Brasília não ajuda, mas mundo quer financiar Amazônia, diz governador do AP
O governador do Amapá, Waldez Góes (PDT), afirmou, em entrevista ao UOL, que os estados amazônicos decidiram fazer uma agenda paralela em Madri para tentar, entre outras coisas, suprir o déficit de verbas para projetos causado pelo bloqueio, desde início do ano, do Fundo Amazônia. Na capital espanhola, acontece a COP-25 (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas).
"Nossa prioridade é o Fundo Amazônia. No entanto, se ele não for retomado, não podemos deixar de receber recursos de países como a Noruega —que tem meio bilhão de reais para investir", diz o governador, que também é presidente do Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Legal. "Acho que é um governo novo, tem todo direito de auditar, fiscalizar, esclarecer. Agora um ano inteiro [o fundo] parado?", questiona.
Góes diz que os estados amazônicos não abrem mão de nenhuma das diretrizes apresentadas na carta que apresentaram —assinada junto com o presidente do Senado (Davi Alcolumbre-DEM)— ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
Na carta, governadores e senadores defendem que:
- haja inclusão socioeconômica com respeito à cultura dos povos tradicionais,
- ampliação de cooperações internacionais para desenvolvimento sustentável da floresta
- recursos para financiamento de projetos de preservação da Amazônia
O governador assegura que as diretrizes dos governadores não serão negociadas. "É o seguinte: a posição da Amazônia é a que você está lendo. Se o governo não concorda, nós não abrimos mão da agenda. Estamos focados, sabemos o que queremos. Estamos entrando agora em um nível de detalhamento muito alto", diz, citando preocupação com a postura federal em temas como questão de respeito aos povos tradicionais. "Se seguir nessa linha, temos que reagir. Reação, digo, no diálogo, no convencimento."
Para ele, a COP-25 deixou claro que existe "uma imagem a ser recuperada" do país internacionalmente, e que o consórcio tem atuado para apresentar uma agenda focada em ações que seriam vistas com bons olhos pelo mundo. "Nosso compromisso é com o clima, com o Acordo de Paris, com as populações tradicionais, com o desenvolvimento sustentável", garante.
Entretanto, Goés diz que ainda é cedo para saber se haverá adesão internacional, mas se mostra confiante. "A receptividade tem sido muito boa. Lógico que sempre a relação dos países é entre estados nacionais. No primeiro momento eles querem entender essa legalidade, e o que tenho passado é a lei brasileira", diz.
Leia a entrevista:
Por que os estados da Amazônia estão buscando alternativas de verbas internacionais?
Você sabe que o consórcio que criamos segue o princípio constitucional de 1988, com cobertura legal. E também o mecanismo de financiamento tem princípio legal, com base em resolução do Senado que foi reformulada em 2018 e abriu para os consórcios a possibilidade de realizarem operações de créditos. Isso significa que, criando esse mecanismo, pode-se fazer esse tipo de operação.
O Brasil tem isso, mas está com o Fundo Amazônia parado.
A nossa luta prioritária é que se restabeleça o Fundo Amazônia. Os governadores têm se posicionado. Fizemos articulações com o governo, com os países doadores para que seja retomado. Há muitos projetos já feitos e muito a fazer. Os nove estados têm projetos protocolados em referência ao fundo, mas, com a suspensão, aqueles projetos que não foram contratados estão parados.
Nossa prioridade é o fundo, no entanto, se ele não for retomado, não podemos deixar de receber recursos de países como a Noruega —que tem meio bilhão de reais para investir
Sem a retomada, a gente está se apresentando com esse mecanismo de financiamento. Se a Constituição estimula, permite, incentiva o consorciamento dos entes, por que não fazer? Está tudo na própria legislação. O que não dá é para não ter dinheiro! O governo federal não repassa e o mundo todo mobilizado na questão e a gente sem mecanismo par receber.
Seria uma questão ideológica essa não liberação, na ótica do senhor?
Acho que é um governo novo, tem todo direito de auditar, fiscalizar, esclarecer e até reformular qualquer instrumento que entenda que não esteja nos padrões. Normal, ele ganhou uma eleição democraticamente. Agora um ano inteiro parado?
O consórcio cobrou muito o governo esse desbloqueio, não?
Conversamos três ou quatro vezes com Alemanha, Noruega e Reino Unido. Todos querendo investir. Conversamos com o [ministro do Meio Ambiente] Ricardo Salles, com o presidente Jair Bolsonaro, depois voltamos a falar com Salles. Mas tem hoje, parado, dentro do fundo mais de R$ 800 milhões.
O governo federal tem suas dificuldades? Temos ainda R$ 430 milhões do fundo da Petrobras disponível por decisão do Alexandre de Moraes [ministro do Supremo Tribunal Federal]. Somado ao Fundo Amazônia, dá mais de R$ 1,2 bilhão que estaria sendo investido, que são recursos para investir na politica ambiental, na prevenção do desmatamento, nas cadeias da bioeconomia. Foi um ano, de certa forma, perdido nessas linhas de financiamento.
