidas de atropina, bem como hidrocortisona. Um remédio de cavalo, para um caso desesperador.
Na noite da véspera, uma das ambulâncias que tentava retirar homens intoxicados foi atingida pelos tiros de um sniper. O motorista ficou ferido. Na manhã seguinte, os socorristas conseguiram passar pela estrada em velocidade máxima, sob mira de um tanque, e chegaram a essa zona do front, onde uma nova leva de produtos químicos acabara de ser espalhada. "Quando chegamos, encontramos todos no chão", conta um enfermeiro de um outro centro hospitalar de Kaffer Batna, que não pode dar seu nome por medo de represálias contra sua família, que se encontra em zona governamental.
No decorrer da manhã, no corredor desse hospital instalado em um estacionamento subterrâneo para se proteger dos tiros de Mig ou da artilharia governamental, o caos dominava. Os soldados se encontravam estirados ao lado de cinco auxiliares de enfermagem, que por sua vez foram contaminados pelo contato. Ainda não haviam terminado a contagem de soldados, que iam chegando transferidos a partir do front, e já eram quinze no total. Correria até salas improvisadas, para distribuir oxigênio e dar injeções.
Medicamentos cada vez mais raros
O Dr. Hassan, responsável pelo hospital, está deitado em seu minúsculo escritório com uma máscara de oxigênio, enquanto lhe administram atropina. Ele fazia procedimentos de emergência há uma hora, quando perdeu a consciência e começou a se asfixiar. Esse homem vem lutando há meses para manter em atividade seu centro médico, ajudado por voluntários – alguns deles simples estudantes – sendo que o bloqueio da região pelas forças governamentais acaba tornando os medicamentos cada vez mais raros. Faltam anestésicos, e os cirurgiões improvisados são obrigados a usar produtos veterinários, como a cetamina. A morfina sumiu. E os estoques de atropina não devem durar por muito tempo. O médico retirou algumas amostras que saíram clandestinamente da região, atravessando inúmeras dificuldades. Serão necessárias ainda algumas semanas para saber o resultado da análise.
A crise na Síria em fotos
Os enviados especiais do "Le Monde" foram até oito centros médicos da parte leste de Ghouta, e só encontraram dois estabelecimentos cujos responsáveis médicos declararam não ter recebido combatentes ou civis atingidos por ataques de gás. Em Sahibiyya, os médicos receberam até sessenta casos em um único dia, provenientes do front de Otaiba, no dia 18 de março. A modesta estrutura não tinha condições de enfrentar esse fluxo, especialmente por causa da falta de oxigênio. Houve cinco mortes por asfixia. Alguns dias mais tarde, cientes da gravidade da situação, os médicos mandaram exumar os restos mortais dessas vítimas na presença de autoridades locais e religiosas e retiraram amostras de tecido que tentaram enviar para um país vizinho. Algumas dessas amostras foram entregues a um pequeno grupo de combatentes que tentaram romper o bloqueio da região pelas forças governamentais. Nesse dia, os médicos de Nashibiyya diziam ignorar se as amostras haviam chegado ao destino certo.
"Os doentes enlouqueceram"
A uma dezena de quilômetros de lá, no hospital de Duma, controlado pela brigada Al-Islam, os médicos dizem ter recebido 39 pacientes após o ataque químico do dia 24 de março na cidade de Adra. Dois homens morreram no local. Um dos médicos observa que ao final de dois dias "os doentes enlouqueceram". Marwane, um combatente presente nas instalações do ataque de Adra, afirma ter visto "foguetes chegando ao front e soltando uma luz laranja", e que durante sua própria transferência até o hospital, ele viu "três homens morrerem nos veículos na estrada". No contexto de caos que reina na região de Ghouta, civis e militares muitas vezes morrem antes de conseguirem chegar a um centro médico.
Adra, Otaiba e Jobar são os três pontos onde o uso de gás foi descrito pelas fontes locais desde o mês de março na região de Damasco. Mas surgiu uma diferença: em Jobar, os produtos foram utilizados de maneira mais prudente e mais localizada. Em compensação, nos fronts mais afastados, como Adra e Otaiba, as quantidades estimadas em relação ao número de casos ocorridos simultaneamente nos hospitais foram maiores.
Mas atender vítimas de ataques químicos não é a única atividade dos hospitais da região. Duas horas antes da chegada dos enviados especiais do "Le Monde", quatro crianças de corpos dilacerados, despedaçados por bombas de Mig haviam sido levadas em urgência até Duma. Mal foram estabilizadas, tiveram de deixar o hospital sem esperança de serem retiradas da Síria. Provavelmente como muitos outros, elas morreram no caminho. Os enfermeiros filmaram esses corpos sofridos, esses berros de dor. "Isso acontece todos os dias, e para nós é ainda mais grave que os ataques químicos: chegamos a esse ponto", comenta, com um olhar arrasado, o médico que tampouco pode dizer seu nome.
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