BA: aves ficam perdidas com queda de árvores e se abrigam em telas e postes
Centenas de pássaros estão sem ter para onde ir depois que árvores amendoeiras foram derrubadas na avenida Soares Lopes, no centro de Ilhéus (BA), na semana passada. Moradores da região registraram imagens da agonia dos pássaros procurando lugar para se abrigar para passar a noite.
As aves da espécie Eupsittula aurea, conhecidas popularmente por nomes como maritaca, periquito-rei e jandaia-estrela, se seguram em postes, fiação elétrica e telas de varandas de apartamentos que ficam próximo ao canteiro onde as árvores estavam plantadas.
O MPE (Ministério Público Estadual) entrou com um pedido de liminar para que a prefeitura seja proibida de derrubar as árvores e que apresente um plano de manejo para as aves que ficaram sem abrigo devido à retirada das amendoeiras.
Além disso, um ofício elaborado pelo MPE foi enviado à Prefeitura de Ilhéus com questionamentos sobre o corte das árvores e se existe licenciamento ambiental, com devido estudo de impacto para os animais que sobrevivem nas árvores. A prefeitura tem até amanhã para se manifestar sobre o assunto. Procurada pelo UOL, o executivo afirmou que realizou a medida para construção do sistema viário da nova ponte Jorge Amado e que a obra tem licença ambiental desde 2015.
A erradicação das amendoeiras vem ocorrendo desde o último dia 7. As árvores derrubadas estavam no canteiro central da via pública, próximo à catedral de São Sebastião.
Aves perdidas
Vídeos divulgados em redes sociais mostram as aves em revoada procurado as árvores que, costumeiramente, ficavam abrigadas logo após o pôr do sol até o amanhecer no dia seguinte. As maritacas se agarram em postes, que ficam lotados, enquanto outras voam sem ter para onde ir. Sem encontrar as árvores que viviam, os pássaros tentam se abrigar se segurando em telas de varandas de apartamentos.
Um morador de um dos apartamentos localizado em frente ao canteiro das amendoeiras registrou mais de 60 maritacas se segurando nas telas da varanda. As aves tentavam se abrigar no local em substituição aos galhos das árvores que usavam para repousar.
José Matos, morador de Ilhéus, critica a medida da prefeitura. "(As amendoeiras) representam um marco divisório que limitava a avenida e a areia da praia. Agora, chega um elemento, esse estúpido projeto desse crime ambiental. Por onde anda os defensores do meio ambiente?", questiona.
A moradora Ana Paula Saboia diz que "dói" ver a cena dos pássaros procurado as árvores e não encontrarem abrigo adequado.
É inacreditável e inaceitável. Por que é necessário destruir o belo para dar espaço a um pseudo progresso, muito mais para retrocesso. Por que não se pode conciliar o progresso com a preservação do que tem vida e é belo?
Ana Paula Saboia, moradora de Ilhéus
"Não consigo pensar a curto prazo nenhuma ação prática que possa solucionar a questão tendo em vista a impossibilidade de restabelecimento das árvores. A implementação de projetos desse tipo sem uma visão ambiental holística dá nisso", completou o morador de Ilhéus Emilson Batista.
"Nesse momento triste de isolamento e de perdas, derrubaram um palco natural onde Ilhéus era brindado, ao entardecer, com a orquestra e as acrobacias das maritacas, encantando moradores e visitantes. Sentimos no ar o socorro que, aflitas, voando de casa em casa, estão nos pedindo", afirma Eduardo Athayde, outro morador de Ilhéus.
Ele pede desculpas às aves pela medida tomada pela prefeitura. "Enquanto lutamos pelo bom uso sustentável dos nossos ricos biomas, peço perdão às maritacas pela decisão exótica, equivocada, do nosso poder público constituído. Espero encontrar um jeito de plantar de volta o seu palco e, se Deus quiser, trazê-las de volta", diz.
Petição online e ação do MPE
Uma petição online foi criada pelos moradores da cidade baiana e já tinha mais de 10 mil assinaturas na manhã de hoje. Na solicitação, é cobrado que o Poder Judiciário intervenha na derrubada das árvores para que outras sejam preservadas.
O MPE ingressou na Justiça uma ação civil pública ambiental, com pedido de medida liminar, no último dia 9, para obrigar a Prefeitura de Ilhéus a não retirar as amendoeiras do canteiro da avenida Soares Lopes. Na ação, o promotor de Justiça Paulo Eduardo Sampaio Figueiredo pediu que as árvores não sejam derrubadas sem apresentação prévia do plano de manejo de fauna.
