Conflitos por água disparam e revelam dificuldades para abastecer o campo
Os conflitos no campo pelo uso da água são um retrato antigo da saga de camponeses para ter abastecimento em muitas regiões rurais do Brasil. Ao longo dos anos, o número de casos vem crescendo e preocupando os movimentos sociais.
Em 2019, segundo relatório da CPT (Comissão Pastoral da Terra), ligada à CNBB (Comissão Nacional de Bispos do Brasil), foram registrados 489 conflitos por água no país — um recorde desde 2002, quando a CPT começou a contabilizar essas disputas. Só no ano passado, 69.793 famílias se envolveram nesses conflitos.
Na década passada, foram registrados 11 assassinatos relacionados a essas disputas.
Isolete Wichinieski, integrante da coordenação nacional da CPT, afirma que a maior parte desses conflitos tem a questão territorial como pano de fundo. "Isso ocorre por causa da disputa pela água das comunidades rurais com o agronegócio. E é bem frequente por conta da redução de água dos rios, com a retirada de enormes quantidades para a irrigação de monoculturas", conta.
Em 2019, a tragédia do rompimento da barragem de Brumadinho (MG) puxou os números para cima. "A mineração é um dos aspectos principais, principalmente ali em Minas Gerais e na Bahia. No ano passado, foram 189 conflitos (39%) por causa disso, principalmente puxados por Brumadinho. Temos aí conflitos com uso de violência, tensão e contaminação", afirma Isolete.
Um dado que chama a atenção nos casos da mineração é o número de registros envolvendo violência: foram 40, no total.
Um outro fator que dificulta o acesso à água pelo trabalhador rural é a implantação de barragens em grandes obras de empresas. Além disso, a contaminação da água também preocupa a CPT. "Uma coisa que impacta as comunidades rurais é a poluição pelos agrotóxicos. Isso já é visível", diz Isolete.
Uma outra tragédia ambiental também fez crescer o número de conflitos no Nordeste, no ano passado: o aparecimento de óleo no litoral da região. Foram registrados 110 conflitos por causa disso em 2019.
Marco não deve resolver
Para a coordenadora da CPT, o novo marco legal do saneamento, aprovado pelo Senado no fim de junho, não deve ajudar a resolver os problemas que geram os conflitos pelas água.
"Em locais que não tinham o serviço até agora, não acreditamos que a privatização vá resolver. Ao contrário, vimos que piora a situação: Manaus e Tocantins privatizaram, e a qualidade não melhorou. A gente já tinha uma legislação, o que precisávamos era melhorar o atendimento às comunidades rurais", opina Isolete.
Ela assegura que seria melhor investir em fiscalização para conter, por exemplo, o uso de agrotóxicos ou fechamento de áreas que vedam o uso da água. "Falta fiscalização para verificar as empresas que contaminam a água, que fazem uso indevido, que impedem o acesso. Devemos ver a água enquanto um direito da população, ela é um direito humano. Acontece que, quando se pensa em saneamento no Brasil, se pensa em esgoto, mas isso é algo muito mais amplo", explica.
Segundo a coordenadora, a nova legislação deveria regular o uso da água do subsolo, mas isso não está previsto no texto aprovado pelos senadores. "O agronegócio retira essa água de forma legal, porque tem outorga dos governos. Vemos isso no Piauí, na Bahia, nas grandes fazendas, por exemplo. Eles constroem grandes piscinões subterrâneos, são milhões de litros que são desperdiçados", afirma.
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