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Governo diz que 'peixe foge do óleo', mas biólogos pedem cautela no consumo

Luís Adorno

Do UOL, em São Paulo

01/11/2019 14h12

Resumo da notícia

  • Dezenas de animais foram encontrados mortos no litoral do NE desde o início do vazamento de óleo
  • Além dos danos à natureza, teme-se pelo impacto no turismo e na pesca da região
  • Ontem, secretário da Pesca, ao lado de Bolsonaro, disse que não há risco no consumo
  • Mas biólogos discordam e recomendam cautela

Ao lado do presidente Jair Bolsonaro (PSL), o secretário de Aquicultura e Pesca, Jorge Seif Júnior, afirmou ontem que a população do Nordeste pode continuar consumindo pescados apesar das manchas de petróleo que atingem a costa da região há dois meses. Biólogos, no entanto, sugerem cautela no consumo, já que pode ter ocorrido contaminação.

O secretário Seif Júnior, que também é empresário do ramo da pesca, falou em suposta inteligência de peixes e crustáceos para atestar a segurança alimentar — o que, para biólogos ouvidos pela reportagem, é um raciocínio "equivocado".

"O peixe é um bicho inteligente. Quando ele vê uma manta de óleo ali, capitão, ele foge, ele tem medo", afirmou Seif Júnior. "Então, obviamente que você pode consumir seu peixinho sem problema nenhum. Lagosta, camarão, tudo perfeitamente sano", complementou.

O secretário disse ainda que até o momento o Ministério da Saúde não detectou peixe contaminado pelo óleo. "Os únicos casos de contaminação foram pessoas que estavam sujas desse óleo e usaram tíner ou óleo diesel para retirar do corpo", disse. "Podem consumir pescado, está 100% avaliado pelo Ministério da Agricultura, pelo Serviço de Inspeção Federal", afirmou.

Após a fala de Seif Júnior, Bolsonaro fez a ressalva de que alguns animais foram encontrados no meio das manchas de óleo. "De vez em quando fica uma tartaruga ali na mancha de óleo - para não falar que ninguém fica, né? Um peixe, um golfinho pode ficar, mas tudo bem", disse o presidente.

Especialistas contradizem o secretário

Biólogos de universidades federais dizem, no entanto, que esses peixes podem estar contaminados. E, por isso, requerem cautela.

Pedro De Podestà Uchôa, do departamento de biologia da UnB (Universidade de Brasília) disse que "o secretário está equivocado. Porque no caso do óleo, ele vai contaminar todo o ambiente atingido. Vai mudar as características da área. E os bichos que estão vivendo naquele ambiente vão estar sujeitos ao contato direto com esse óleo, de uma forma ou de outra".

Segundo o especialista, "eventualmente, alguns peixes vão conseguir desviar das manchas de óleo. Mas outras espécies, não. E, ao ter contato direto com a mancha, o peixe vai morrer, porque não é uma substância natural à qual ele está acostumado".

Ainda de acordo com o biólogo, "num primeiro momento, é melhor ficar cauteloso com relação ao consumo desse pescado. Não é possível dizer se eles estão contaminados ainda, mas eu considero melhor ter cautela".

Já o biólogo Francisco Kelmo, diretor do Instituto de Biologia da UFBA (Universidade Federal da Bahia), explicou que os peixes veem mancha de óleo como um obstáculo. "Ele, de fato, consegue desviar. Se não desviar e entrar na mancha de óleo, ele não vai conseguir nadar e vai morrer."

"Não posso, no entanto, dizer se é ou se não é seguro, cientificamente, que há ou não há risco ao consumir esses peixes. Porque esses peixes que desviam da mancha de óleo não foram analisados", disse.

"Seria preciso pegar o peixe, dissecá-lo, ver se há resíduos de óleo, mandar para análises para, com resultados científicos, dizer se é ou se não é seguro. Eu não posso dizer: 'comam esses peixes', nem dizer: 'deixem de comer esses peixes', antes de um estudo finalizado", complementou.