Esse consórcio e esses pedidos na COP são uma resposta a isso?
Não fizemos o consórcio para colocar mais combustível nessa discórdia, mas para ter uma sinergia, encontrar pontos de convergência dos estados, aumentar o diálogo interno e externo. Não estamos na "vibe" de colocar mais lenha na fogueira.
Podemos dizer então os governos cansaram de esperar o governo federal?
Não diria que cansou porque, mesmo que o fundo estivesse funcionamento, iríamos criar nosso mecanismo.
E como foi a receptividade no evento em Madri?
Muito boa. Lógico que sempre a relação dos países é entre Estados. No primeiro momento, eles querem entender essa legalidade e o que tenho passado é a lei brasileira. Também estamos pleiteando, junto ao governo brasileiro, que mude o regulamento do pagamento por serviços ambientais para permitir que os estados possam negociar nos mercados de carbono. Isso nos fortalece.
O senhor percebeu um dano à imagem do país com relação a política ambiental feita pelo governo federal?
Existe uma imagem a ser recuperada, não há dúvida, todos nós sabemos disso. Mas você acompanhou uma manifestação dos governadores e do Senado aqui na COP. O presidente do Senado [Davi Alcolumbre-DEM] e senadores vieram em uma delegação. Estamos bem aqui, com uma representatividade dessa política nacional.
Reunimos muitas vezes na COP, consórcio e Congresso; fomos signatários de um manifesto que entregamos ao ministro Salles; colocamos tudo com todas as letras, inclusive com a manifestação do Senado apoiando o consórcio. Nosso compromisso é com o clima, com o Acordo de Paris, com as populações tradicionais, com o desenvolvimento sustentável.
Existem R$ 100 bilhões da comunidade internacional na agenda do clima. Precisa que o artigo 6º do acordo de Paris seja regulamentado. A pauta da COP-25 deveria ser sair daqui com esse indicativo, com esse entendimento.
Mas a carta que vocês entregaram ao ministro tem pontos bem divergentes, como a questão dos povos tradicionais. Seriam "dois brasis" ao mesmo tempo na COP?
É o seguinte: a posição da Amazônia é a que você está lendo. Se o governo não concorda, nós não abrimos mão da agenda. A princípio, o ministro Salles demonstrou concordância com as manifestações. Nas reuniões com os países, não sei precisar se eles estão na linha do que manifestamos. Como disse, a gente não fez um consórcio para aumentar os conflitos, mas para encontrar pontos de convergência. Vamos sempre intensificar o diálogo com pontos definidos. Nós já temos um plano estratégico, com eixos muito claros. Estamos definindo metas nessa nova fase. É muito sólido isso.
Mas o governo tem demonstrado que vai seguir com questões contrárias a cartas, como a questão da demarcação indígena...
Bem, se seguir nessa linha, temos que reagir. Reação, digo, no diálogo, no convencimento. A nossa carta diz isso, ela está assinada também pelo Senado —que nos apoia. E assim vamos crescendo mais o nível de diálogo, de convencimento. É o caminho para sair dessa [divergência]. A gente não tem dificuldade de dialogar, sempre somos recebidos com respeito pelo ministro Salles, que tem pensamentos diferentes, ideologia diferente, até pensamento de desenvolvimento diferente, mas não está fechado o diálogo.
E como tratar a questão dos povos tradicionais?
Todos os eventos que participamos tivemos representação indígena. Estamos dando voz.
Mas pedindo o quê?
Queremos a manutenção dos direitos. Na questão de vendas de serviços ambientais, assim como a iniciativa privada tem direito a receber pelos resultados, as populações tradicionais também.
E o fim dos processos de demarcação, como anunciou o presidente, é um problema?
O Amapá foi o primeiro estado a ter 100% das áreas demarcadas, não temos conflitos. Mas a Amazônia tem regiões diferentes do Amapá. Queremos que igualmente que ajam as demarcações, a garantia dos direitos dele; que seja uma prioridade.
Sobre controle do desmatamento, o que o consórcio propõe?
A prioridade é não desmatar mais para pecuária ou grãos. Precisamos de tecnologia, pesquisa e assistência para aumentar a produtividade da área antropizada. No Pará, a média da pecuária é menos de uma cabeça de gado por hectare. Tem outras regiões que produzem 5 e 6. Precisa desmatar mais? Não! Precisa que a tecnologia que já existe chegue a Amazônia.
No que diz respeito às cadeias que o Brasil já disponibiliza, de produção de grãos, é botar tecnologia porque a produtividade é muito baixa. Não é o desmatamento que deve aumentar, isso é um contrassenso. Estamos focados, sabemos o que queremos, estamos entrando agora num nível de detalhamento muito alto.
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