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MP investiga acúmulo ilegal de atividades de ex-ouvidor ambiental de SP

Maurício Tuffani*

Colaboração para o UOL, em São Paulo

09/05/2017 12h37

Desde o dia 4 de maio o advogado Roberto Pitaguari Germanos não é mais ouvidor da SMA (Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo). Ele acumulava o cargo com atividades legalmente incompatíveis com sua função. Em abril, o Ministério Público abriu investigação sobre atos que praticou e podem até vir a ser anulados, informou o promotor Silvio Antonio Marques, da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital.

A legislação estadual considera a função de ouvidoria como independente e de dedicação exclusiva e proíbe seu acúmulo com outras atividades. Apesar disso, o secretário estadual do Meio Ambiente, Ricardo Salles (PP), nomeou Germanos para essa função em agosto do ano passado, mantendo-o não só com atribuições que já tinha, como também o designou para outras, inclusive em instâncias deliberativas.

Germanos já havia sido designado em agosto por decreto do governador Geraldo Alckmin (PSDB) para ser conselheiro suplente no Consema (Conselho Estadual do Meio Ambiente), que aprova estudos de impacto ambiental e autorizações para licenciamento de obras e outros empreendimentos.

Em setembro, poucos dias após ter escolhido Germanos para ser ouvidor, o secretário Salles o designou como membro da Câmara de Compensação Ambiental, que decide sobre uso de recursos financeiros pagos por empreendedores com base no licenciamento de obras e outras atividades geradoras de impacto ambiental.

O ouvidor ambiental 'faz-tudo' de SP

O que diz a legislação (decreto estadual 60.399/2014)
• Ouvidor é a função exercida por mandato, de dedicação exclusiva
• A administração deve resguardar a autonomia e a independência das ouvidorias
• É vedado aos ouvidores acumular funções ou atribuições alheias às suas competências

Na SMA (Secretaria do Meio Ambiente estadual de SP), o ouvidor era também: 
• Conselheiro suplente no Conselho Estadual do Meio Ambiente
• Membro de comissões de sindicâncias investigativas
• Membro da Câmara de Compensação Ambiental, que decide aplicação de recursos
• Representante da SMA no Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico
• Advogado acompanhante de funcionários da SMA em depoimentos em inquéritos do Ministério Público
• Membro da comissão de avaliação de propostas para chamamento público para concessão e venda de 34 áreas florestais

Conflito de interesses

A instauração do inquérito pela promotoria e o subsequente desligamento do ouvidor de seu cargo pela SMA foram importantes para evitar a continuidade do risco de conflito de interesses, afirmou Juliana Sakai, coordenadora de projetos da Transparência Brasil. “Mas é importante que sejam esclarecidos os fatos sobre os atos que foram praticados nessa situação”, acrescentou.

Para a dirigente da ONG, a legislação paulista é “bastante adequada” por considerar a ouvidoria função de dedicação exclusiva e por proibir o acúmulo de atribuições que pode comprometer a independência e a autonomia dessa atividade.

O próprio promotor que instaurou a investigação se surpreendeu ao constatar pessoalmente que Germanos, na condição de advogado, acompanhou depoimentos ao Ministério Público de funcionários da SMA investigados em outros inquéritos, “inclusive assinando termos de declarações, apesar de ser ouvidor da pasta”. “Inacreditável”, resumiu Marques.

Foi uma situação absurda de conflito de interesses, quase uma piada” Advogada Helena Goldman

“Procurei a ouvidoria para reclamar de uma reunião a portas fechadas sobre assunto de interesse público, e lá descobri que o próprio ouvidor era justamente um dos responsáveis pela reunião e também pela avaliação de propostas para negociar áreas florestais”, acrescentou.

A advogada, que representa a APqC (Associação do Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo) se referiu a uma audiência em janeiro da SMA com particulares interessados em seu chamamento para concessões e vendas de 34 unidades do Instituto Florestal. Não há autorização legislativa para alienar essas áreas nem para concessão de 25 delas.

Em abril, a Justiça suspendeu esse chamamento, atendendo o pedido de ação civil pública ajuizada pela Promotoria de Meio Ambiente da Capital. A participação de Germanos será investigada pelo inquérito sobre a acumulação de atividades.

Germanos também foi designado para participar de cinco comissões encarregadas de conduzir apurações preliminares em sindicâncias que podem resultar em processos administrativos disciplinares contra funcionários. Dessas cinco comissões, quatro são presididas pelo secretário-adjunto da SMA, Antonio Velloso Carneiro, também advogado.

Risco de nulidade

Junto com Salles e Carneiro, Germanos foi fundador em 2006 do Movimento Endireita Brasil. “Há duas confusões. A primeira é a associação automática entre direita e conservadorismo: há pessoas de direita que não são conservadoras. A segunda é a identificação da direita com a ditadura, o que não faz sentido”, afirmou  Germanos em 2011 à Folha.

Além do comprometimento de sua independência e sua autonomia no cargo que ocupou pelo acúmulo com outras atividades nas quais foi subordinado a Salles e a Carneiro, a atuação de Germanos como ouvidor é questionada também por seu envolvimento com o secretário e o adjunto pelo menos desde a fundação dessa agremiação de caráter político-ideológico, afirmou um procurador do Estado aposentado sob condição de anonimato.

“Além de, por um lado, levantar suspeita contra a atuação da ouvidoria, especialmente na apuração de reclamações contra o secretário e seu adjunto, esse comprometimento pode ser um forte argumento em favor da nulidade, pela Justiça, de atos da administração, a começar pelas sindicâncias das quais ele participou”, disse o procurador.

Sem respostas

Germanos continua na SMA, e em um dos principais cargos da pasta. Ele agora comanda a Coordenadoria de Parques Urbanos. Segundo o Portal da Transparência do Estado de São Paulo, ele ocupa função de confiança da Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental) e está afastado para trabalhar no gabinete de Salles, que o levou para sua equipe logo após ser nomeado em julho por Alckmin (PSDB) para comandar a SMA.

Procurada na tarde de ontem por meio de sua assessoria de imprensa, a Ouvidoria Geral do Estado de São Paulo não comentou a acumulação de atividades por Germanos nem informou se tomou alguma medida. O órgão foi questionado sobre o assunto nos dias seguintes à reportagem de 23 de março no Direto da Ciência, e desde então não deu respostas.

Questionados por meio da Gerência de Comunicação da SMA, Roberto Pitaguari Germanos e o secretário Ricardo Salles, que também é representado no inquérito instaurado pelo Ministério Público, não responderam aos questionamentos da reportagem.

* Maurício Tuffani é editor do site Direto da Ciência