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900 volts de tensão: por que peixe brasileiro dá choque? É perigoso?

O peixe-elétrico Poraquê - Reprodução
O peixe-elétrico Poraquê Imagem: Reprodução

Luciana Cavalcante

Colaboração para o UOL

29/09/2022 04h00

Um estudo publicado recentemente pela revista Nature Communications descobriu que há mais duas espécies de peixe-elétrico conhecido como poraquê, e não apenas uma como se pensava. A pesquisa foi realizada por Fapesp, Smithsonian Institution e National Geographic Society.

Pesquisadores de várias partes do mundo estiveram envolvidos no trabalho, que durou mais de dez anos, desde a sua concepção. As espécies são consideradas as mais perigosas do mundo, com descargas elétricas que podem chegar a 900 volts de tensão. Mas não são as únicas.

Três brasileiros estão entre os autores do artigo, sendo o pesquisador paraense Luiz Antônio Wanderley Peixoto, pós-doutorando do MZ-USP sob supervisão de Aléssio Datovo da Silva, pesquisador principal do Temático e professor na mesma instituição.

De acordo com Luiz Antônio Wanderley Peixoto, existem mais de 250 tipos de peixes-elétricos no mundo. A maioria tem uma voltagem tão baixa que é imperceptível pelo ser humano.

"Nas espécies em que ocorrem, usam a eletricidade que produzem para quatro funções: comunicação, percepção do ambiente, detecção de presas e encontro de parceiros potencialmente produtivos".

Apenas o poraquê tem a capacidade de causar um choque mais forte.

O que o estudo encontrou

Até então se acreditava que havia apenas um poraquê, da espécie Electrophoros eletricus. Na pesquisa foram identificados mais dois, sendo Electrophorus varii e a Electrophorus voltai. Este último, sendo o de maior voltagem entre todos, chegando a 900 volts.

De acordo com o estudo, a espécie que já era conhecida vive na região conhecida como escudo das guianas, que compreende as Guianas Inglesa e Francesa, além do Suriname, na região amazônica. Ele emite uma descarga de aproximadamente 500 volts.

Dos dois tipos identificados recentemente, o Electrophorus voltai possui a maior voltagem, cujo choque pode chegar a 900 volts. Ele foi encontrado somente no chamado escudo brasileiro na Amazônia, na margem direita do rio Amazonas.

'Essa voltagem é de aproximadamente sete vezes a potência que temos em uma tomada de casa. É uma capacidade de produção muito grande dessa espécie, sendo o organismo com maior produção e descarga elétrica do mundo", explica o pesquisador Luiz Antônio Wanderley Peixoto.

A segunda descoberta recente foi do Electrophorus varii, que é amplamente distribuído na região do rio Amazonas, que pode produzir aproximadamente 600 volts.

Por que o peixe dá choque?

Para entender como o peixe dá choque, Luiz Antônio Wanderley Peixoto compara as nossas sinapses no cérebro à capacidade desses peixes de emitir ondas elétricas.

"De maneira mais simples, basicamente, tudo é eletricidade, as nossas sinapses, por exemplo, ocorrem de duas maneiras: quimicamente ou eletricamente. O fato de conseguirmos mexer o músculo do braço ou o coração batendo ocorre através de sinapses elétricas, com a troca de informações neurológicas e os órgãos, que recebem a informação para se movimentarem ou não. O que acontece é que, ao longo de milhares de anos no processo evolutivo, esses animais levaram essa capacidade ao extremo".

O corpo humano produz voltagens muito pequenas para utilizar nessas funções, mas os peixes-elétricos aperfeiçoaram essa capacidade de produção, inclusive desenvolvendo órgãos específicos para a produção da eletricidade, segundo explica o pesquisador.

"Os órgãos elétricos ou de descargas elétricas, na maioria dos peixes que emitem essas descargas e especificamente no poraquê, os músculos foram modificando ao longo da história evolutiva desses animais e se transformando em órgãos elétricos".

O pesquisador explica que existe uma relação direta entre o tamanho do órgão produtor de energia e a sua capacidade de produzir descargas.

"No caso do poraquê, 80% do corpo é responsável pela produção de eletricidade, que é produzida pelos músculos do corpo, por isso a descarga é tão grande. Quanto maior o tamanho do bicho, maior a sua capacidade de emitir descarga elétrica. Enquanto há espécies marinhas onde a produção é feita pelo músculo dos olhos, por isso a voltagem é baixa", compara.

Outras espécies perigosas

O poraquê é o peixe-elétrico capaz de gerar a maior descarga elétrica do mundo, mas ele não é o único. Há outras espécies que também podem "dar choque". O pesquisador Luiz Antônio Wanderley Peixoto elencou outras quatro que têm descargas menores, mas ainda assim, perigosas aos humanos. Veja quais são:

  • Malapterurus eletricus: É uma espécie de bagre africano que também é encontrado em parte da Ásia. Tem um porte médio e produz uma descarga elétrica de aproximadamente 400 volts.
  • Arraia torpedo: É uma arraia marinha somente encontrada no oceano Atlântico, com alguns registros no mar Mediterrâneo. Também pode ser encontrada na região costeira do Brasil, no sul e sudeste. Pode atingir até 220 volts, o que é equivalente à voltagem mais forte de uma residência.
  • A de menor capacidade energética é o gênero Astrocopus (Uranoscopidae), que chega a 50 volts aproximadamente e vive em ambientes marinhos, sendo mais comum na costa dos oceanos Atlântico e Pacífico.
  • Arraia Raja: São arraias marinhas elétricas, encontradas nos oceanos Atlântico e Pacífico, com uma capacidade de emitir aproximadamente 50 volts.

Como se prevenir dos choques

O risco de entrar em contato com um animal marinho é bem menor do que com poraquê. Isso porque eles vivem em profundidade. Já os poraquês podem ser encontrados em rios e igarapés, mas ainda assim, segundo o pesquisador, a forma de prevenção é a mesma.

"Esses animais não atacam deliberadamente, apenas usam a descarga elétrica como defesa, em caso de ataque. Então, à menor desconfiança de que se trata de um peixe-elétrico, só é preciso manter distância. Eu, por exemplo, já nadei perto de um animal desses e não fui atacado", revela Luiz Antônio Wanderley Peixoto.

Em todo caso, é importante lembrar que, independente da voltagem do peixe-elétrico, com maior ou menor potencial de descarga elétrica, o contato pode causar danos à saúde, pois isso depende muito da condição de saúde da vítima.