O que muda com o projeto de lei de agrotóxicos em discussão no Congresso?
A aprovação discreta de um projeto de lei em uma comissão especial da Câmara dos Deputados, no último dia 25, provocou uma reação negativa de ambientalistas. Apelidada pelos críticos de "Pacote do Veneno", a proposta muda as regras para o uso de novos agrotóxicos no Brasil.
O novo texto ainda precisa passar pelo plenário da Câmara. Para entrar em vigor, também terá que passar pelo Senado e receber a sanção presidencial.
A discussão só deve ser retomada em agosto, depois do recesso parlamentar. Com a proximidade da campanha eleitoral e diante da polêmica em torno do projeto, existe a chance de que a votação só aconteça depois de conhecido o resultado das urnas.
Confira abaixo uma série de perguntas e respostas sobre o que pode mudar na legislação se o projeto de lei for aprovado.
Por que o novo projeto de lei está em discussão?
As regras atuais para o uso de agrotóxicos são definidas pela lei 7.802, de 1989, que foi regulamentada dois anos depois e passou por pequenas modificações.
Em 2002, o senador Blairo Maggi (PP-MT), atual ministro da Agricultura, apresentou um projeto de lei (PL 6.299/2002) que serviu de base para o texto que os deputados agora estão discutindo.
Autor do texto final, que levou em consideração outras propostas para mudar a lei, o deputado Luiz Nishimori (PR-PR) diz que o objetivo do projeto é acelerar o processo de registro de "substâncias mais modernas, desenvolvidas a partir de anos de pesquisas científicas, ainda mais seguras do que as utilizadas atualmente".
Já críticos do novo projeto de lei dizem que a legislação atualmente em vigor, apesar da necessidade de atualizações pontuais, é mais adequada para a proteção da saúde humana e do meio ambiente.
Como alternativa, os opositores da proposta defendem a aprovação de outro texto, que institui uma Política Nacional de Redução de Agrotóxicos.
Quem defende o projeto de lei 6.299/2002?
A proposta em discussão no Congresso tem o apoio da bancada ruralista e de órgãos e associações ligadas à indústria química e ao agronegócio. A Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa e Agropecuária), que é vinculada ao Ministério da Agricultura, também se pronunciou a favor do projeto de lei.
Quem é contra a proposta?
Os opositores do novo projeto de lei incluem ONGs ambientalistas, como o Greenpeace, e outras entidades ligadas à saúde e ao meio ambiente, incluindo órgãos governamentais como o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
A proposta também é alvo de críticas de uma campanha que recebeu o apoio de celebridades como a apresentadora Bela Gil, o cantor Caetano Veloso, o ator Marcos Palmeira e a chef Paola Carosella.
Quais as principais mudanças previstas pelo projeto de lei?
As maiores polêmicas em torno do debate da proposta giram em torno de quatro pontos:
1– Quem autoriza a liberação
Como é hoje – A legislação atual prevê que os Ministérios da Saúde, do Meio Ambiente e da Agricultura compartilhem a responsabilidade de decidir sobre a liberação ou não de novos agrotóxicos.
A Anvisa avalia o impacto para a saúde humana, o Ibama analisa os efeitos ambientais e o Ministério da Agricultura considera o interesse agronômico. Qualquer um dos três órgãos pode barrar um produto.
O que prevê o projeto de lei – A proposta centraliza o processo de registro de novos agrotóxicos no Ministério da Agricultura. A Anvisa e o Ibama ainda são encarregados pelas análises em saúde e meio ambiente, mas a decisão final cabe à pasta da Agricultura.
O que diz quem defende a mudança – Para quem apoia o projeto, a centralização do processo resulta em uma maior integração entre os três órgãos governamentais, o que contribui para a redução da burocracia e uma maior rapidez na liberação de novas tecnologias de combate a pragas agrícolas.
O que diz quem é contra a mudança – Os opositores da proposta afirmam que a perda de poder da Anvisa e do Ibama é uma manobra para conceder maior autonomia ao Ministério da Agricultura na liberação de novos agrotóxicos. Assim, argumentam, a tendência é que interesses econômicos do agronegócio prevaleçam sobre aspectos ambientais e de saúde --o que poderia resultar em um ambiente mis permissivo em relação ao uso de agrotóxicos nocivos.
