30 anos sem Chico Mendes: filha termina Direito e quer seguir legado do pai
Em 20 de dezembro de 1988, o seringueiro e ambientalista Chico Mendes pegou no colo a filha Elenira, então aos 4 anos, e pediu: se ele morresse (o que aconteceria dois dias depois), queria que a garota se tornasse advogada para defender "as pessoas da floresta".
Hoje, trinta anos depois do assassinato de Chico Mendes, morto a tiros de escopeta na porta de casa em Xapuri (AC), Elenira Mendes, 34, está mais perto de realizar o desejo do pai. Ela concluiu a graduação em Direito este ano e, nos próximos meses, presta o exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
"Eu já era formada em administração, fiz duas especializações, mas sempre pesou muito esse desejo dele. Ele dizia que precisava ser advogada e defender os menos favorecidos, ajudar os seringueiros... Então decidi realizar o sonho dele e gostei muito do curso", conta Elenira.
A formação não deve parar por aí:
Tenho intenção de em breve fazer um mestrado em Direito Ambiental e dentro daquilo que minha profissão permitir continuar o legado deixado por meu pai
"Um dia ele me colocou em cima da barriga, deitado na cama e me perguntou o que eu faria se ele morresse. Respondi que iria chorar, e ele disse: 'não, você não vai chorar, vai estudar e ser uma advogada e defender aqueles que precisam'", lembra.
Legado familiar
A mãe de Elenira, Ilzamar Mendes, 54, tem gravada a data em que o pedido de pai para filha ocorreu: dois dias antes do assassinato.
"Dezembro é um mês de comemorar o nascimento de Cristo, e foi no dia que Cristo nasceu que meu marido foi enterrado [pausa para choro]. Dói muito a saudade", diz Izilmar.
O outro filho, Sandino, é hoje engenheiro ambiental. "[Os filhos] eram muito pequenininhos [quando o pai morreu], mas se agarraram à causa", conta a viúva. "Isso traz conforto pra gente. O ideal de Chico está dentro do seus filhos", completa.
Apesar do engajamento da família, a ex-mulher de Chico Mendes vê retrocessos no comprometimento governamental com o meio ambiente.
"Se o governo não acordar teremos um retorno a como era há 30 anos: voltar a posse dos fazendeiros. Vamos lutar para manter a floresta em pé! Não queremos trocar árvores por pasto pra bois", diz.
Sobre o assassinato do marido, ela diz não guardar mágoas.
Perdoei eles, porque é fundamental para que a gente viva em paz. Nunca fui procurada [pelos assassinos], nem gostaria que me procurassem."
Ilzamar Mendes, 54
Em dezembro de 1990, a Justiça condenou a 19 anos de prisão os fazendeiros Darly Alves da Silva e Darcy Alves da Silva pela morte de Chico Mendes.
Mortes seguem
Para Darlene Braga, da CPT (Comissão Pastoral da Terra) da Amazônia, houve um recuo da violência em alguns períodos nos últimos 30 anos, mas nunca houve a pacificação do campo.
Permanece uma onda de violência, e ela vai se reconfigurando, a partir de cada local. A Amazônia é a bola da vez."
Darlene Braga, da CPT (Comissão Pastoral da Terra) da Amazônia
Segundo o Atlas de Conflitos da Amazônia produzido pela CPT em setembro de 2017, havia à época 980 áreas em conflito nos nove Estados com floresta, afetando 98 mil famílias.
Entre 2015 e 2017, 144 mortes ligadas a disputas de terra foram registradas na Amazônia --84% do total dos 170 assassinatos registradas no país nesses três anos pela mesma causa.
"Primeiro nosso clima hoje é de insegurança total. Estamos com medo de novo porque não sabemos o que vai vir", conta Darlene, citando uma mudança de 1988 para hoje. "Na época do Chico Mendes, todos falavam numa voz só, todo mundo estava unido: ONGs, CPT, sindicatos; hoje estamos fragmentados", completa.
Segundo Braga, apenas uma regularização fundiária poderia dar paz à região amazônica. "Falta vontade política. Tem de fazer uma reforma agrária adaptada à região. Alguns governos estaduais até propuseram algumas coisas. Mas não pode achar que os modelos que dão certo no Nordeste vão dar certo na Amazônia. São realidades diferentes", pontua.
A mesma opinião tem a viúva de Chico Mendes. "Mudaram algumas coisas, mas ainda existe muita perseguição aos que lutam pelo ideal da terra, tanto que temos companheiro tombando. Falta proteção, falta apoio e principalmente falta assistência do governo - e falo de todos nesses 30 anos", diz Ilzamar.
Ataques à floresta seguem
Para Ricardo Mello, coordenador do programa Amazônia da ONG WWF Brasil, a mensagem de Chico se espalhou pelo planeta após o seu assassinato. "Naquele momento se iniciou um movimento nacional e até global para a possibilidade do desenvolvimento com a conservação", diz.
Ele explica que, desde 1988, foram criadas reservas extrativistas, onde hoje vivem 40 mil famílias que tiram seu sustento da floresta. "Hoje, o governo reconhece o papel das populações tradicionais na conservação da Amazônia. Isso nos possibilitou ser um exemplo mundial, que foi aliar conservação com o desenvolvimento humano."
Ele explica que o maior desafio hoje da floresta é aliar desenvolvimento econômico e conservação.
A gente tem uma dificuldade em desenvolver produtos da biodiversidade, como alimentos, fármacos: tudo isso a floresta tem, mas não se consegue ter um comércio estruturado. O açaí, a castanha do Pará, o cacau nativo gourmet, os óleos conhecidos, a borracha, já conseguiram isso. Mas a sociobiodiversidade é um conjunto infinito, é algo que não está estruturado ainda."
Ricardo Mello, coordenador do programa Amazônia da ONG WWF Brasil
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