"As referidas árvores abrigam famílias inteiras de maritacas, as quais ali residem há décadas e não estão tendo o devido tratamento de serem remanejadas para outro local", argumenta.
O promotor solicitou ainda que a prefeitura apresente o processo de licenciamento ambiental da obra do acesso viário, mas, "ainda que tenha havido esse estudo e tenha sido incluído no licenciamento ambiental da obra, o mesmo não está sendo devidamente cumprido pelo município de Ilhéus, em detrimento daquelas aves desamparadas".
O MPE informou que tomou conhecimento do caso no último dia 7, por meio de representação encaminhada ao e-mail funcional do promotor de Justiça da comarca de Ilhéus, que relatava sobre a derrubada das amendoeiras e a situação das maritacas. No mesmo dia, o promotor solicitou à prefeitura explicações sobre a derrubada das árvores e cobrou compensações para que o impacto ambiental seja amenizado com as amendoeiras que já foram cortadas.
No documento enviado à prefeitura, o promotor de Justiça questiona o porquê do extermínio das amendoeiras, se existe alguma finalidade pública, e ainda se a erradicação das árvores está amparada em algum ato administrativo, licenciamento ambiental ou autorização para o corte. Além disso, o promotor perguntou se haverá replantio de outras árvores ou compensação ambiental já prevista em licenciamento ambiental. A prefeitura tem até amanhã para se pronunciar.
Desequilíbrio ambiental
A bióloga Selene Nogueira, professora plena em comportamento animal do Departamento de Ciências Biológicas da UESC (Universidade Estadual de Santa Cruz), explica a importância das amendoeiras para as maritacas, pois as aves usavam as árvores como abrigo. Ela destaca que o problema, além de ambiental pode causar perdas econômicas com o turismo de observação de aves, uma das principais atrações turísticas de Ilhéus. "É uma atitude insensata e sem planejamento. Fragiliza o bem-estar único e mostra a pouca preocupação das autoridades públicas com sua fauna nativa", explica.
"O corte das árvores, usadas por essas e outras aves em áreas urbanas, sem qualquer tipo de planejamento, tem como consequências a falta de local para refúgio para as maritacas causando, além do aumento do estresse das aves, que repentinamente não dispõe mais de seu abrigo natural e buscam desesperadas por outros locais, a sua migração para outras áreas", destaca a bióloga, que é mestre e doutora em comportamento animal pela Universidade de São Paulo.
A professora afirma que a derrubada das árvores acarretará em problemas de desequilíbrio ambiental, como o aumento de insetos na zona urbana, como por exemplo, cupins na fase alada, além da "diminuição na polinização, germinação e predação de sementes de algumas espécies de plantas das quais estas aves participam, causando desequilíbrios a médio e longo prazo".
As maritacas formam casais, que vivem juntos por toda a vida, e a reprodução destas aves ocorre entre os meses de setembro e dezembro, quando buscam locais ocos em árvores de palmeiras ou cupinzeiros. Elas possuem características altriciais, ou seja, não sobrevivem sem os pais até atingir a fase adulta.
"As maritacas buscam áreas com árvores robustas para se abrigarem na dormida e, ao entardecer, bandos dessas aves voam de árvore em árvore em busca de acomodação. Ainda de madrugada deixam seus sítios de dormida, dispersando-se para buscar alimento. Há indícios de que haja variação individual na vocalização destas aves, revelando que há possibilidade de chamados de contato que diferenciam indivíduos podendo nortear onde estão seus pares para que haja reencontro para acomodação no local de abrigo", diz a bióloga.
Prefeitura diz ter licença para obra há cinco anos
A prefeitura de Ilhéus informou que "realizou a supressão de algumas amendoeiras no polígono que abrange o sistema viário na avenida Soares Lopes" para construção do sistema viário da nova ponte Jorge Amado e que a obra tem licença ambiental desde 2015.
O município afirmou ainda que o corte das árvores teve aprovação administrativa regular e que estuda junto aos órgãos competentes "qual o paisagismo a ser utilizado para substituir as amendoeiras".
O secretário de Meio Ambiente de Ilhéus, Mozart Aragão, destaca que as amendoeiras não são espécies recomendadas para a composição do paisagismo em áreas urbanas, pois não são nativas e as amêndoas causam problemas em tubulações pluviais.
"A rede de drenagem foi danificada com o acúmulo de amêndoas, tanto que a Secretaria Municipal de Infraestrutura está realizando a desobstrução das manilhas de drenagem pluvial para resolver os alagamentos na via. As raízes das amendoeiras também danificam calçadas, estruturas dos imóveis e, além das manilhas, também afetam a rede de esgoto", explica Mozart.
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