MG: Sem aval da União, hidrelétricas são construídas em área de preservação
Duas centrais hidrelétricas atualmente em construção no rio Aiuruoca, no município de Alagoa, no sul de Minas Gerais, obtiveram licenças ambientais sem que a APA (Área de Proteção Ambiental) da Mantiqueira, onde está inserida a região, acusasse ciência do impacto da instalação e operação dos empreendimentos.
A reportagem do UOL apurou que a Supram (Superintendência Regional Ambiental) Sul de Minas não informou devidamente qual será o impacto ambiental causado pelos empreendimentos —nem como será feita a mitigação desse impacto— para a APA, organismo federal que determina as regras de proteção do meio ambiente na serra, entre os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
As empresas, identificadas como Navitas Sacramento II e Navitas Sacramento III, pertenciam, na época da tramitação das licenças ambientais, ao grupo Terral Energia.
O diretor-executivo da empresa, Marcos Vinícius Araújo, afirmou que não foi falha da Terral o fato de ter havido falta de comunicação sobre os empreendimentos entre a Supram Sul de Minas e a APA da Mantiqueira.
"A gente fez tudo dentro da lei, nas diversas esferas, para obter todas as licenças", disse.
Apesar de bastante degradada pela produção agropecuária, a região de Alagoa serve como um corredor ecológico entre o Parque Estadual da Serra do Papagaio e o Parque Nacional de Itatiaia, com trânsito de vida selvagem.
Sem informar impacto ambiental
A APA da Mantiqueira recebeu em abril de 2018 dois ofícios da Supram Sul de Minas, órgão estadual responsável pela região, dando ciência das construções das Centrais Geradoras Hidrelétricas (CGH) Alagoa II e III.
Nos ofícios, porém, a APA da Mantiqueira não foi informada detalhadamente qual seria o impacto ambiental causado pelas hidrelétricas e nem o que os empreendimentos fariam para mitigar essa degradação. Por este motivo, o organismo federal não acusou ciência da instalação e operação dos empreendimentos.
Em agosto de 2018, a APA da Mantiqueira solicitou documentação complementar, que nunca recebeu.
Wallas Castro, gerente de meio ambiente da Terral Energia, reconheceu que "o empreendimento não é isento de impacto ambiental" e prometeu que as hidrelétricas se responsabilizarão pela recuperação da vegetação retirada durante as construções.
A empresa —que vendeu Alagoa III em 2018 por um valor não revelado à reportagem— afirma que o impacto ambiental dos empreendimentos será "mínimo" e que, depois de passar pelas turbinas das hidrelétricas, a água utilizada será devolvida ao rio Aiuruoca no mesmo nível que teria naturalmente.
Zona de amortecimento
A região em que ocorrem as construções é considerada zona de amortecimento do Parque Estadual da Serra do Papagaio, cuja administração concedeu anuência às hidrelétricas. Os empreendimentos também obtiveram outorga de uso de recursos hídricos para geração de energia, por 35 anos, da Agência Nacional de Águas e autorização do Exército para uso de explosivos.
Segundo a Prefeitura de Alagoa, que publicou a lista de autorizações em seu site, após receber reclamações sobre as obras, "todos os proprietários de imóveis rurais diretamente impactados pelo empreendimento autorizaram por meio de contrato de arrendamento a construção da CGH".
O Coletivo SOS Rio Aiuruoca —formado por pelo menos 12 entidades de defesa do meio ambiente, pesquisa, e cultura radicadas na serra da Mantiqueira— afirma que "o empreendimento será instalado em área com prioridade para conservação da biodiversidade muito alta".
De acordo com uma denúncia feita pelas entidades ao Ministério Público, que pede o embargo imediato das obras, as hidrelétricas não poderiam ser consideradas empreendimentos distintos e optar pelas licenças ambientais simplificadas que lhes foram concedidas, pois "estão sendo instaladas em áreas contíguas". O MPMG (Ministério Público de Minas Gerais) recebeu a denúncia do coletivo e está analisando o caso.
Segundo o gerente de engenharia da Terral Energia, Tiago Ali Meri, no entanto, os empreendimentos não foram divididos com essa intenção, pois Alagoa II terá capacidade de produzir 3MWh (megawatts/hora) e Alagoa III, 1,6MWh — um total de 4,6MWh. Para serem necessários licenciamentos ambientais que não sejam simplificados, uma central hidrelétrica tem de ter capacidade de 5MWh, justificou Meri.
Outra queixa do coletivo é que não foram realizadas audiências públicas durante os processos de licenciamento. O diretor executivo da empresa afirmou que foram organizadas palestras em Alagoa, uma delas na Câmara Municipal da cidade, em setembro de 2019. "Não foram solicitadas audiências públicas", disse Araújo.
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