Governo tira orientação sobre camarão; medida pode afetar mangue
No momento crítico que os manguezais estão passando, em meio ao derramamento de óleo no Nordeste, o governo federal fez uma alteração em um plano de proteção que pode vir a fragilizá-los ainda mais. À revelia de pareceres contrários de seu corpo técnico, o presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) publicou no dia 30 uma alteração no Plano de Ação Nacional (PAN), revogando um item que previa ações para a erradicação de carcinicultura (criação de camarão em cativeiro) e a recuperação dos sistemas já afetados.
A mudança foi feita após pedido do secretário da Pesca, Jorge Seif Júnior - o mesmo que afirmou na quinta-feira que os peixes são inteligentes e fogem quando veem óleo e, por isso, não haveria problema em comer pescado no Nordeste. A secretaria é ligada ao Ministério da Agricultura.
De acordo com o ICMBio, os PANs são instrumentos de políticas públicas que identificam e orientam ações prioritárias para combater as ameaças que põem em risco populações de espécies e os ambientes naturais. Existem PANs para mais de 60% das espécies brasileiras ameaçadas de extinção. O dos manguezais foi o primeiro a contemplar todo um ecossistema. Cada PAN conta com um grupo de assessoramento técnico (GAT), mas todos foram extintos no começo deste ano quando o presidente Jair Bolsonaro decretou um "revogaço". Por isso, precisaram ser reeditados.
Criado em janeiro de 2015, o PAN Manguezal tinha vigência até janeiro do ano que vem. Ele foi republicado por meio de portaria do ICMBio no dia 10 de setembro, nos mesmos termos da versão original. Logo na sequência, conforme apurou o Estado, Seif Júnior entrou em contato com o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, pedindo a revogação do objetivo 9 do PAN - justamente o que estabelecia ações contra a carcinicultura. No dia 16, ele enviou um ofício formal ao presidente do ICMBio, Homero de Giorge Cerqueira, alegando que o item contraria o Código Florestal.
A lei, reformulada em 2012, considera manguezais como áreas de preservação permanente, mas permite cultivos no chamado apicum, um trecho mais seco e sem árvores. O Estado teve acesso a toda a documentação do processo interno dentro do ICMBio. Houve várias manifestações técnicas das coordenações responsáveis a favor do objetivo 9 e até mesmo um parecer jurídico da Procuradoria Federal especializada.
Explicação
A carcinicultura, explica a oceanógrafa Yara Schaeffer-Novelli, professora sênior da USP, é considerada danosa para o sensível ambiente dos manguezais, que servem de berçário para diversas espécies, além de serem fonte econômica para diversas comunidades de pescadores e marisqueiras. Yara fez parte do GAT até o começo deste ano, quando foi extinto. Ela estava fazendo justamente um estudo sobre impacto da carcinicultura nos manguezais. "A exclusão desse item acaba fazendo com que esses resultados acabem sendo jogados para debaixo do tapete."
Segundo ela, um dos problemas é que os manguezais são ecossistemas de usos múltiplos. "A carcinicultura acaba tirando isso. Além disso, é introduzida uma espécie exótica naquele ambiente e os despejos da água dos tanques, com alimentação dos camarões, com antibióticos, vão parar no estuário", explica Yara. A pesquisadora lembra ainda que a maior parte dessas fazendas de camarão está justamente no Rio Grande do Norte e no Ceará, alguns dos Estados mais afetados pelas manchas de óleo. Ela pondera também que, apesar da permissão do Código Florestal, boa parte do cultivo é ilegal e escapa dos apicuns, atingindo outras áreas dos manguezais. O ICMBio, o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério da Agricultura foram procurados, mas não se manifestaram.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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