'Escândalo internacional': as reações ao fim do combate ao desmatamento anunciado pelo governo
A partir da segunda-feira (31/08), 16 aeronaves, 144 veículos e mais de 2 mil agentes dos órgãos ambientais Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) deixarão de atuar no combate ao desmatamento na Amazônia e em queimadas no Pantanal. O motivo é um corte de verbas, anunciado na sexta-feira pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA).
Segundo a pasta, a decisão de bloquear R$ 20 milhões para o Ibama e R$ 39,7 milhões do ICMBio veio da Secretaria de Governo e da Casa Civil da Presidência, e se soma "à redução de outros R$ 120 milhões já previstos como corte do orçamento na área de meio ambiente para o exercício de 2021", conforme diz nota do próprio MMA.
No começo da noite, no entanto, o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, disse que Ricardo Salles "se precipitou" a respeito da suspensão das operações, e que elas vão continuar. Mourão é o presidente do Conselho Nacional da Amazônia, criado em abril.
Segundo ele, o governo está buscando recursos para permitir que o trabalho continue na Amazônia e no Pantanal. Ele também prometeu que os R$ 60 milhões do Ibama e do ICMBio não serão bloqueados.
O anúncio da interrupção de atividades de fiscalização vem em um momento crítico para os dois biomas. Segundo dados de satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), neste ano houve alta de 34% no desmatamento da Amazônia (comparando o período de agosto de 2018 a julho de 2019, versus agosto de 2019 a julho de 2020).
Ainda de acordo com dados do Inpe, no Pantanal, entre o início de janeiro e o dia 12 de agosto deste ano, houve alta de 242% no número de focos de incêndio no Pantanal em comparação com o mesmo período do ano anterior. De janeiro a julho deste ano, foram registrados 4.218 focos de incêndio em todo o Pantanal. Nos mesmos meses em 2019, foram 1.475 registros.
'Território livre para o crime ambiental'
Ambientalistas e políticos ouvidos pela BBC News Brasil avaliam que o anúncio é grave e com potencial para gerar uma reação internacional.
"É uma notícia que terá repercussão mundial", resume o climatologista Carlos Nobre, ex-presidente do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas.
"É muito grave porque sinaliza àqueles cometendo ilegalidades, com incêndios e desmatamentos ilegais, de que o risco de punição - que já não era muito alto, nos últimos anos - não existe. O território fica completamente livre para o crime ambiental."
"Me parece que o anúncio reflete uma situação real de orçamento muito difícil, por muitos anos, e em particular neste devido à covid-19. Esse orçamento não está sendo disponibilizado para as ações de fiscalização e o MMA quer, de certo modo, se isentar da relativa ineficiência de se combater as queimadas e desmatamento. É como se livrar da responsabilidade e colocar a responsabilidade na área orçamentária do governo federal."
Especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama, Suely Araújo afirma que o anúncio "parece um teatro para militarizar de vez a fiscalização na Amazônia e, ao mesmo tempo, usar orçamento como desculpa falsa para se isentar de responsabilidade pela explosão do desmatamento e das queimadas".
"Os recursos bloqueados são pequenos demais para fazer diferença no caixa governamental. Se têm dinheiro para a GLO (operações de Garantia da Lei e da Ordem, executadas pelas Forças Armadas), que custa R$ 60 milhões por mês e traz poucos resultados, podem assegurar financeiro para o Ibama e o ICMBio trabalharem", avalia.
"O Ibama só gastou 25% dos recursos que tinha para fiscalização até agora. A autarquia tem dinheiro para o pagamento dos contratos de locação de helicópteros e caminhonetes pelo projeto Profisc 1-B do Fundo Amazônia - não precisa de autorização da Fazenda, é só executar. Ainda tem R$ 62,9 milhões de financeiro do Fundo Amazônia para usar até abril de 2021. O Ibama também possui recursos disponíveis dos R$ 50 milhões que entraram pela decisão do STF sobre a Lava-Jato, para serem aplicados na fiscalização do desmatamento e no combate ao fogo. Desse total, só usou R$ 13,7 milhões até agora."
A ONG WWF-Brasil também divulgou nota destacando que há verbas previstas para o Ibama não executadas.
"Um dado que chama a atenção é que o Ibama gastou até dia 30 de julho apenas 19% dos recursos orçamentários deste ano previstos para prevenção e controle de incêndios florestais."
"(O anúncio) reforça a mensagem que vem sido emitida pelo governo federal de que o crime não será punido, e, portanto, compensa", completa a nota.
O engenheiro agrônomo Luis Fernando Guedes Pinto, do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), também considera o anúncio destoante de compromissos recentes do governo na área ambiental.
"É uma enorme contradição. O Ministério do Meio Ambiente cria uma nova estrutura, uma secretaria da Amazônia, uma área das mudanças climáticas, mas não executa o orçamento do Ibama; investe um dinheiro enorme em operações militares; e o que a gente encontra é um aumento do desmatamento."
Presidente da Frente Parlamentar Ambientalista, Rodrigo Agostinho (PSB-SP) diz que, apesar de já haver anteriormente uma expectativa de contingenciamento, "ninguém imaginava um corte tão alto".
"É uma total falta de sensibilidade do Ministério da Economia e a total inabilidade (do Ministério do Meio Ambiente) de soltar uma nota como essa", avalia Agostinho, dizendo que o governo deveria ter se esforçado para remanejar verbas dentro do orçamento, garantindo a sustentação financeira às operações.
"É um escândalo de dimensões internacionais, para mim configura crime de responsabilidade e mostra que o Parlamento terá que tomar uma atitude semana que vem", diz, acrescentando que irá avaliar com a Presidência da Câmara sobre ações possíveis no Legislativo.
"O combate ao desmatamento já vinha sendo feito de forma precária, muito aquém do necessário, e agora isso vai ser colocado de lado. Não faz sentido."
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