2 – Critério de avaliação
Como é hoje – Atualmente, são proibidos pela lei agrotóxicos que, em estudos experimentais com animais, tenham apresentado características carcinogênicas (que podem provocar câncer), teratogênicas (que podem causar malformações em fetos), mutagênicas (que podem resultar em alterações no DNA) ou que possam levar a distúrbios hormonais. A análise se baseia em uma avaliação do grau de toxicidade das substâncias.
O que prevê o projeto de lei – A proposta substitui a análise do perigo da substância por uma avaliação de risco, que considera não apenas a sua toxicidade como também outras variáveis, como a dosagem, o tempo e o tipo de exposição ao agrotóxico, as condições climáticas e o uso de equipamento de proteção individual. O texto proíbe apenas produtos que apresentem "risco inaceitável" para seres humanos ou o meio ambiente, segundo essa análise.
O que diz quem defende a mudança – Os defensores do projeto afirmam que a análise de risco moderniza a legislação, uma vez que permite o uso da tecnologia para conter os possíveis danos do agrotóxico à saúde e ao meio ambiente.
Eles acrescentam que esse tipo de avaliação é mais eficiente e aumenta a oferta de produtos para combater as pragas que prejudicam a produção agrícola no país.
O que diz quem é contra a mudança – Para quem critica o projeto, o fim da proibição a substâncias com alto grau de toxicidade abre uma brecha para mais casos de intoxicação humana e contaminação ambiental.
Além disso, a ausência de critérios mais claros para a definição de "risco inaceitável" poderia servir para um controle menos rigoroso do uso de agrotóxicos. Por fim, Anvisa e Ibama já manifestaram a preocupação de que o governo atualmente não tem estrutura técnica suficiente para realizar a análise de risco dos produtos.
3 – Prazos para liberação de novos agrotóxicos
Como é hoje – A legislação em vigor diz que os órgãos federais devem realizar a avaliação técnico-científica para a liberação de novos agrotóxicos no prazo de 120 dias. Mas, na prática, o processo de análise pode levar entre cinco e oito anos. Essa é uma das maiores queixas de fabricantes e agricultores.
O que prevê o projeto de lei – O texto estipula que a liberação de novos agrotóxicos deve ser definida dentro de um prazo que varia entre 30 dias e dois anos, de acordo com o tipo de produto.
Caso os cronogramas não sejam cumpridos, os fabricantes podem solicitar uma autorização temporária para comercializar seus produtos até que a análise seja concluída. Para isso, é preciso que esses agrotóxicos já tenham sido liberados em pelo menos outros três países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
O que diz quem defende a mudança – A definição dos prazos e a criação do registro temporário é apontada pelos defensores do projeto de lei como um dos principais avanços da proposta. Eles afirmam que essas medidas reduzem a burocracia e a demora para a liberação de novos agrotóxicos.
Com isso, dizem que os agricultores terão acesso mais rápido a tecnologias já usadas no exterior e não correrão mais o risco de ver esses produtos liberados apenas quando já estiverem obsoletos.
O que diz quem é contra a mudança – Os críticos da proposta afirmam que essas novas regras representam um grande risco, uma vez que autorizam o uso de agrotóxicos que ainda estão em análise e podem ser prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.
Além disso, reclamam que o Brasil delegaria a outros países da OCDE a responsabilidade pela liberação de agrotóxicos que serão usados em seu território e terão impacto no bem-estar de sua população.
4 – A definição de agrotóxicos ou pesticidas
Como é hoje - Toda a legislação atual se refere aos produtos químicos usados no combate a pragas na agricultura como agrotóxicos.
O que prevê o projeto de lei – A proposta em discussão no Congresso substitui o termo "agrotóxico" por "pesticida". O texto originalmente proposto com o apoio da bancada ruralista usava ainda uma outra denominação: "produto fitossanitário".
O que diz quem defende a mudança – A decisão de mudar o termo que designa os agrotóxicos se baseia na avaliação de que se trata de uma definição depreciativa, que só é utilizada no Brasil. A mudança também adequaria o termo brasileiro à forma mais comum na nomenclatura internacional, que varia a partir dos componentes pestis (enfermidade epidêmica ou pandêmica) e cida (o que mata).
O que diz quem é contra a mudança – Os grupos que criticam o projeto afirmam que a substituição do termo é uma artimanha para tentar omitir a relação entre a toxicidade desses produtos e os riscos deles para a saúde das pessoas e o meio ambiente.
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