Chuvas no semiárido apontam fim de ciclo de secas e melhora na agricultura
Na zona rural de Arapiraca (AL), a agricultora Locita dos Santos, 42, é o símbolo da esperança que dominou o semiárido nordestino em 2018. No final de junho, ela arava a terra para dar início ao tradicional plantio, com a expectativa de fartura que não ocorrera nos últimos seis anos. "Espero muito que agora melhore e consiga plantar minha mandioca, feijão, milho. Nos anos passados, o que plantamos perdemos", conta.
O motivo é simples. As chuvas do primeiro semestre deste ano em boa parte do semiárido mostram uma recuperação da vegetação e apontam que a região deve estar encerrando o ciclo de praticamente sete anos de secas consecutivas.
"Desde fevereiro, percebemos a mudança no mapa da cobertura vegetal com o início da quadra chuvosa no semiárido. As chuvas, em média, especialmente nos estados mais ao norte, na Paraíba e em parte de Pernambuco, foram acima da média, o suficiente para recuperar essa vegetação. Em outras partes, choveu menos por uma variabilidade natural. Mas o mais importante é que aquele ciclo de quase sete anos de secas consecutivas foi encerrado", afirma Humberto Barbosa, coordenador do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites, localizado na Ufal (Universidade Federal de Alagoas).
Na terra de Eduardo Rodrigues, 67, também em Arapiraca, as plantações de abacaxi e maracujá brotam após as chuvas. "Antes, eu tinha de carregar nas costas água de um riacho aqui perto para poder ter minha produção. Neste ano, não, tudo melhorou", explica.
Índices mostram melhora
Além da vegetação, outros índices mostram avanços. Segundo o monitor das secas da ANA (Agência Nacional de Águas), o percentual do semiárido sem seca é o maior desde julho de 2014, quando o sistema foi lançado. Em abril deste ano, esse índice alcançou 32,6%. Já em maio (último mês disponível), esse índice teve uma pequena queda para 31,9%, o que é natural pelo fim da quadra chuvosa em parte da região.
"Sabendo que o mês de maio está inserido no período mais chuvoso da faixa leste do Nordeste brasileiro, verificou-se que as chuvas nesse mês ficaram em torno da normalidade em grande parte da região", informa o boletim.
Outro índice que mostra o bom desempenho de chuvas na região é o sistema Olho N'Água, do órgão federal Insa (Instituto Nacional do Semiárido). Em janeiro, os reservatórios da região acumulavam apenas 11,4% da capacidade total; no início de julho, esse índice quase que dobrou e alcançou 21,6%.
Para a produção agrícola, o ano foi bem satisfatório, mas a capacidade dos reservatórios ainda está bem abaixo do esperado
Humberto Barbosa, meteorologista da Ufal (Universidade Federal de Alagoas)
"Ainda leva um tempo, precisa de anos de chuva. É essa a dinâmica da região", explica Barbosa. "Até meados de 2017, o El Niño perde força e o La Niña entra. A partir de abril, o La Niña entrou em fase neutra, condição que pode durar até o início de 2019", completa.
Segundo o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisa Espacial), o fenômeno do El Niño representa o aquecimento anormal das águas superficiais e subsuperficiais do oceano Pacífico Equatorial --o que tem como um dos efeitos a diminuição das chuvas na região Nordeste. Já o La Niña significa o esfriamento de águas do Pacífico.
Volta das feiras
Um dos reflexos do retorno da chuva é a volta das feiras agroecológicas em praticamente todo o semiárido do Nordeste. Como a produção desses alimentos é feita com base no ciclo natural deles, a presença das chuvas é fundamental, e a seca fez com que muitas dessas feiras ficassem inativas.
"As chuvas foram fundamentais, e os agricultores já prepararam a terra, e outros já estão começando a colher alguns produtos e levando para a feira", explicou Gleice Mary Gomes da Silva, que coordena a feira de Igaci, no agreste de Alagoas.
Silva explica que as feiras têm um viés econômico importante, já que a finalidade é garantir alimentos para consumo da família e renda com a venda do excesso. "Eles têm conseguido produzir com sobra, que vendem na feira e também através dos programas de compras governamentais. Isso garante segurança alimentar de milhares de pessoas", afirma.
Chuva forte, mas desigual
O coordenador de programas da ASA (Articulação do Semiárido), Antônio Barbosa, lembra que, mesmo com as chuvas acima da média, ainda é cedo para falar em fim completo da seca --a ASA é uma associação não governamental que congrega mais de mil outras entidades (entre sindicatos, associações comunitárias etc.) do semiárido. "Não dá para dizer que saiu da seca, mas melhorou consideravelmente. Sair da seca requer um pouco mais de água."
Ele diz que, pela dimensão do semiárido, a região tem estações chuvosas diferentes, e o ano não foi bom por igual em todas as áreas. "As chuvas tiveram uma distribuição totalmente desigual, e há regiões do semiárido que ainda têm áreas de seca. E no geral, ela foi irregular, o que é ruim para a agricultura", aponta.
Mas ele cita que, apesar de não ser suficiente para voltar a um nível de normalidade, os reservatórios melhoraram com as recargas. O exemplo é a represa de Sobradinho, na Bahia, que está com 34% de sua capacidade. No ano passado, nesta mesma época do ano, tinha 17%.
"Para o sertanejo, a chuva também foi muito importante para recompor o pasto para os animais e encher as cisternas, que voltaram a um patamar muito interessante", explica.
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