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Você sabia que o Brasil exporta trilhões de litros de "água virtual"?

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Imagem: Shutterstock

Do UOL, em São Paulo

22/03/2016 06h00

Há um ano, a falta de água era uma das maiores preocupações do Brasil, atingindo gravemente a região Sudeste. Os reservatórios do Sistema Cantareira, em São Paulo, atingiram o chamado "volume morto", e a foz do rio Doce, no Espírito Santo, ficou praticamente seca --isso antes do rompimento das barragens em Mariana (MG). As chuvas deste ano atenuaram um pouco o problema, mas fatores que colocam em risco a segurança hídrica no país continuam existindo.

Algo que preocupa pesquisadores é o impacto do consumo e venda de centenas de trilhões de água doce para outros países. Ela não vai embora em garrafas ou galões, e sim incorporada em produtos que circulam no mercado internacional, como as commodities agrícolas. É a chamada "água virtual", cujo Brasil é um dos maiores exportadores globais.

Segundo a Unesco, a agropecuária faz com que o país envie indiretamente para o exterior cerca de 112 trilhões de litros de água doce por ano – o equivalente a 45 milhões de piscinas olímpicas.

O conceito, criado pelo britânico Anthony Allan em 1993, refere-se à quantidade de água utilizada para produzir algo em um determinado local, porém destinado para ser consumido em outro lugar. Estabelece-se, assim, um fluxo virtual de água entre países. A agropecuária é a atividade que mais consome água no Brasil e no mundo, respondendo por cerca de 70% do total retirado dos mananciais, segundo dados da ONU.

Cada grão de soja que nasce e vai para exportação consome uma grande quantidade de água. "A água virtual é a água utilizada em toda a cadeia de produção", explica Maria Victoria Ramos Ballester, professora do Cena (Centro de Energia Nuclear na Agricultura) da USP, em Piracicaba.

Segundo Ballester, para se produzir e exportar um litro de etanol a partir da cana, é consumido, em média, 1.500 litros de água.

"Entra na conta a água de chuva que planta utiliza, a água usada no proceso de refino, a que está no combustível do caminhão que transporta o produto final, etc.", afirma a pesquisadora. "Multiplicando isso pela quantidade que é exportada, conseguimos saber a quantidade virtual de água exportada e importada por cada país", completa.

Trilhões de litros de água, de graça

A exportação de commodities agrícolas possui destaque na economia brasileira. O setor agropecuário compõe cerca de um quarto do PIB do país, participando de quase metade do total exportado pelo Brasil. 

Os números colocam o Brasil entre os cinco maiores exportadores de água virtual do mundo, entre países como Índia, Argentina, EUA e Austrália. A água que perdemos com a exportação de soja, milho, açúcar e carne não é cobrada de forma direta, sendo usufruída "gratuitamente" pelos países consumidores. Nos últimos anos, o maior consumidor do agronegócio brasileiro foi a China.

A China importa água de outros países como o Brasil e isso é uma política pública para lidar com a escassez hídrica

Maria Victoria Ramos Ballester, professora da USP

"É só um exemplo de país que faz isso. Eles possuem problemas como o de contaminação de recursos hídricos, apesar de não haver muitos dados divulgados", completa.

Segundo a professora, que estuda como a exportação de água virtual afeta o balanço hídrico na região do Alto Xingu, no Mato Grosso, os países importadores encontram nesse fluxo indireto de água uma solução para as pressões sobre suas fontes hídricas. Enquanto isso, quem vive nas áreas de produção ficam mais dependentes de irrigação. 

Problemas e soluções

O fluxo internacional de água poderia ser visto como uma forma de balancear a distribuição desigual de água no planeta. Assim, uma região com escassez de água teria como, através do comércio, reduzir a pressão sob suas fontes hídricas, adquirindo produtos de locais com abundância de água. 
 
O impacto socioambiental de atividades que promovem a exportação de água virtual poderia ser minimizado por políticas de gestão de recursos hídricos que incorporassem a cobrança pelo uso de água
bruta.  
 
Para o pesquisador Arjen Hoekstra, da Universidade de Twente, na Holanda, "aumentar a eficiência do uso da água, ou seja, produzir os mesmos alimentos com menos água", é um dos caminhos para evitar crises hídricas em países produtores. "Isso pode ser feito com melhor tecnologia de irrigação e boas práticas. A poluição pode ser reduzida com a prática da agricultura orgânica [sem agrotóxicos]".