"Não peço. Certas coisas, eu mando", diz Bolsonaro sobre demissão no Inpe
O presidente Jair Bolsonaro (PSL) afirmou hoje não haver mais clima para a permanência de Ricardo Galvão à frente do Inpe e, por isso, mandou que fosse exonerado do cargo.
"Eu não peço. Certas coisas, eu mando. Por isso que sou presidente. Após as declarações dele a meu respeito, pessoais, não tinha clima para continuar mais. Não tinha clima", disse Bolsonaro na manhã de hoje, na saída do Palácio da Alvorada.
O presidente informou que o sucessor de Galvão no instituto está sob responsabilidade do ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes.
Na última sexta, Galvão anunciou que foi exonerado do posto que ocupava desde 2016, quando foi nomeado pela gestão Michel Temer (MDB). A jornalistas, Galvão afirmou que as críticas que fez a Bolsonaro no fim de julho haviam causado "constrangimentos" no governo.
Há 15 dias o presidente questiona o instituto, que divulgou aumento de 88% no desmatamento em junho, quando comparado a maio deste ano. Na quinta-feira (1), Bolsonaro organizou uma apresentação técnica para apresentar argumentos pelos quais considera incorretos dados sobre desmatamento. Também chegou a ameaçar que demitiria o diretor, por quebra de confiança.
Bolsonaro disse na manhã de hoje não querer argumentar os dados apresentados - "isso aí é matemática", mas disse que, diante dos números, "um funcionário como ele tinha que chegar apavorado até, no caso, para o ministro Marcos Pontes" e avisá-lo a fim de que não fossem surpreendidos.
"Eu não censurei, eu não disse que não tinha que divulgar, mas a forma com que foi divulgado...com áreas sobrepostas, áreas acumuladas. [...] É complicado. Não é a posição de um brasileiro que quer servir a sua pátria", falou. Após o anúncio de Galvão, Pontes agradeceu ao diretor e mandou "abraços espaciais" a Galvão. A decisão foi criticado pelo MPF (Ministério Público Federal) e também por especialistas na área.
O instituto é responsável há mais de 30 anos por mapear áreas desmatadas do país --independentemente se a remoção da vegetação é legal ou ilegal-- e não fiscalizar, função que fica a cargo do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). Em resposta à apresentação de Bolsonaro, o Inpe respondeu em nota que "sempre foi norteado pelos princípios de excelência, transparência e honestidade científica".
Em ocasião anterior, o próprio Ricardo Galvão defendeu o Inpe, dizendo que "poderia ser demitido", mas que os dados apresentados pelo instituto eram "cientificamente sólidos".
Fritura
Como fizera com o ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Social), Joaquim Levy, Bolsonaro utilizou do expediente da fritura pública para desgastar o diretor do Inpe.
A estratégia foi reforçada com a revelação de que Galvão fora desconvidado, de última hora, de uma reunião que o Inpe fez na última quarta-feira (31) com Salles e o ministro Marcos Pontes, conforme reportado pela Folha.
Na mesma coletiva, o general Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) afirmou que "se fossem dados corretos, era preocupante, seria conveniente que nós não alardeássemos isso."
Heleno afirmou ainda que "esses dados [divulgados] prejudicam muito a imagem do Brasil" e sugeriu que "nós cuidássemos do problema internamente, procurássemos corrigir o que está errado".
"Todos os que têm conhecimento e vivência na área ambiental, sabem que o desmatamento na Amazônia é diretamente afetado por deficiências na cadeia de fiscalização, comando e controle. A manipulação de atos estatais, com o objetivo de fins não expressos no ordenamento jurídico, são sempre ilegítimos e serão combatidos pelo MPF", diz o texto do subprocurador Nívio de Freitas.
Publicações científicas
Na última semana, o UOL mostrou que o Inpe é um dos órgãos estatais que mais produzem pesquisa científica no país, com exceção às universidades federais. O instituto ocupa o terceiro lugar no volume de material produzido, atrás apenas da Embrapa e da Fundação Oswaldo Cruz.
Desde 1972, o Inpe acumula mais de 9.000 registros na Scopus, uma das maiores bases de citações científicas do mundo.
O leque de atuação do instituto engloba pesquisas sobre a origem do Universo, passando pelas mudanças climáticas e o desflorestamento das matas nativas do país.
Em 2014, os cientistas do Inpe foram classificados como revisores de excelência do Journal of Atmospheric and Solar-Terrestrial Physics (JASTP), renomada publicação científica.
Como funciona o monitoramento do Inpe
O Inpe desenvolveu, ao longo de mais de três décadas, alguns programas de monitoramento do desmatamento na Amazônia e no Cerrado. Vale ressaltar que a função do instituto é apenas mapear as áreas desmatadas - independentemente se a remoção da vegetação é legal ou ilegal - e não fiscalizar, função que fica a cargo do Ibama.
Prodes - O Programa de Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite começou a operar em 1988 e realiza um inventário a respeito da perda de floresta nativa na Amazônia. Com base nestes dados, o programa calcula o desmatamento anual no bioma, levando em consideração o período de agosto a julho (por conta das nuvens, depende da estação seca para ter maior exatidão). O Prodes considera somente o desmatamento em áreas de mais de 6,25 hectares e o resultado é divulgado anualmente no mês de dezembro.
Deter-B - Considerado o sistema mais avançado, foi criado em 2004 sob o nome de Deter-A como uma forma de apoio ao combate do desmatamento ilegal e da degradação da Amazônia e do Cerrado. Em 2015 o Inpe colocou em prática a nova versão do Deter, que produz diariamente alertas relativos à alteração na cobertura da floresta em áreas de, no mínimo, 1 hectare. Os alertas, mapeados a partir de imagens dos satélites CBERS-4 e Indian Remote Sensing Satellite (IRS), são enviados diretamente para o Ibama, e costumam ser um dos principais sustentáculos das operações de fiscalização e repressão do órgão.
TerraClass - Desenvolvido a partir de uma parceria do Inpe com a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), o sistema identifica a procedência (agricultura, pecuária, etc) das áreas desmatadas e registradas pelo Prodes. Também classifica somente áreas maiores que 6,25 hectares.
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