Jeri: MP investiga registro que dobrou tamanho de fazenda em área disputada
O MPCE (Ministério Público do Ceará) está investigando as matrículas cartoriais apresentadas pela aposentada Iracema Correia São Tiago, que reivindica a titularidade da fazenda Junco 1, cuja área se sobrepõe a 80% da Vila de Jeri. Ela fez um acordo com o governo do estado —contestado por moradores— e recuperou uma área de 49 mil m².
A investigação quer saber como a área total da fazenda cresceu 109% em uma averbação de 2007, após a transferência do registro do cartório de Acaraú (onde foi originalmente registrado) para o de Jijoca de Jericoacoara (município criado apenas em 1991).
Na semana passada, a promotora Laura de Figueiredo Uchôa recomendou a suspensão do acordo feito entre o governo do estado e a aposentada em maio para haja uma "análise apurada dos documentos e procedimentos."
A PGE (Procuradoria-Geral do Estado) afirmou nesta sexta-feira que o acordo celebrado para o reconhecimento de propriedade está suspenso e que "realizará uma série de diligências a fim de ouvir outros órgãos e aprofundar a análise de todos os pontos colocados."
A defesa de Iracema explica que o crescimento se deve a junção de matrículas e que todo o terreno passou por estudo topográfico, que foi reconhecido pelo governo do estado (leia mais abaixo).
Problemas na matrícula
Segundo o MPCE, "percebeu-se problemas envolvendo a cadeia dominial da Matrícula nº 545 do Cartório Liberty Morais (de Jijoca de Jericoacoara), em especial, as constantes averbações com suposto aumento das áreas desse imóvel, desde quando era registrado no Cartório de Registro de Imóveis de Acaraú."
Um dado parece ter chamado a atenção em especial da promotora: a área da matrícula 545 "perfazia o total de 441,04 hectares".
Depois da emancipação do município (1991), "e com o translado desses títulos para o Cartório de Registro de Imóveis de Jijoca de Jericoacoara, o imóvel passou por mais uma averbação, ocorrida no dia 14/12/2007, quando alcançou os atuais 924,49 hectares." Ou seja, uma ampliação de 109% da área.
A promotora cita na recomendação que "esse alegado acréscimo, após a atualização topográfica, aumentou demasiadamente a área do imóvel Junco I, passando a se sobrepor ao Parque Nacional de Jericoacoara e à Vila de Jericoacoara."
O que diz o registro
A averbação citada é a AV-04/545. O UOL teve acesso ao documento do cartório apresentado por Iracema e referendado pelo governo do estado. Ele cita um levantamento topográfico, assinado por um engenheiro agrimensor, e indica os pontos de referência que delimitam a fazenda.
A promotora solicitou aos cartórios de Jijoca de Jericoacoara e de Acaraú cópias dos levantamentos topográficos e das demais matrículas, além de informações sobre quem foram os primeiros proprietários da área.
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Quero receberTambém solicitou ao Incra cópia dos registros de imóveis rurais referentes à fazenda.
A coluna consultou o Sistema Nacional de Cadastro Rural do Incra, há duas áreas referentes à Fazenda Junco 1 em nome de Iracema: uma com 566,1 hectares e outra com 353,2 hectares.
Estado reconhece, e família explica
No acordo feito com o governo cearense, o estado reconhece que 80% da área da Vila de Jeri "se sobrepõe à matrícula anterior da "PROPRIETÁRIA" (matrícula nº 545 do Cartório de Registro de Imóveis de Jericoacoara/CE), assim como reconhece que o próprio ato de arrecadação ressalvou a propriedade de terceiros no âmbito do processo de arrecadação."
O acordo, porém, está suspenso até que uma análise seja detalhada feita pela PGE. "O objetivo é examinar cada trâmite para que seja assegurada juridicamente cada termo do acordo a fim de resguardar as pessoas e construções que estão atualmente na Vila de Jericoacoara e nela permanecerão", diz o órgão.
No processo, a defesa de Iracema esclarece que a matrícula nº 545 é "oriunda de uma série de documentos e processos, sendo resultado da junção de três outras matrículas."
Inicialmente, existiam as matrículas nº 827, 884 e 885 registrada na comarca de Acaraú. Estas, por questões de mudança de comarca, passando para a comarca de Jijoca de Jericoacoara, foram novamente registradas sob os números 542, 543 e 545, respectivamente."
Defesa de Iracema
Ainda segundo o documento, as três foram unificadas na matricula 545, "a qual passou a ter área total de 924,49 hectares, tudo devidamente identificado por meio de levantamento topográfico georreferenciado."
Sobre a aquisição das áreas, o sobrinho de Iracema, Samuel Machado, afirma que o então marido da aposentada, José Maria Machado, comprou fazendas na região no final dos anos 1970 e início de 1980 para plantar coco e caju e receber benefícios de um programa federal de reflorestamento com viés econômico que existia à época.
Todas essas terras eram matriculadas e tinham certificado porque o plantio era incentivado pelo IDBF [Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, que existiu entre 1967-1989], não tinha como participar sem a documentação nessa época.
Samuel Machado
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