Carlos Madeiro

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Reportagem

Após obras, rio avança 13 m ao ano e pode 'engolir' praia paradisíaca em SE

Uma sequência de construções irregulares em meio ao processo de erosão da Praia do Saco, em Estância (SE), gerou um avanço inesperado das águas do rio Piauí. Isso vem causando destruição em um dos locais da costa mais paradisíacos do litoral sul do estado.

Um estudo feito pelo Laboratório de Progeologia da UFS (Universidade Federal de Sergipe) revela que as águas avançaram até 130 metros sob as suas margens nos últimos 10 anos. O local atingido, também conhecido como Ponta do Saco, fica na divisa de Sergipe com a Bahia.

A força das águas destruiu a famosa Casa da Rainha, que era o cartão-postal da praia, entre agosto e setembro. A casa destruída fica ao lado de uma APP (Área de Preservação Permanente). Outras construções também podem ser "engolidas" pelo avanço das águas.

Segundo o geocientista e pesquisador do Laboratório de Progeologia, Júlio César Vieira, a estrutura de contenção real da área era o manguezal, que está sendo tomada em um processo que é irreversível.

Essa região dos desmoronamentos é uma área em que as construções e vias avançaram sobre o manguezal. O fragmento que sobrou está sendo destruído pela força das águas. Quando isso acontecer totalmente, a via adjacente que é muito acessada por turistas será inviabilizada.
Júlio César

A situação preocupa pesquisadores e autoridades. A pedido do MPF (Ministério Público Federal), a Justiça Federal suspendeu a construção de qualquer empreendimento e solicitou uma análise de todas as construções já erguidas no local para decidir quais devem ser demolidas por irregularidades nas obras.

Área da praia do Saco, em Estância (SE), protegida por pedras
Área da praia do Saco, em Estância (SE), protegida por pedras Imagem: Júlio César Vieira/UFS

Histórico de obras não autorizadas

Vieira explica as ocupações no local começaram há cerca de meio século e avançaram de forma desordenada em uma área que separa a foz de um manguezal. Isso ajudou a gerar um desequilíbrio ambiental na área.

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Segundo ele, as estruturas para conter o avanço das águas do mar no estuário foram feitas, em sua maioria, "de forma individual e sem observar o contexto hidrodinâmico local."

Estes enrocamentos [proteção feita com rochas] fornecem uma proteção parcial às residências alvo, mas acabam por transferir a energia das ondas e correntes para outro local, inclusive causando aprofundamento do canal do Rio. O próprio terreno da Casa da Rainha tinha enrocamentos no seu contato paralelo ao estuário, mas não tinha nas laterais, região por qual as águas do estuário avançaram.
Júlio César

Região no entorno da casa da Rainha, destruída pela força das águas
Região no entorno da casa da Rainha, destruída pela força das águas Imagem: Júlio César Vieira/UFS

Segundo ele, o avanço das águas ocorre nas regiões que ficaram sem os enrocamentos, "que foram feitos de feito de forma clandestina e sem nenhum critério."

Ou seja, cada casa, cada residência que construiu o seu traçado de quebra-mar, a sua inteira revelia. E isso só prolongou o colapso que já tinha acontecido no final dos anos 2010.
Júlio César

Mar recua, rio avança

A região é de uma grande biodiversidade, com uma formação pouco comum: dois rios distintos que desembocam no mesmo ponto do oceano. "Uma das principais consequências disso é um estuário extraordinariamente largo", explica.

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O levantamento feito por imagens de satélite mostra que a região apresenta dois cenários distintos. Na praia, o movimento erosivo cessou e inverteu nos últimos anos.

"Aquela praia que estava sendo degradada, hoje está em processo de acresção. Nós identificamos até um crescimento de praia da ordem de até 180 metros nessa linha de mar", diz Júlio.

Já o avanço das águas ocorre em ritmo acelerado na área ligada aos rios, onde está a casa que colapsou. "Essa casa fica não na linha de mar propriamente dita, mas dentro do estuário dos rios Piauí e Real. Dentro do estuário, nós temos esse avanço".

Júlio defende que mais estudos sejam feitos e que a região seja monitorada para que se trace um cenário de risco. "Isso vai nos dar clareza se mais residências estão sujeitas ao colapso", defende.

Contenções feitas transferem energia das ondas para outra região
Contenções feitas transferem energia das ondas para outra região Imagem: Júlio César Vieira/UFS

Ação federal

O avanço do rio gerou uma ação do MPF (Ministério Público Federal) em Sergipe, com base em um parecer do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). O órgão conseguiu na Justiça Federal a interdição do local por ser considerado APP (Área de Preservação Permanente).

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Segundo a PGE (Procuradoria Geral do Estado), a Justiça determinou, inicialmente, a demolição de todas as casas da região em um prazo de seis meses. O estado recorreu ao Tribunal Regional Federal, que mudou a decisão e ordenou a individualização das ações.

Desde então, o estado afirma que tem adotado "diversas ações para regularizar a ocupação do litoral sul, buscando alternativas que unam a proteção ambiental com o desenvolvimento socioeconômico da região."

Para conter e prevenir o avanço da ocupação irregular em áreas de proteção no litoral sul, o governo alega que tem atuado no monitoramento periódico da região, "com o objetivo de notificar e autuar construções irregulares, empreendimentos sem licenciamento e outras possíveis infrações ambientais."

O monitoramento segue os parâmetros estabelecidos no Zoneamento Ecológico-Econômico do Litoral Sul de Sergipe (Lei Estadual nº. 8.980/22), e conta ainda com a participação do Ibama, do município de Estância e da Secretaria do Patrimônio da União (SPU).
Nota do governo do estado

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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