Topo

Após toneladas coletadas, descarte e retirada de óleo viram preocupação

Em Japaratinga (AL), homem participa de operação de limpeza de óleo empurrando carro de mão com os pés descobertos e sem luvas - Felipe Brasil/Institito do Meio Ambiente de Alagoas
Em Japaratinga (AL), homem participa de operação de limpeza de óleo empurrando carro de mão com os pés descobertos e sem luvas Imagem: Felipe Brasil/Institito do Meio Ambiente de Alagoas

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

19/10/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Voluntários têm retirado óleo de praias no Nordeste sem proteção adequada
  • Riscos à saúde incluem irritações na pele, náusea e vômitos
  • Descarte é outro problema, por poder contaminar lençóis freáticos

As centenas de toneladas de óleo retiradas das praias do Nordeste nas últimas semanas levantam uma preocupação sobre a forma de coletar, armazenar e dar destino final ao material identificado como petróleo cru, possivelmente produzido na Venezuela. O país nega a origem.

Desde o início da contaminação, em setembro, é comum que moradores e voluntários sejam os primeiros a terem contato com o óleo bruto, muitas vezes sem proteção adequada.

"Os voluntários estão recebendo material de proteção, mas o número ainda não é suficiente e sabemos que isso tem risco. Tem até um material do Ministério da Saúde indicando isso", afirma a diretora administrativa do Instituto Biota de Conservação e especialista em gestão ambiental e sustentabilidade, Luciana Salgueiro.

O comunicado citado por Salgueiro foi produzido pela Secretaria de Vigilância em Saúde do ministério. "A curto prazo, a inalação de vapores advindos do óleo cru pode causar dificuldades de respiração, pneumonite química, dor de cabeça, confusão mental e náusea. Em caso de contato dérmico, podem aparecer irritações na pele, rash cutâneo [manchas na pele com possíveis bolhas ou escamações], queimação e inchaço, podendo haver danos sistêmicos. A ingestão pode causar dores abdominais, vômito e diarreia", diz o texto, orientando a não ter contato direto com o produto.

Sobre a exposição a longo prazo, diz a nota, pode levar a uma série de problemas. Detalha a pasta: "Dano nos pulmões, fígado, rins e ao sistema nervoso; supressão do sistema imune; desregulações hormonais e infertilidade; desordens do sistema circulatório e câncer".

"Quem usa mais [material], na verdade, são os servidores, professores e pesquisadores que estão envolvidos. Mas a população está arregaçando as mangas para fazer essa limpeza", afirma Salgueiro, que tem participado de ações ambientais nos locais afetados.

Oleo - Instituto Biota de Conservação - Instituto Biota de Conservação
Descalço, homem manuseia óleo recolhido em praia
Imagem: Instituto Biota de Conservação

A forma de manipulação sem cuidado é algo que preocupa especialistas. "A manipulação deste tipo de material requer o uso principalmente de luvas. Sempre que possível, deve-se evitar ambientes em que se possa ter contato com o óleo", afirma Alberto Wisniewski Junior, do Laboratório de Petróleo e Energia da Biomassa da UFS (Universidade Federal de Sergipe).

Ele explica que todo produto químico apresenta toxicidade em diferentes graus. "Neste caso do óleo, existem limites para a exposição humana direta, ou seja, contato dérmico, inalação e ingestão", diz.

O professor explica como agir em caso de contato. "Considerando que o contato dérmico possa vir a ser a forma mais provável de contato com uma pessoa, ela deverá fazer a limpeza do local, primeiro com a remoção física, utilizando um papel absorvente, por exemplo, e depois a remoção mais fina com água e sabão. Não ocorrendo reação alérgica e sendo uma exposição de curto períodom o risco é reduzido", diz.

Risco de contaminar mananciais

Uma outra preocupação é com o destino do material após o recolhimento das praias —trabalho inicial que tem sido feito pelas prefeituras. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirma que já há uma determinação para onde deve ser levado o óleo recolhido.

"O material está sendo destinado para aterros próprios, classificados para esse tipo. Onde houver forno, cimenteira, siderúrgicas que possam incinerar esse material, é uma alternativa bastante viável", disse, na quarta-feira, em Maceió.

Jackson Krauspenhar, oceanógrafo especialista em emergências causadas por óleo, da empresa Sprink, afirma que há uma grande preocupação com o acondicionamento apropriado desse material.

"Tem vários casos relatados de o óleo ter sido recolhido e colocado em sacos de lixo. Provavelmente grande parte desse resíduo deve estar sendo armazenado pelas próprias prefeituras, mas a gente não sabe qual é o destino final", diz.

Para o especialista, além da forma de recolhimento, é necessário saber onde e como está sendo armazenado até o momento de ser direcionado ao destino final. "Se esse resíduo não for acondicionado de maneira adequada, pode contaminar através da porosidade do solo. Se tiver chuva, aumenta essa possibilidade", afirma.

"Se ele penetra no solo, pode chegar até o lençol freático e contaminar mananciais de água doce. A preocupação é que o óleo penetre e, com a chuva, esse material possa ser carregado para bacias hidrográficas."